UM CORAÇÃO ABERTO

                As discriminações e segregações das minorias sociais são hoje um grande entrave na construção dum mundo melhor, uma sociedade fraterna. Essa é a tônica do quarto capítulo de Fratelli Tutti, a encíclica papal que está dando o que falar. Dentre essas minorias, apresenta por primeiro a questão dos migrantes, pois: “enquanto não houver sérios  progressos nesta linha, é nosso dever respeitar o direito que tem todo o ser humano de encontrar um lugar onde possa não apenas satisfazer as necessidades básicas dele e da sua família, mas também realizar-se plenamente como pessoa (129)”. Segue então uma vasta lista de sugestões de como acelerar os processos de integração dessas pessoas. Nada tão dispendioso e impraticável. Só a necessidade de abrirmos nossos corações para essa realidade ainda vergonhosa no mundo.

                Então Francisco nos surpreende com uma sugestão quase impensável nos movimentos sociais dos nossos dias: suprimir o termo “minorias”. Textualmente diz: “é necessário empenhar-se por estabelecer nas nossas sociedades o conceito de cidadania plena e renunciar ao uso discriminatório do termo minorias, que traz consigo as sementes de se sentir isolado e da inferioridade”. Corajoso, o homem! Levantar-se contra a constituição sectária de tantos e tantos grupos e guetos sociais exige coragem e clareza de espírito. Então justifica sua oposição: “isto prepara o terreno para as hostilidades e a discórdia e subtrai as conquistas e os direitos religiosos e civis de alguns cidadãos, discriminando-os (131)       “. De fato, não há nada pior para um indivíduo do que sentir-se segregado na massa, isolado, apartado do meio.

                “Entretanto, quando se acolhe com todo o coração a pessoa diferente, permite-se-lhe continuar a ser ela própria, ao mesmo tempo que se lhe dá a possibilidade dum novo desenvolvimento (134)”. Essa é a mais pura verdade! “Na realidade, a ajuda mútua entre países acaba por beneficiar a todos”, pois “precisamos de fazer crescer a consciência de que, hoje, ou nos salvamos todos ou não se salva ninguém (137)”. Os sinos apocalípticos não badalam só por questões ambientais, mas também e principalmente por conflitos sociais, esses que atiçam guerras e alimentam de ódio os corações humanos. O sonho de domínio e de poder ainda continua nos dividindo como raça. “É a tentação manifestada na antiga narração da Torre de Babel: a construção daquela torre que chegasse até ao céu não expressava a unidade entre vários povos… (144)”. “Na realidade, toda a cultura saudável é, por natureza, aberta e acolhedora, pelo que uma cultura sem valores universais não é uma verdadeira cultura (146)”.

                Papa Francisco sabe o que fala e onde pisa. Seu coração aberto à realidade do mundo nos aponta novos caminhos com uma clareza quase assustadora, pois que transforma nosso ponto de vista. “Para estimular uma sadia relação entre o amor à pátria e uma cordial inserção na humanidade inteira, convém lembrar que a sociedade mundial não é o resultado da soma dos vários países, mas sim a própria comunhão que existe entre eles (149)”. Já havia pensado assim? De fato, eis um conceito novo para se assimilar. Porque: “nos lugares que conservam tais valores comunitários, as relações de proximidade são marcadas pela gratuidade e reciprocidade… Oxalá fosse possível viver isto também entre países vizinhos (152)”, deixa escapar nosso pastor.

                O mundo precisa usar mais o coração do que a mente… Isso no sentido de relacionar-se mais com a alma do que com o cérebro, bem dizendo. Francisco incentiva a formação de blocos, não só no sentido comercial, mas no esforço de construção da santa e tradicional política da boa vizinhança, onde a ajuda mútua é sempre cordial e fraterna. Então fecha esse capítulo: “Hoje nenhum Estado nacional isolado é capaz de garantir o bem comum da própria população (153)”.

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