“O Dom da vocação presbiteral” (III)

    Estamos comentando o documento O Dom da Vocação Sacerdotal, da Congregação para o Clero, e agora refletiremos sobre os capítulos IV e V que abordam a formação inicial do candidato ao sacerdócio e a permanente do clero, bem como as dimensões que tal formação comporta. Deseja dizer, em suma, o seguinte: depois do acompanhamento vocacional, é necessário que se tenha a formação seminarística – chamada, então, de inicial – e a permanente, pois abrange todo o tempo de ministério sacerdotal.
    Chama-se “tempo de formação inicial” aquele que vai do ingresso no Propedêutico ao término da Teologia. Ao final de cada semestre ou ano letivo e seminarístico deve haver uma avaliação do candidato ao presbiterado por parte de seus formadores: destes se espera coerência, e dos formandos docilidade. A esse tempo se segue a formação permanente dos padres, que não se confunde com eventos culturais, pastorais ou atualizações, mas é encontro com o Senhor na relação Mestre/discípulo.
    A formação começa, evidentemente, pelo propedêutico, que deve ser uma experiência não menor que um ano, nem maior que dois anos. Trata-se de um tempo de mútuo conhecimento entre formadores e formandos. Estes hão de viver uma vida de oração sacramental e pessoal, Liturgia das Horas (aqui aparece como importante), contato com a Palavra de Deus, bem como o estudo para enriquecimento cultural e, sobretudo, do Catecismo da Igreja Católica e do início de uma experiência paroquial, que ajuda a se inserirem melhor em alguma pastoral.
    O Documento chama atenção para dois pontos, a nosso ver, importantes: dê-se atenção especial aos candidatos vindos de grupos e movimentos tidos como “mais fechados”, pois eles necessitarão desenvolver laços maiores com a Igreja local, seu Bispo e o Clero, bem como importa saber se o candidato é sadio, equilibrado e capaz de doar a vida pela Igreja, e se ele tem capacidade de formar família, mas a isso renuncia por amor ao trabalho com as almas (cf. nota 95).
    Vem o tempo de Filosofia, de estudos acadêmicos, mas também de discipulado, pois o candidato aspira ficar com o Senhor (cf. Mc 3,14) seguindo-O, ouvindo Sua Palavra, guardando-a no coração e pondo-a em prática no dia a dia, ao mesmo tempo em que não se descuida da formação humana no campo físico, psico-afetivo e social, de modo a desejar uma vida equilibrada, inclusive por meio da prática de esportes e acompanhamento psicológico. Aliás, o n. 63 deixa claro que “a falta de uma personalidade bem estruturada e equilibrada representa um impedimento sério e objetivo para a continuação da formação ao sacerdócio”.
    O tempo da Filosofia não deve ser menor que dois anos, precisa ser levado a sério, como parte integrante da formação – e não mera passagem para se chegar à Teologia – ter um Diretor espiritual com quem possa abrir sua alma e sair, às vezes, do individualismo; confessar-se e levar uma vida espiritual à altura do progresso racional esperado nessa etapa de estudos. Depois, é possível pedir admissão às Ordens Sacras.
    Vem a Teologia, tempo também de estudos acadêmicos, mas, no plano espiritual, de configuração ao próprio Cristo, Mestre e Pastor que a todos serve com pleno despojamento de Si. Nesse propósito, o candidato vai conhecendo e assumindo a identidade sacerdotal, caracterizada por dois pontos básicos: o cuidado geral do Povo de Deus e a busca das ovelhas perdidas (cf. Jo 10,14-17). Também é um tempo de melhor se preparar para viver as virtudes morais e teologais, bem como os conselhos evangélicos, criando mais sólidos vínculos com sua Diocese na comunhão com o Bispo e com os irmãos presbíteros. Ali estará incardinado, ainda que não deva pensar em nível pequeno, mas sentir-se parte da Igreja Universal, que um dia pode precisar dele para servir em outro local que não seja sua própria Diocese. O mesmo vale para as Prelazias ou equivalentes. O Bispo dê ao candidato bem formado os ministérios de Leitor e Acólito, a fim de que possa servir ao Povo com a Palavra e ao Senhor no seu altar.
    Terminada essa fase vem a etapa pastoral, na qual o candidato, via de regra, sai do Seminário, vai morar em uma paróquia e aí ajuda o pároco até se tornar diácono e sacerdote, respeitado o intervalo canônico entre ambas as ordenações. Contudo, dadas as múltiplas realidades do mundo e das Dioceses, cada uma das Conferências Episcopais poderá estipular melhor essa questão. Antes de cada ordenação, haja retiro espiritual.
    Já a formação permanente é um desafio e o maior interessado há de ser o próprio padre, embora deva, obviamente, contar com todo apoio do Bispo, bem como buscar a orientação de padres mais experientes no âmbito teológico e pastoral. A formação contínua pode se dar por faixas etárias de tempo de ordenação ou em conjunto, dependendo de cada situação, embora, ao menos algumas vezes, a divisão seja oportuna.
    Tais formações são imprescindíveis, especialmente se se leva em conta que, com o passar dos anos, corre-se maior risco de o padre se sentir funcionário do sagrado, de experienciar as próprias fraquezas, de sentir o desafio da cultura de nossos dias, de atração ao poder e à riqueza, de sentir o celibato como desafio, de cansaço com o trabalho repetitivo ou mesmo – em qualquer idade – do acometimento por uma enfermidade, além, é claro, da necessidade de aperfeiçoamento filosófico, teológico, pastoral, sociológico etc., à luz do Espírito Santo.
    Requer-se ainda a fraternidade entre os padres: são irmãos e não competidores ou “donos” de um território chamado Paróquia. Daí, a necessidade de encontros para rezar, passar um tempo juntos, conversar, edificar-se mutuamente, nunca deixar a direção espiritual e a Confissão Sacramental, participar dos Retiros anuais ou semestrais, almoços ou jantares em comum, vida comunitária, às vezes mesmo em uma casa de padres, ou ainda participar de grupos de espiritualidades como Associações Sacerdotais, Fraternidades Leigas, ser Oblatos em Mosteiros, mas sempre em comunhão com o restante do Clero e com o Bispo, ou seja, “sem formar grupos exclusivos”.
    Muito do que foi dito sobre a formação permanente dos sacerdotes vale para os seminaristas, com as devidas ressalvas ou ajustes. Sua preparação há de contemplar o aspecto humano, espiritual, intelectual e pastoral. Espera-se que o candidato se configure a Cristo-Servidor, a começar pela vida comunitária no Seminário, e não como aqueles que “coabitam, mas não convivem”, conforme se costuma dizer. Não basta ser o homem que preside a comunidade, é preciso ser aquele que sai (“a Igreja em saída”, cf. n. 91) em busca dos necessitados e tem sobre seu ministério uma visão total e não parcelada ou errônea de quem serve por interesse.
    Espera-se do padre uma formação adequada no campo físico, psíquico e moral, a fim de se colocar a serviço. É sempre importante conhecer a maturidade do candidato e como foi sua infância, mesmo com a ajuda de psicólogos, para saber se ele é apto e maduro para, no dia a dia, se relacionar normalmente com homens e mulheres. Aliás, a começar em casa, com a mãe e as irmãs. As mulheres têm lugar importante na formação humana e afetiva do padre, chamado ao celibato, jamais à misogenia. Saiba também usar do mundo digital sem cair nas suas armadilhas, mas fazendo dele um meio de evangelização, sem se perder espiritualmente, unindo sempre oração (a devoção a Nossa Senhora, a São José e demais santos/as), sacramentos e estudos.
    São orientações importantes que, aos poucos, a Conferência Episcopal fará o trabalho de atualizar a “ratio” nacional, e cada Diocese dará os passos para ir colocando em prática as diversas orientações importantes desse novo documento da Igreja, que continuaremos a examinar.

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