Santa Sé: ideologia de gênero, passo atrás para a humanidade

Dom Bernardito Auza, representante do Vaticano na ONU falou sobre a ideologia de gênero recordando as palavras do Papa: nenhuma discriminação, mas é um perigo para a humanidade

Sergio Centofanti – Cidade do Vaticano

Em um discurso muito incisivo, na quarta-feira (20) nas Nações Unidas, o arcebispo Bernardito Auza, observador permanente da Santa Sé na ONU em Nova York reafirmou com clareza as palavras do Papa Francisco sobre a ideologia de gênero.

A confusão da ideologia de gênero

O bispo participou do encontro que tinha como tema “Igualdade de gênero e ideologia de gênero: proteger mulheres e meninas”, promovido para avaliar a situação da condição feminina no mundo e para controlar as questões relativas aos direitos políticos, econômicos, civis, sociais e educativos das mulheres. Tempos atrás – disse dom Auza –  “havia uma clara compreensão do que significasse ser uma mulher”: era uma questão de cromossomos. Hoje esta clareza foi derrotada pela ideologia de gênero que lança a hipótese de uma identidade pessoal desvinculada do sexo.

Nenhuma discriminação, mas clareza sobre os perigos

Substituir esta identidade de gênero com o sexo biológico – afirmou – tem fortes recaídas “não apenas em termos de direito, educação, economia, saúde, segurança, esporte, língua e cultura”, mas também em termos de “antropologia, dignidade humana, direitos humanos, casamentos e família, maternidade e paternidade”, assim como o destino das mulheres, dos homens e “principalmente das crianças”.

Papa Francisco – recordou dom Auza – confirma com determinação a dignidade e o direito de todos os que não se sentem representados pelo seu sexo biológico a não serem descriminados, mas ao mesmo tempo é muito claro sobre os perigos para os indivíduos e a sociedade derivantes da ideologia de gênero (Conversa com os jornalistas na viagem de regresso do Azerbaijão, 2 de outubro de 2016).

Dados objetivos, não escolhas subjetivas

O prelado cita o parágrafo 56 da Exortação apostólica Amoris laetitia, na qual o Papa sublinha que a ideologia de gênero, negando “a diferença e a reciprocidade natural de homem e mulher”, prevê “uma sociedade sem diferenças de sexo e esvazia a base antropológica da família”. O texto do Papa continua: “Esta ideologia leva a projetos educativos e diretrizes legislativas que promovem uma identidade pessoal e uma intimidade afetiva radicalmente desvinculadas da diversidade biológica entre homem e mulher. A identidade humana é determinada por uma opção individualista, que também muda com o tempo”. Preocupa o fato de algumas ideologias deste tipo, que pretendem dar resposta a certas aspirações por vezes compreensíveis, procurarem impor-se como pensamento único que determina até mesmo a educação das crianças. É preciso não esquecer que sexo biológico (sex) e função sociocultural do sexo (gender) podem-se distinguir, mas não separar. Por outro lado, a revolução biotecnológica no campo da procriação humana introduziu a possibilidade de manipular o ato generativo, tornando-o independente da relação sexual entre homem e mulher. Assim, a vida humana bem como a paternidade e a maternidade tornaram-se realidades componíveis e decomponíveis, sujeitas de modo prevalecente aos desejos dos indivíduos ou dos casais. Uma coisa é compreender a fragilidade humana ou a complexidade da vida, e outra é aceitar ideologias que pretendem dividir em dois os aspectos inseparáveis da realidade”. O parágrafo conclui: “Somos chamados a guardar a nossa humanidade, e isto significa, antes de tudo, aceitá-la e respeitá-la como ela foi criada”. O nosso sexo, assim como os nossos gens e outras características naturais – observou Dom Auza – “são dados objetivos, não escolhas subjetivas”.

Aceitar o próprio corpo

O representante do Vaticano citou também o parágrafo 155 da Encíclica Laudato si’, no qual o Papa afirma que a aceitação do próprio corpo “é necessária para acolher e aceitar o mundo inteiro como um dom”, pelo contrário “uma lógica de domínio sobre o próprio corpo transforma-se em uma lógica, por vezes sutil de domínio sobre a criação. Aprender a aceitar o próprio corpo, a cuidar dele e a respeitar os seus significados é essencial para uma verdadeira ecologia humana. Também é necessário ter apreço pelo próprio corpo na sua feminilidade ou masculinidade, para se poder reconhecer a si mesmo no encontro com o outro que é diferente”. O texto continua: “Portanto, não é salutar um comportamento que pretenda cancelar a diferença sexual, porque já não sabe confrontar-se com ela.

Ideologia de gênero é um passo atrás

No discurso aos bispos de Porto Rico, em 8 de junho de 2015, o Papa tinha sublinhado que a complementaridade do homem e da mulher “é colocada em discussão pela chamada ideologia de gênero em nome de uma sociedade mais livre e justa. As diferenças entre homem e mulher não visam a oposição nem a subordinação, mas a comunhão e a geração”. Ao contrário, é um “passo atrás” – disse o Papa na audiência de 15 de abril de 2015 – porque a remoção da diferença [sexual] cria um problema, não uma solução”.

Colonizações ideológicas dos países ricos

Quando se coloca em discussão a dualidade natural e complementar do homem e da mulher – observou Dom Auza – a própria noção de ser humano é ameaçada. O corpo não é mais um elemento caracterizante da humanidae. A pessoa fica reduzida a espírito e vontade e o ser humano torna-se quase uma abstração.

Papa Francisco – recordou ainda o bispo – está particularmente preocupado com o ensinamento da ideologia de gênero às crianças, de modo que os meninos e as meninas sintam-se encorajados em colocar em discussão, desde os primeiros anos de vida, se são do sexo masculino ou feminino sugerindo que “cada um pode escolher o seu sexo”. São palavras que o Papa dirigiu aos bispos poloneses em Cracóvia em 27 de julho de 2016, citadas por Auza na conclusão do seu discurso: “e por que ensinam isto? Porque os livros são os das pessoas e instituições que dão dinheiro. São as colonizações ideológicas, apoiadas mesmo por países muito influentes”, também naqueles países e naquelas culturas as pessoas se opõem a essa nova e radical antropologia.

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