Quase 200 representantes dos organismos do Povo de Deus da Igreja Católica no Cone Sul (Brasil, Uruguai, Argentina, Chile e Paraguai) deram início à Assembleia Sinodal do Cone Sul na manhã deste 6 de março, na Casa dom Luciano de Almeida, em Brasília (DF). Essa é a última das quatro assembleias regionais que o Conselho Episcopal da América Latina e Caribe (CELAM) está realizando como parte da Etapa Continental do Sínodo 2021-2024.
Um encontro de experiências eclesiásticas
O bispo auxiliar do Rio de Janeiro e secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Joel Portella Amado, em nome da presidência Conferência brasileira e de toda a equipe que no silêncio de seus trabalhos está buscando acolher da melhor forma os participantes, saudou “a cada irmão e irmã que, vindo de suas terras natais, com suas experiências eclesiais, trazem a alegria de ser Igreja e o sonho de que essa mesma Igreja seja sempre mais sinodal”.
O Secretário-Geral da CNBB manifestou a alegria de o Brasil acolher cada um e cada uma e pediu ao “Deus-Comunhão” a bênção de uma semana fecunda de trabalho.
“Porta-vozes dos clamores do povo”
Em nome das Conferências dos Religiosos do Cone Sul, a irmã Eliane Cordeiro, presidente da Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB), saudou os participantes da assembleia sinodal. De acordo com ela, a vida religiosa sofre e compartilha a dor de tantas irmãs e irmãos da América Latina que foram forçados a deixar a sua terra em busca de um futuro melhor.
“Somos, em muitos casos, porta-vozes do clamor de centenas de povos ameaçados por um crescimento econômico desenfreado que não respeita a dignidade do ser humano, dos povos originários e que prejudica profundamente a natureza, nossa Casa Comum”, afirmou.
Irmã Eliane disse que a vida religiosa, em unidade com o Papa Francisco, junta-se à construção de uma comunidade de irmãs e irmãos capazes de acolher a vida, olhar seu pecado, assumir os seus erros, pedir perdão e reparar os danos causados aos mais vulneráveis, sendo fiéis ao Projeto de Jesus.
Ela apontou que a vida religiosa fez o caminho sinodal de sentar-se à mesa com outras e outros para escutar e discernir o apelo do Senhor Jesus, que “nos fala através da nossa história, uma história cheia de luzes e sombras que nos desafia a sermos cada vez mais proféticos, coerentes com a mensagem do Evangelho e corresponsáveis na missão da Igreja”, reforçou.
A presidenta da CRB afirmou que a vida religiosa “olha com grande esperança o caminho percorrido e para aqueles que estão à nossa frente como Igreja, chamando a superar medos e a crescer em confiança, a responder ao desafio para o qual o Espírito nos chama: ser profecia, de comunhão e uma Igreja verdadeiramente sinodal”.
A Igreja somos nós
O arcebispo de Brasília (DF), cardeal Paulo César Costa, deu as boas-vindas aos recém-chegados a Brasília, uma cidade e uma Igreja jovens, que ele definiu como uma síntese de todo o Brasil. O cardeal disse que a Igreja anfitriã conta com um laicato participativo e um numeroso clero, com cerca de 400 membros, numa cidade que acolhe os três poderes da República e os organismos da Igreja no Brasil.
Seguindo o texto da Transfiguração, celebrado na liturgia do segundo domingo da Quaresma, o cardeal usou a imagem de que a Igreja é a túnica de Cristo. Defendeu que vários acontecimentos ao longo da história tornaram esta túnica mais bonita. O cardeal disse ainda que todos os batizados somos Igreja e que a tornamos mais bela ou mais feia. Nas suas palavras, o Concílio Vaticano II foi um momento que fez resplandecer beleza da túnica. O sínodo, em sua análise, é parte desta beleza quando aponta para o caminhar juntos, rumo à comunhão, um caminho tomado pela Igreja na América Latina e no Caribe.
Finalmente, insistiu em ser uma Igreja de servos, destacando a capacidade que o Papa Francisco tem de ler a realidade, de descobrir o que o Espírito faz entre nós, algo presente na vida da Igreja desde o início. Uma realidade que desafia a Igreja a encontrar novos ministérios de evangelização que respondam à vida concreta do povo e da própria Igreja, em fidelidade ao Senhor.
Igualdade de todos através da dignidade batismal
O arcebispo de Trujillo, no Peru, e presidente do Celam, dom Miguel Cabrejos Vidarte, disse que a Assembleia do Cone Sul é um encontro do Povo de Deus, categoria cuja incorporação no caminho da Igreja pode ser considerado o grande ponto na eclesiologia do Concílio Vaticano II.
O presidente do Celam salientou a opção dos padres conciliares de reconhecer a participação de todos os membros do Povo de Deus, estabelecendo assim a igualdade de todos através da dignidade batismal como critério estruturante para a configuração da identidade de todos os sujeitos eclesiais.
De acordo com ele, com Vaticano II os sujeitos eclesiais “foram definidos com base na dignidade batismal partilhada e na participação de todos no sacerdócio comum”. Com o caminho sinodal, defendeu ele, o objetivo é “pôr em prática uma nova hermenêutica inspirada na lógica do todo”, organizada na base de todos (o Povo de Deus), alguns (os bispos) e finalmente um (o bispo de Roma).
Não há três sujeitos eclesiais, afirmou o presidente da Conferência Episcopal Peruana, mas apenas um, o Povo de Deus, o único sujeito ativo e fundamental de toda a ação e missão da Igreja. A consequência disto, segundo ele, é a corresponsabilidade resultante de cada um dos seus membros. Estabelece-se um ministério hierárquico ligado à comunidade, algo já presente na Igreja primitiva e o bispo “deve colocar-se de novo entre o povo de Deus a ele confiado”.
Aprofundar a dimensão pneumatológica
Para dom Cabrejos, a recuperação e o aprofundamento da dimensão pneumatológica ajuda na recepção atual do sensus fidei, algo assinalado pelo secretário-geral do Sínodo, cardeal Mario Grech. A partir daí afirmou que escutar o Povo de Deus é ouvir verdadeiramente o que o Espírito diz à Igreja. “Escutar é mais do que uma pesquisa, é assumir uma dinâmica comunitária e espiritual no sensus fidei fidelium, é compreender que o depósito da fé é confiado a todo o Povo de Deus, que o preserva, professa e transmite”, insistiu.
A escuta mútua é vista pelo prelado peruano como um elemento constitutivo de uma Igreja sinodal, o que conduz à “consulta, diálogo, discernimento comum, conselho, tomada de decisões e prestação de contas”. Para ele, estas são dinâmicas que criam um ambiente favorável para gerar processos de conversão, especialmente na hierarquia, levando ao entendimento de que é precisamente ao nível dos processos de tomada de decisão e de construção de consenso que está em jogo a nossa capacidade de imaginar e construir um novo modelo eclesial institucional para a Igreja sinodal do Terceiro Milénio.
Dom Cabrejos salientou a inspiração do Espírito ao Papa quando decidiu que este Sínodo deveria ser realizado a todos os níveis e em todos os contextos. A partir daí, insistiu que a sinodalidade no nível continental dá à América Latina e ao Caribe a oportunidade de enriquecer a sua própria identidade como Igreja, abrindo a oportunidade de “dar um sentido de orientação à nossa Igreja latino-americana e caribenha de hoje e de amanhã”.
Por padre Luiz Modino – Comunicação do Cone Sul