O compromisso da filantropia com a justiça social

    Um dos avanços que tivemos nos últimos anos foi a promulgação da Lei 12.868/2013, estabelecendo critérios e percentuais, nas áreas da saúde, da educação, e da assistência social, para que as instituições possam obter a imunidade e ser consideradas verdadeiramente filantrópicas. Isto foi importante para separar as chamadas instituições “pilantrópicas” daquelas que verdadeiramente praticam a filantropia, contribuindo para a justiça social e a inclusão nos acessos à saúde e à educação. Quanto a esta última, fica claro que para se obter a filantropia, as instituições educacionais devem demonstrar a sua adequação às diretrizes e metas estabelecidas pelo Plano Nacional de Educação, atender aos padrões mínimos de qualidade, aferidos pelos processos de avaliação conduzidos pelo Ministério de Educação, e conceder anualmente bolsas de estudo na proporção de 1 bolsa de estudo integral para cada 5 alunos pagantes. No caso de bolsas parciais, no mínimo 1 bolsa integral para cada 9 alunos pagantes. Esta Lei não só tem possibilitado o acesso de jovens pobres em escolas e universidades de bom e excelente padrão, como também tem contribuído para aumentar a diversidade social nas instituições educacionais, quebrando barreiras econômicas, religiosas e culturais.
    Segundo dados do Fórum Nacional das Instituições Filantrópicas (FONIF), a filantropia na educação, do ensino básico ao superior, atende a mais de 2,2 milhões de alunos, concedendo 600 mil bolsas de estudo. Na saúde, 53% dos atendimentos do SUS são feitos por filantrópicas, e 62,7% de todo o atendimento gratuito em assistência social é realizado por instituições que beneficiam da imunidade.
    No momento em que se discute a reforma da previdência parece que o olhar se volta para entidades filantrópicas, onde a imunidade, prevista na Constituição de 1988 ao setor, não passa dos 3% da receita previdenciária, cuja desoneração é muito pequena se compararmos com outras mais volumosas e, sobretudo, se forem considerados os efetivos benefícios que prestam a amplos setores da sociedade.  Mais uma vez parece que o foco recai sobre aquilo que beneficia os pobres, e a filantropia assume o papel de vilão. Não seria oportuno, antes de atacar a filantropia, ouvir e obter dados concretos de cada instituição que se beneficia desta prerrogativa garantida pela Constituição e pela Lei? Esta capacidade de ouvir, recolher dados e debater os problemas com a sociedade é algo muito próprio e sábio do poder daqueles que foram eleitos, e são os representantes do povo. Este exercício permitirá ver a realidade concreta de quem vem cumprido ou não as exigências referentes à filantropia. Tirar simplesmente a imunidade, sem um sério e criterioso estudo certamente trará consequências desastrosas para as pessoas que dependem da filantropia para o acesso à saúde, à educação e à assistência social. É preciso estar atento às conquistas e garantias da Constituição e das Leis, e os benefícios que tem permitido a inclusão das pessoas mais pobres, sobretudo nestas áreas tão vulneráveis de nosso país, como a saúde e a educação. A filantropia tem um papel de apoio solidário nos setores onde o Estado sozinho não consegue resolver os problemas. Ela é parceira do Estado na execução de políticas públicas. A filantropia é o reconhecimento que o Estado concede às instituições sérias que desejam ampliar o número de alunos nas escolas, tornar a sociedade mais inclusiva, possibilitar os pobres maior dignidade, e realizar a justiça social. Não pode ser esquecido ou ignorado que a filantropia multiplica o que recebe, em benefício da sociedade, pois a cada 1 real referente à renúncia fiscal implica no retorno de 5,92 reais em benefício para a sociedade. Pode ser que no futuro, quando atingirmos a maturidade do Estado de Direito, e o Brasil se tornar um país mais justo, talvez não seja mais necessário conceder a filantropia, mas creio que ainda estamos longe deste ideal. Portanto, defendamos a imunidade para as instituições que tem procurado seguir e praticar os preceitos da Constituição e das Leis com seriedade, e a consciência de que estamos contribuindo de maneira efetiva e eficaz com a justiça social em nosso país.

    Pe. Josafá Carlos de Siqueira SJ – Reitor da PUC-Rio

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