Um rio de gente com luzes nas mãos

Foi encantadora a festa. Podia se respirar o clima de fé, de oração, de adoração a Deus, além da genuína fraternidade reinante naquela imensa comunidade que percorria a Avenida Rio Branco, artéria principal de Juiz de Fora. Levando velas acesas nas mãos, era como um rio de luzes que ia serena e exuberantemente se desenvolvendo rumo à linda Catedral. Ao som de hinos, variadas canções religiosas e aclamações, a multidão parecia ter um só coração e uma só alma, no dizer de Lucas ao descrever o espírito reinante entre os primeiros cristãos (Cf Atos 4, 32 ss). Nas bandeirinhas brancas que também empunhavam, e às vezes agitavam, se podia ler as palavras Somos da Paz, pois é Ano da Paz.  Era festa de Corpus Christi, o louvor público no qual os féis proclamam sua fé na presença viva de Jesus que continua interruptamente caminhando com aqueles que nele crêem e o amam.
A presença Eucarística é algo forte, imorredouro e infinito. Não é apenas simbólica, é mais que isto. É real, embora invisível. É viva, mas mística. Os últimos momentos de Cristo na terra ficaram marcados para sempre no coração dos discípulos e estes o transmitiram aos seus sucessores no caminhar da história. Os gestos e palavras do Mestre de Nazaré na última Ceia, o martírio no Calvário, a ressurreição do domingo pascal nunca sairão da mente daqueles que nele crêem. Tais momentos pascais ficaram tão vivamente gravados no coração dos fiéis da Igreja primitiva que os três evangelistas sinóticos a descrevem quase com os mesmos vocábulos (Cf. Mc 14, 22-23; Lc 22, 14-20; Mt 26, 26-28). Todos eles afirmam que Jesus, tendo o pão em suas mãos, disse, mutatis mutandis, estas palavras: ‘Tomai e comei, Isto é o meu Corpo’ e sobre o cálice disse ‘Isto é o meu sangue, o sangue da aliança, que é derramado em favor de muitos’. Sua presença eucarística se faz tão robusta, que se torna em algo que é mais que natural, é sobrenatural. Não é contrário à lógica, mas a supera.
São João Evangelista registra um maravilhoso sermão de Cristo sobre Eucaristia, onde se lê: “Minha carne é verdadeira comida, meu sangue verdadeira bebida; quem come deste pão e bebe deste cálice permanece em mim e eu nele” (Jo 6, 56-57).
O testemunho de Paulo aos Coríntios é também de fundamental importância: Na noite em que ia ser entregue, o Senhor Jesus tomou o pão, e depois de dar graças, partiu-o e disse: Isto é o meu corpo entregue por vós. Fazei isto em memória de mim.” (I Cor 11, 23-24).
A doutrina da presença real de Cristo nas espécies do pão e do vinho eucaristizados encontra nas gerações posteriores integralmente fiéis aos Apóstolos, total acolhimento. O Bispo Inácio de Antioquia, antes do ano 100, escreveu a respeito de hereges: “Eles se abstém da Eucaristia e da oração, porque eles não admitem que a Eucaristia seja a carne de Nosso Salvador, Jesus Cristo, que padeceu pelos nossos pecados”.  Justino, em carta que dirigiu ao Imperador Antonino no século 2º, registrou: “A Eucaristia nós não a recebemos como pão comum, ou como bebida comum, mas como fomos ensinados, recebemo-la como Corpo e Sangue de Jesus feito homem”. Também Irineu de Lion (130-202) e Tertuliano de Cartago (160-220) tiveram palavras claras sobre a presença real de Jesus na Eucaristia. Cirilo de Jerusalém, no século 4º, perguntava: “Uma vez que o Senhor disse sobre o pão: isto é o meu Corpo, quem se atreverá a pôr isto em dúvida, que seja ou não? E tendo Ele nos assegurado que o vinho se transforma em seu Sangue, quem poderá contradizer que não é o Sangue do Senhor?”
Muitos outros autores escreveram sobre esta mesma verdade seja nos primeiros tempos do cristianismo, seja nas idades sucessivas da história, conservando a certeza indefectível da Igreja nesta doutrina dada tão claramente pelo próprio Jesus. De fundamental importância são as teses de São Tomás de Aquino (1225-1274), o maior dos teólogos medievais, sobre o fenômeno da transubstanciação.
Nas procissões eucarísticas, os fiéis, novos discípulos de Cristo, continuam, exultantes proclamando que ele caminha com eles, alimenta-os na fé e os fortifica no amor. Nutre sua fome de paz e os robustece na construção de um mundo mais justo e fraterno, onde não falte pão para ninguém, nem o pão espiritual e nem o pão material, preparando-os para a convivência perpétua no Reino definitivo do céu, o banquete infinito dos anjos e dos santos, onde tudo se regerá pelo perfeito amor divino.
A festa continua em cada coração de retorno à sua comunidade, para lá celebrar a mesma realidade no dia a dia da fé e do amor que vem de Deus: a Eucaristia.