O Apocalipse, a Vida Eterna, a transformação – Cartas do Padre Jesus Priante

“JÁ, MAS AINDA NÃO”

Neste penúltimo domingo do tempo litúrgico ou da Salvação que finaliza com a Festa de Cristo Rei, vencedor da árdua e penosa luta da História humana e cósmica na qual ainda estamos, as leituras nos reportam ao Fim dos Tempos, popularmente chamado de Fim do Mundo. Esta perspetiva apocalíptica está presente na maior parte das culturas dos povos, seja interpretada como um retorno para começar de novo ou como meta definitiva que dará lugar a uma Nova Criação, livre do seu mal.

Tudo quanto existe e acontece tem de ter um sentido final, uma flecha disparada do seu arco não pode ficar eternamente errante. No presente mundo que conhecemos e habitamos, como sabiamente disse Heráclito (séc. VI a.C.) tudo se move (“panta rei”), fenômeno que obriga-nos a nos perguntar: De onde viemos e para onde vamos?

O acaso ou indeterminismo é um absurdo em si mesmo. Carece de Logos ou razão de ser. O “eterno retorno” do mesmo, leva-nos ao que em filosofia chamamos “círculo vicioso”, monotonia do tédio existencial. Termos o nada como meta negaria o mesmo ser e seu sentido. O que existe tem de ser de alguma maneira eterno, cumprindo a lei física de Avogadro: “Nada se aniquila, tudo se transforma”. Essa lei corresponde ao plano criativo e salvífico que Deus nos tem revelado. Ninguém faria algo para ser destruído ou jogado no lixo. Tudo o que existe cumpre uma finalidade positiva; inclusive, até o próprio mal, segundo São Paulo, coopera para o bem. Resta-nos concluir que nós e o universo, incompreensível e, por vezes, racionalmente contraditório, é fruto de um projeto ou “design” inteligente, embora escurecido pela presença do mal que alberga ou, como prefere Santo Agostinho dizer, pela carência de bem. Nos movemos num grande enigma ou mistério. Toda explicação científica e filosófica é insuficiente, mera “teoria” ou representação mental. Ortega y Gasset costumava dizer: “Cremos mais do que sabemos”.

Aristóteles (sec. IV a.C) construiu um mundo abstrato ao seu modo. Dizia ele que a realidade era fruto de quatro causas: eficiente (agente criativo; material (do que as coisas estão feitas; formal (como tomam forma ou maneira de ser); e final (para que são feitas).

Mas, Aristóteles deixou as coisas e a nós mesmos sem qualquer destino. As ciências, por sua vez, lidam com a epiderme dos fenômenos em permanente mudança, não com a realidade em si. Por isso é obrigada a desmentir, afirma Popper, tudo o que acredita saber, para tentar saber de novo. Einstein e Hawking chegaram a cogitar a possibilidade do tempo ser curvo. Nós e o universo transitaríamos eternamente pelo mesmo caminho, sem qualquer destino. Toda uma fantasia para os que, carecendo de Fé, carecem também de sentido, como defendia Jung. A razão, na sua busca pela verdade, postula a Fé, luz supranacional que torna mais sensata e racional a
própria razão. Desta luz que Deus nos brinda, nossa maior preocupação não é tanto sobre Quem, como e por quê o mundo foi feito, mas para quê ele foi criado, finalidade que não pode ser outra a não ser sua plenitude de ser e vida, isenta de carências e mal e, por tanto, feliz. Até as pedras, segundo Spinoza (séc. XVII) perseguem e existem para esse fim, inerente ao ser de todas as coisas. São Paulo professou essa mesma tese: “Toda a Criação espera ansiosamente sua feliz glorificação” (Rm.8). A história tem de ser lida desde sua última página. Talvez, por isso, o povo judeu, a quem Deus confiou a verdade da fé antes de Cristo, editam seus livros invertendo a ordem: a última página é a primeira para ser lida.

K. Barth afirma que a Fé cristã é essencialmente escatológica, nos conecta com o fim dos tempos. Da mesma sorte, expressa-se Moltmann: “O cristianimso é escatológico. Toda pregação e existência cristã orienta-se ao fim dos tempos”.

Entramos nessa fase final com a Ressurreição de Cristo, último acontecimento da História. Ela é, diz von Balthasar, a situação definitiva de cada ser humano. E Rahner acrescenta: o futuro final dos tempos é o cumprimento do existente. Todos esses teólogos do século XX são alemães e, como alguém disse: pensa-se só em grego e alemão. Nos nossos dias, entretanto, nem em grego, nem em alemão. Os algoritmos da inteligência artificial suplantaram nosso pensar deixando-nos entretidos e afogados num mar de coisas, carentes de futuro e de sentido.

“JÁ, MAS AINDA NÃO” é a leitura que Oscar Cullmann, também alemão, faz da história da Salvação. Já estamos salvos e atingimos nossa meta, mas ainda permanecemos na condição de viandantes, a caminho. Temos por certa e segura a Vida Eterna e feliz em Deus, mas ainda não podemos dela desfrutar, semelhantes a como poderia sentir-se o portador de um cheque milionário, sem nenhum outro dinheiro disponível, até o banco abrir. Seria a tradução das palavras de São João: “Já somos filhos de Deus, mas ainda não se manifestou o que seremos no fim” (1Jo.3,2).

A Ressurreição

O que determina nossa dimensão escatológica e do mundo não é a morte ou o fim do mundo, no sentido de aniquilamento, mas a Ressurreição de Cristo. Ele é o escatológico concreto que espera ser plenificado com Sua vinda gloriosa no Fim dos Tempos.

Caberia falar de uma felicidade crescente no Céu, assim como, pela Fé, de crescente esperança feliz aqui na terra. A dialética do “já, mas ainda não” nos permite entender o Mistério da Salvação. Outrora era mera promessa de Deus, mas, no presente, já realizada em Cristo Ressuscitado em favor de todos. Nem o Criador, nem Suas criaturas seremos felizes, até o Fim dos Tempos, quando tudo seja em Deus e Deus em nós. Na terra e no Céu todos ainda pedimos: “Venha a nós o vosso Reino”. Por isso, a Bíblia, narrativa da história da Salvação, finaliza seu relato exprimindo ardente desejo pelo Fim dos Tempos a serem concluídos com a vinda gloriosa de Cristo . “O Espírito Santo (o próprio Deus, no Céu) e a Esposa (os que creem em Cristo, aqui na terra) gritam: “Vem, Senhor Jesus.” (Ap.22,20).

Com esse desejo apocalíptico, iniciamos liturgicamente um ano novo com o Advento, que significa vinda e chegada ao mesmo tempo. A Salvação a
ser concluída no Fim do Mundo com a vinda gloriosa de Cristo é esse “going” ou futuro contínuo, presente em cada instante. O cristão tem memória de futuro.

“NAQUELE TEMPO SURGIRÁ MIGUEL, O GRANDE PRÍNCIPE… SERÃO TEMPOS DE ANGÚSTIA COMO JAMAIS HOUVE… OS QUE DORMEM NOS SEPULCROS RESSUSCITARÃO” (Dn, 12,1-3)

A linguagem bíblica é essencialmente simbólica e metafórica (além das palavras). A expressão “naquele tempo”, que nós católicos usamos muitas vezes para introduzir a leitura dos Evangelhos, tem um sentido apocalíptico. Refere-se ao tempo de pecado, da dor e da morte no qual ainda vivemos, neste mundo. O profeta Daniel o qualifica de tempo de angústia e o NT de tribulação.

Quem como Deus?

A figura de Miguel, que significa em hebraico, no sentido interrogativo, “quem como Deus?”, alude ao poder salvífico de Deus em Cristo a desafiar todas as forças do mal. Na
tradição judaica, Miguel é um poderoso Anjo que defendeu a supremacia de Deus no Céu, quando alguns anjos se rebelaram contra Ele. Castigados por Deus, foram expulsos e lançados ao inferno na condição de demônios. É um mito, mas não por isso, menos verdade, pois sem Deus ou contra Deus o ser e a vida não podem existir.

Em 1917, Fátima. Em 1918…

No ano 1918, Lenin, diabolicamente, processou a Deus por genocidio. Montou um tribunal, com todo o aparato de  juízes, advogados de acusação e defesa, na Praça Vermelha de Moscou, diante de uma grande multidão, para Deus ser julgado. Depois de cinco dias de “julgamento” foi ditada a sentença de condenação à morte. O advogado de  defesa quis intervir, impedi-lo, alegando  demência em Deus, por isso, isento de responsabilidade e culpa. Mas o juiz ratificou seu veredito. No dia seguinte, um piquete de soldados, armados com metralhadoras, dispararam contra o céu para matar Deus, embora, duas décadas antes, Nietzsche já o dera por morto, não sem lamentar tragicamente: “Depois que matamos Deus, agora que não temos mais sol, quão longa e interminável é a noite”. De fato, se Deus não vive somos nós os que  estamos mortos.

Se Deus é por Nós?…

A figura bíblica de Miguel é expressada por São Paulo dizendo: “Se Deus está conosco, quem estará contra nós?… Quem nos poderá separar do amor de Deus?… A tribulação ou angústia, a perseguição ou a fome, os perigos ou a espada ?…

Estamos seguros que nem a morte, nem a vida, nem o presente, nem o futuro, nem os poderes do Céu e dos infernos, criatura, nem e mal algum nos pode separar do amor de Deus em Cristo Jesus” (Rm.8,31-39).

Nosso Estandarte

Estas sublimes palavras teriam de ser o estandarte de cada pessoa e de todos os povos. Seria a melhor terapia contra toda depressão, angústia e desespero.
Jesus condensa todo pecado e mal do mundo na falta de Fé na Sua pessoa. Mas, o Espírito nos convencerá antes de findar nossa vida e a história do mundo desse pecado, para sermos todos salvos em CRISTO (Jo.16,9), pois nenhum poder maléfico, pecado e morte nos pode separar de Deus. Ninguém poderá morrer ateu nem contra Deus, pois até os demônios aparecem em vários episódios no Evangelho reconhecendo o poder Salvador de Cristo. Nem nós, nem os demônios temos poder de auto aniquilar-nos ou de morrer eternamente – seria o mesmo do que ter o poder, que não temos, de autocriar-nos.

O anjo Miguel estará presente até o fim do mundo para nos questionar: “Quem como Deus?” até nos convencer de que só Ele, em Cristo, vencerá todo mal. O nosso final histórico, de toda a Criação é Cristo Ressuscitado. Depois de Cristo, tudo está feito. Nada de substancialmente novo se espera, embora, enquanto estamos neste mundo, tudo resta por fazer: a Páscoa final ou passagem definitiva com Cristo para o Novo e glorioso mundo do Reino dos Céus. As tribulações, dores e a morte que ainda sofremos, não são de agonia, mas de parto.

A energia da Ressurreição de Cristo, interior à própria Criação, à maneira de fermento, atua misteriosamente para ser glorificada.

“CRISTO, DEPOIS DE TER OFERECIDO UM SACRIFÍCIO ÚNICO PELOS PECADOS, ESTÁ SENTADO À DIREITA DE DEUS PAI, À ESPERA DA VITÓRIA FINAL DE TODA MAL” (Hb.10,11-18)

No Credo, professamos esta verdade da nossa Fé: “Creio em Jesus Cristo, que subiu ao Céu e está sentado à direita de Deus Pai”. No século X, uma dos emblemas mais populares a representarem a Cristo foi o
chamado Pantocrator (todo poderoso), sentado sobre um trono em atitude régia e triunfal, dando por concluída Sua missão Salvadora. É o que nos mostra a carta aos Hebreus. Depois do Seu único sacrifício na cruz, todos nossos pecados foram perdoados, assim como, pela Sua Ressurreição, a morte foi vencida. Isso mesmo é o que se nos revela, metaforicamente, na obra da Criação. Após Deus ter criado o mundo em seis dias, no sétimo descansou; também Cristo, terminada sua obra salvadora com sua morte e Ressurreição, descansa eternamente sentado à direita de Deus Pai. É claro que nem Deus descansou, como Jesus disse: “Meu Pai sempre trabalha”, nem Jesus Cristo está sentado no Céu, como ele prometera: “Eu estarei convosco todos os dias até o fim dos tempos”.

Retornamos à leitura que Oscar Cullman faz da história da Salvação:” Já, mas ainda não”.

Tudo está feito e, ao mesmo tempo, por fazer.

Temos por segura e certa a Salvação, mas ainda ela transita na ponte da esperança, inabalável, porque essa ponte é o próprio Cristo.

“Cristo é nossa feliz esperança” (1Tm, 1,1). Ele é o Sumo sacerdote ou Pontífice, que significa aquele que faz a ponte. Escurece este Mistério salvífico que temos em Cristo, quando o interpretamos no sentido de redenção ou, com as categorias religiosas de sacrifício, sacerdote e altar. Esses conceitos mostram a Salvação como fruto de uma ação exterior a nós, assim como nossa pertença, não a Deus, senão a um outro dono ou senhor. Nos encontrávamos num estado de “queda”, escravos do pecado e da morte. (Hb.2) Cristo teria vindo como “redentor”, pagando, com Sua morte, o preço de nosso resgate. Mas, sendo outro, e não Deus, nosso dono, Cristo não teria por que pagar com Seu sangue nossa dívida contraída por causa de nossos pecados para com Deus, como nos fez crer Santo Anselmo com sua Teoria da Satisfação, justificando assim a vinda de Cristo. O preço de nossa libertação pertenceria ao mal ou “maligno” que nos mantém escravos. E se for a Deus a quem pagar, nossa Salvação não seria dom e graça Sua, mas indenização justa, negando o único e verdadeiro Deus revelado em Jesus Cristo, Amor e Misericórdia incondicional para com todos. Igualmente os conceitos de altar, cordeiro, sacrifício e sacerdote, próprios da cultura religiosa, não nos ajudam a entender o Mistério da Salvação que, como o mesmo termo latino “salus” sugere, trata-se duma cura interior pela medicina divina da Graça, a transformar nossa condição de dor, pecado e morte na qual nascemos e vivemos provisoriamente, até nossa comunhão de Vida Eterna e feliz com Deus.

Cristo não é propriamente sacerdote mediador, mas o “meio divino” da nossa divinização. Uma vez repetimos: a Salvação é interior a nós e à toda a Criação, como semente que germina e cresce, disse Jesus, sem que nos o possamos perceber. Infelizmente, fomos mais doutrinados religiosamente, do que evangelizados. No catecismo, aprendemos de cor os chamados Novíssimos, para referir o fim da nossa vida ou da história do mundo. Esses Novíssimos ou Postrimerías são: morte, juízo, purgatório, inferno e paraíso. Até o termo é contraditório e paradoxal. Nada mais antigo e velho do que o Deus das religiões antes de Cristo a nos julgar, para nos premiar e castigar conforme nossos méritos. A Boa Nova do Evangelho de Jesus: é a nossa Salvação. A mais do que possível condenação de nós e de todos os povos já a conhecíamos. O mistério que estava escondido e que Cristo veio nos revelar, nos diz São Paulo, é que fomos “predestinados”, destinados antes de vir ao mundo, a sermos filhos de Deus.

“NAQUELES DIAS, DEPOIS DA GRANDE TRIBULAÇÃO, O SOL ESCURECERÁ, AS ESTRELAS DO FIRMAMENTO SERÃO ABALADAS. E VERÃO O FILHO DO HOMEM VINDO ENTRE AS NUVENS COM PODER E GLÓRIA” (Mc. 13,24-32)

O Evangelho recolhe a expressão da primeira leitura: “Naquele tempo” ou dias de sofrimento, pecado e morte em que, nós e o cosmos existimos, fadados a um final apocalíptico. Nesses derradeiros dias de angústia e tribulação, as pessoas que ainda vivem neste mundo, na sua condição terrena, verão vir entre nuvens o Filho do Homem, revestido de poder e glória. Jesus se apropriou dessa figura apocalíptica que o profeta Daniel viu em particular revelação divina no meio de quatro monstruosas bestas, símbolo do mal. O mesmo Messias Salvador, anunciado pelo profeta Isaías como “Servo Sofredor”, o profeta Daniel o anuncia como Deus à maneira humana, triunfante e glorioso. Ele subiu ao Céu, tornou-Se invisível no meio de nós, e O veremos no último dia de nossa vida pessoal e, no fim dos tempos, toda a Criação. Jesus insere-Se nessa expectativa messiânica e gloriosa da História, prometendo aos Seus discípulos Seu pronto retorno antes de Se tornar invisível no dia da Ascensão. Nesse dia, mudou o olhar da humanidade. Enquanto subia ao céu, dois anjos disseram:

“Homens da
Galileia que fazei a olhar para o céu? Este mesmo Jesus virá como Lhe viram subir” (Atos.1,11). Não faz muito tempo, apareceu a notícia de que um dos maiores telescópios da NASA, de grande diâmetro e 900 toneladas de peso, não mais funcionava. Os anjos após a Ascensão de Jesus repetiam suas palavras. Que fazem os homens da NASA e todos os seres humanos olhando para as galáxias, à procura de outros entes vivos, quando Cristo nos disse: “Eu sou o princípio e o fim”? Ele é o último acontecimento da História e a palavra definitiva a iluminar o sentido de nossas vidas e do universo que habitamos.

Deus fez deste nosso planeta azul, Sua sede para governar e Salvar o mundo. Ele veio na pessoa de Jesus de Nazaré, foi visto de maneira humana na condição de servo, e agora O esperamos glorioso para estabelecer para sempre Seu Reino de Vida, glória e felicidade em favor de todos. Nosso olhar jamais poderá pousar em nenhum outro planeta ou estrela até o dia em que Jesus retorne revestido de poder e glória. São os olhos da Fé e não dos telescópios que vislumbram a vinda de Jesus e, com Ele, aparecerão também os novos céus e nova terra que esperamos, não antes de
acontecerem “grande sinais”, catastróficos, necessários, pois, para dar lugar ao novo, será preciso “destruir” ou transformar o velho. Na vida pessoal essa profecia cumpriu-se literalmente.

O APOCALIPSE EXISTENCIAL

O apocalipse de nossa existência, à espera de Jesus, que virá com poder e glória no dia de nossa morte, é precedido pelos sinais catastróficos das doenças, dores e carências, sendo a irreversível velhice o maior sinal apocalíptico de todos. Cairão as estrelas de nossos sonhos e todos os castelos construídos. Quando isso acontecer, disse Jesus, “levantai vossas cabeças porque se aproxima vossa Salvação”. Inclusive Jesus nos recomendou orar para pedir a Deus abreviar esses dias, não de agonia, de parto doloroso. Já encontrei muitas pessoas em estado terminal, de angústia e dor, me suplicar para pedir a Deus que logo se lembre dele e lhe venha buscar. Esta experiência apocalíptica de cada pessoa aplica-se à toda Criação. Em Mt, 24 mencionam-se alguns dos sinais que precedem ao Fim do Mundo, e que vêm acontecendo ao longo da História. Jesus disse que antes disso acontecer, a cidade de Jerusalém seria destruída. Fato que aconteceu no ano 70. Virão falsos profetas e Messias, guerras, fome, terremotos, epidemias, tempos de angústia e catástrofes climáticas e cósmicas. Esses sinais aconteceram e vêm acontecendo. O Apocalipse é o existencial ou maneira de existir da Criação, regido pela lei da entropia ou da “corrupção”. Caminhamos, pois, a um final deste mundo que habitamos para dar lugar ao mundo novo do Reino de Deus. Este processo apocalíptico não é de aniquilamento, mas de “transformação gloriosa” (Rm.8) através da energia onipotente da Ressurreição de Cristo.

Quando Jesus anunciou estas coisas, seus discípulos lhe perguntaram: “Quando, Senhor, acontecerá isto?” Ele disse que só o Pai sabia. Talvez teríamos de aplicar aqui a explicação que Santo Agostinho dá à mentira de Jacó, dizendo ao seu pai Isaac ser seu filho primogênito, no lugar de seu irmão Esaú, para receber a herança que não lhe pertencia. Não era mentira, diz Santo Agostinho, mas mistério. Da mesma sorte, Jesus disse não saber quando acontecerá o fim do mundo, porque permanecerá até seu último dia como um grande mistério ou verdade além de nossa razão, pois não tem lógica que, tendo criado Deus o mundo bom, teve de inserir nele o mal para ser pleno de bem e de glória. Também porque, se conhecêssemos esse derradeiro dia, seria impossível viver neste mundo. Como seria impossível viver racionalmente se tivéssemos absoluta certeza de morrer para sempre. Por isso, em filosofia, defendemos a tese da impossibilidade de sermos ateus. Podemos ser antiteístas, mas nunca ateus. Alguns neurologistas acreditam que temos um gene divino, por isso, somos naturalmente religiosos, ligados existencialmente a Deus.
Mesmo assim, ainda que o Fim do Mundo seja um Mistério que Deus reservou-se até o fim dos tempos, nunca faltaram nem faltarão profetas para anunciá-lo. O próprio São Paulo foi um deles. Na primeira carta aos Tessalonicenses prognosticava esse final, estando ele ainda vivo.

O Milênio, o Fim dos Tempos, Previsões…

Mais tarde apareceu o movimento chamado milenarista nas comunidades cristãs de São João, datando o fim do mundo para o ano 1000. Na noite do dia 31 de dezembro anterior, o povo ficou acordado esperando este acontecimento. Não tendo acontecido, alongaram a profecia: “chegarás ao ano
mil, mas do ano dois mil não passarás”. As Testemunhas de Jeová também marcaram várias datas para esse final apocalíptico. Há duas décadas um autor americano escreveu um livro, no qual, reportava o final do mundo, segundo a cultura maia, para o ano 2012. Os judeus Ortodoxos, seguindo uma cronologia bíblica, segundo a qual a idade do mundo será apenas de 6,000 anos, que representam os seis dias da criação, o fim dos tempos acontecerá exatamente no dia 30 de setembro do ano 2239. O certo é que, a respeito desse último instante, que Jesus comparou à brevidade de um relâmpago, humanamente desconhecemos. É sugerido, entretanto, em alguns textos bíblicos (Ex.12,Lc.22,Ap.3 e outros) que acontecerá de noite ,concretamente na noite da Vigília Pascal, preservando assim seu mistério pois, ao se reger pelo calendário lunar, não podemos predizer exatamente a data desta última noite. Entretanto, sem uma referência espaço-temporal seria
impossível, humanamente, esperar.

Apocalipse Pessoal, o Princípio e o Fim

Também nosso apocalipse pessoal acontecerá de noite. Todos passaremos pelo “vale escuro da morte” ao encontro da Luz da Vida em Cristo. Nenhum progresso dissipará essas trevas. Jesus nos desafia: “Eu sou a Luz do mundo”. “Sem mim nada podem fazer”. “Eu sou o princípio e o fim”. O único progresso, diz o papa Paulo VI na sua encíclica “Progresso dos Povos”, consiste em tornar este mundo mais humano, mais de Cristo e mais de Deus, que seria uma outra versão da carta de São Paulo aos Colossenses: “Tudo é vosso, vocês de Cristo e Cristo de Deus”.

De certa feita, um professor universitário de São Paulo, aposentado, em seus 90 anos, me disse ter encontrado a casa que sempre sonhou, e que nunca teve, na pequena Igreja que assiduamente frequentava, onde passava algumas horas de paz e eternidade com Deus. Essas horas eram o único tempo que não lhe matava e lhe tornava imortal. E lembrava as palavras introdutórias à Missa antes do Concílio Vaticano II: “Entrarei no altar de Deus, do Deus da minha juventude”. Estas palavras, dizia, superam todas as cátedras da sabedoria humana.. Maravilha!…

Como colofão desta longa reflexão apocalíptica, que será gloriosa, fazemos próprias as palavras do Sl 15: “Meu coração alegra-se… pois Deus não me deixará na cova da morte”.

Padre Jesus Priante
(Edição e intertítulos por Malcolm Forest. São Paulo.)
Copyright 2021 Padre Jesus Priante. Direitos Reservados. Compartilhe mencionando o nome do autor.

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here