UM SONHO CULTURAL

          O segundo sonho do Papa Francisco em sua exortação “Querida Amazônia” vem impregnado de um desejo de justiça: respeitar a cultura indígena. Foi exatamente esse desrespeito que levou à bancarrota e ao extermínio as culturas de povos e nações superdesenvolvidas para a época, como os Incas, Maias ou Astecas. O massacre infringido pelos colonizadores, acompanhados pela cobiça do maldito ouro ou prata, foi a gota d´água dum desastre cultural nunca visto na história da humanidade. Jamais saberemos quais segredos culturais, religiosos e místicos constituíam os pilares da harmonia e do progresso social desses povos.

              Mas ainda é tempo de salvar o pouco que restou. Preservar a cultura de um povo é devolver-lhes a própria identidade. “Tal é o sentido da melhor obra educativa: cultivar sem desenraizar, fazer crescer sem enfraquecer a identidade, promover sem invadir (28)”, alerta Francisco. E vaticina: “Assim como há potencialidades na natureza que se poderiam perder para sempre, o mesmo pode acontecer com culturas portadoras duma mensagem ainda não escutada e que estão ameaçadas hoje mais do que nunca (28)”.

              Então os índios tem algo a nos ensinar? E como. Em especial em sua harmonia com a natureza, o divino, o transcendente. “Deus manifesta-Se, reflete algo de sua  beleza inesgotável através dum território e das suas características, pelo que os diferentes grupos, numa síntese vital com o ambiente circundante, desenvolvem uma forma peculiar de sabedoria (32)”. Aqui a mística humana se mescla à natureza, donde flui como caudaloso rio de revelações. Deus se manifesta como raiz de toda cultura e conhecimento humano, sem qualquer referência ou considerações ao seu estágio cultural. “Convido os jovens da Amazônia, especialmente os indígenas, a <assumir as raízes, pois das raízes provém a força que os fará crescer, florescer e frutificar> (33)”. Questão de sobrevivência cultural. “Por isso, é importante <deixar que os idosos contem longas histórias> e que os jovens se detenham a beber desta fonte (34)”.

              Não se trata de um retrocesso cultural, mas resgate. Nessa busca de identidade cresce o intercâmbio e o respeito entre os povos de culturas díspares. Há nisso um crescimento mútuo. “As culturas da Amazônia profunda, como aliás a realidade cultural, têm as suas limitações; as culturas urbanas do Ocidente também as têm (36)”. Eis a oportunidade de se encontrar um equilíbrio que favoreça a todos. “Deste modo a diferença, que pode ser uma  bandeira ou uma fronteira, transforma-se numa ponte. A identidade e o diálogo não são inimigos 37)”. Chegamos então a um denominador comum no respeito à cultura, tradições e aspectos sociais para as quais até então pouca atenção dispensávamos. “Uma cultura pode tornar-se estéril quando <se fecha em si própria e procura perpetuar formas antiquadas de vida, recusando qualquer mudança e confronto com a verdade do homem>, escreveu S.João Paulo II (Cent. Annus)” e Francisco acrescentou: “Nem mesmo a noção da qualidade de vida se pode impor, mas deve ser entendida dentro do mundo de símbolos e hábitos próprios de cada grupo humano (40)”.

              Que se calem as vozes contrárias a intromissão da Igreja em questões que pensávamos como exclusividade nossas. Como vemos, o Sínodo que nos fornece essa exortação vem bem a calhar com as respostas que buscamos para nossos conflitos culturais. Mais que nossas querelas territoriais e estratégias de dominação, precisamos fazer crescer nosso diálogo cultural e consequente respeito àqueles que partilham conosco do mesmo verde (esperança) amarelo (riquezas e sonhos) e azul (olhar infinito às belezas que temos). “Isto abre passagem ao sonho sucessivo”, diz Francisco.

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