Editorial: Um copo de água

“Ignorar o pobre é desprezar Deus”: uma frase que o Papa Francisco pronunciou nas semanas passadas durante uma audiência geral na Praça São Pedro, quando ele dedicou o tema de sua catequese à pobreza e a misericórdia e que deve sacudir a nossa consciência. A frase foi o coração de sua reflexão, que partiu da parábola evangélica do pobre Lázaro e do rico opulento.

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Condições de vida opostas em tudo – a do rico e a do pobre -, e que jamais se tocaram, apesar de Lázaro viver às portas da casa do opulento. Uma parábola de 2 mil anos atrás, mas de uma atualidade impressionante. Basta olhar ao nosso redor para notar os novos Lázaros que batem às portas dos novos ricos.

Uma imagem atual: os refugiados que batem às portas da velha Europa. Muitas dessas portas ainda continuam fechadas.

Podemos conhecer toda a Bíblia, toda a teologia, mas o amor… vai por outro caminho nos recorda Francisco! Diante do sofrimento de tanta gente que padece fome, violência e injustiças, não podemos ser meros espectadores. “Ignorar o sofrimento do homem significa ignorar Deus!”. A compaixão, o amor, não é um sentimento vago, mas significa cuidar do outro, comprometer-se, identificar-se com ele.

Como o tema é de grande atualidade, Francisco durante uma das suas homilias na Santa Missa na capela da Casa Santa Marta, comentando a leitura do dia, extraída da carta de São Tiago fez uma forte advertência aos ricos que acumulam dinheiro explorando as pessoas. “As riquezas em si mesmas são boas – disse -, mas são “relativas, não uma coisa absoluta.”

De fato, erra quem segue a chamada “teologia da prosperidade”, segundo a qual “Deus mostra que você é justo se lhe dá tantas riquezas”. O problema é não apegar o coração às riquezas, porque – recordou – “não se pode servir Deus e as riquezas”.

Francisco vai mais além e toca a tecla da exploração do próximo, exploração que torna alguém rico e muitos escravos. Quem faz isso, disse Francisco num tom sem equívocos, “são verdadeiras sanguessugas” e vivem do sangue que jorra das pessoas transformadas em escravos do trabalho.

Dura advertência a um mundo em que vê a pessoa como objeto e não mais como sujeito. Mundo que gira ao redor de um egoísmo insaciável “descartando” quem não produz, e que explora aquele que pode “dar mais”. O sangue de toda esta gente que vocês sugaram “é clamor ao Senhor, é um grito de justiça. A exploração das pessoas hoje é uma verdadeira escravidão”, diz o Papa.

Francisco afirma que pensávamos que os escravos não existissem mais, mas eles existem. As pessoas não são mais buscadas na África para serem vendidas na América, elas estão em nossas cidades.

Recordando que a morte, mais cedo ou mais tarde tocará a todos, pobres e ricos, o Sucessor de Pedro recorda que “ninguém pode levar consigo as próprias riquezas”. A mortalha não tem bolsos.

Devemos perceber o próximo que está ao nosso lado, à nossa porta, esperando para ser visto e ajudado. O pior da nossa existência é não perceber isso; explorar e deixar o outro morrer a míngua, de fome, também com um trabalho mal remunerado! “É viver do sangue das pessoas”.

Pensemos neste drama de hoje: a exploração das pessoas, o sangue das pessoas que se tornam escravas, os traficantes de seres humanos e não somente aqueles que traficam prostitutas e crianças para o trabalho infantil, mas aquele tráfico mais ‘civilizado’ que explora o trabalho do outro sem dar nenhuma condição de que ele possa ter uma vida digna.

Francisco insiste no fato de que devemos abrir o nosso coração à Palavra de Deus, que nos chama a amar o próximo. A Palavra de Deus pode ressuscitar um coração árido e curá-lo de sua cegueira. Nenhum mensageiro e nenhuma mensagem podem substituir os pobres que encontramos no caminho, “porque neles está Jesus que vem ao nosso encontro”.

Para concluir, uma frase lapidária de Francisco para refletir e viver: “É mais importante um copo de água em nome de Cristo que todas as riquezas acumuladas com a exploração das pessoas”. (Silvonei José)

 

Fonte: Rádio Vaticano

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