Povos indígenas, comunidades tradicionais e Igreja em defesa da Casa Comum no Pará

Debaixo do santuário natural, dezenas de pés mangas que formam pilastras e suas folhas amenizavam os raios do intenso sol, em Itaituba ao Sudoeste Paraense, a pequena munduruku dormia o sono profundo, no chão, em cima de uma toalha aos pés da mãe atenta a cada palavra que assembleia falava. As demais crianças brincantes corriam alvoroceiras. A juventude guerreira sempre aposta, com frequência preparava o xibé para servir ao grupo, mais de 200 pessoas. “Assim não dá fome nem sede”, disse a jovem munduruku Marineide, que servia a mistura de farinha de mandioca com água, o xibé, preparado pelo jovem guerreiro Eldo Manhuary. Os caciques e lideranças pediam a palavra para expressar suas preocupações frente aos grandes projetos na Bacia do Rio Tapajós. Assim, de 6 a 8 de outubro de 2017, estiveram pela primeira vez reunidos os povos da Bacia do Rio Tapajós para reunião e, juntos definiram uma agenda comum em defesa dos rios, da floresta e seus territórios.

A encontro foi uma proposta do Eixo Povos Indígenas da Repam com o apoio da Prelazia de Itaituba e organizado pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI). Participaram os povos: Munduruku, munduruku cara preta, arapiun, tupinambá, sateré-mawé, manoki, myky, apiaka, rikibaktsa, kayabi, arara vermelha, tupaiú, borari, juruna, beradeiros do Projeto Agroextrativista Montanha do Mangabal, comunidade de São Luiz do Tapajós, comunidade de São Francisco-Periquito, Movimento Tapajós Vivo, Franciscanos OFM, membros da Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam), Prelazia de Itaituba, Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e Comissão Pastoral da Terra/Prelazia de Itaituba (CPT), no Centro de Formação São José Laranjal, município de Itaituba, Estado do Pará, para discutir estratégias e resistências na Bacia do Rio Tapajós e ampliar as alianças na Panamazônia.

Ao redor do fogo, liderado pelo cacique Juarez Munduruku, o encontro se iniciou, ali os indígenas fizeram memória de seus antepassados e a cultura que deles receberam e a história dos povos ali presentes. O Rio Tapajós também foi visitado. A assembleia seguiu por cerca de 10 minutos até chegar ao Rio Tapajós, neste local assumiram o compromisso de proteger o Rio. “O Rio é a nossa dispensa. Aqui buscamos nosso alimento, diário e fresco. Não podemos deixar que a mineração destrua e contamine nossas águas. Não queremos barragens, elas servirão a uns poucos”, disse a jovem liderança do povo Manoki, Tipuici Manoki, que pediu para que lembrassem o nome das lideranças assassinadas por defenderem as lutas dos povos indígenas. Em seguida, às margens do Tapajós fizeram a dança circular, o toré, de braços entrelaçados no compromisso de juntos em aliança defenderem a Bacia do Tapajós.

“Eu sou do Mato Grosso, de um Rio que forma o Juruena e os demais povos que viemos juntos, somos do Rio Teles Pires, Rio dos Peixes, do Rio Juruena, esses formam o Tapajós. E nós estamos sofrendo com as hidrelétricas. Para ser ter uma ideia, em torno da terra do meu povo, há estudos para construção de 11 pequenas centrais hidrelétricas (PCHs). No Rio Juruena são mais de 111 usinas…. todos nós, povos da Bacia do Tapajós estamos sofrendo a mesma violência”, descreve Tipuici, que diz ser de suma importância essa aliança para o fortalecimento de todos. Tipuici também denuncia que são realizados estudos para a construção das hidrelétricas na região sem consultar e escutar o seu povo. “E se não nos ouvem, nós costumamos dizer que lutamos com a caneta, mas também se necessário for lutaremos com a borduna. Por isso estamos aqui crianças, jovens, mulheres e homens para juntos lutarmos. O Rio é um bem comum, por que vou deixar o parente lutar sozinho? Vamos todos juntos unir as forças, ressaltou a jovem.

Na conclusão do encontro, as lideranças assumiram compromissos de ações conjuntas, dentre elas: construir um protocolo dos Povos da Bacia do Tapajós e continuar na articulação dos povos indígenas, ribeirinhos, quilombolas e entidades parceiras que apoiam a causa, entre elas a Igreja Católica por meio Repam. Também decidiram criar uma Comissão com ribeirinhos e comunidades tradicionais das cinco regiões da Bacia do Tapajós: Alto, Médio, Baixo e Mato Grosso e Sateré-Mawé, do Amazonas.

Foto: Osnilda Lima, fsp

Pedidos à Igreja Católica – Pediram à Igreja Católica “missionários comprometidos para ajudar na formação de novas lideranças indígenas e comunidades tradicionais e não somente priorizar a ‘catequização’. Convidaram a Igreja Católica à “uma presença diferenciada de acordo com cada realidade, que possa orientar os caciques e lideranças e preparar a juventude para lutar e defender os seus povos futuramente, para não serem enganados pelos governantes ou cooptados pelos grandes empreendimentos”. Na parceria com a Igreja Católica sugeriram um diálogo com as Igrejas Evangélicas para juntos possam defender os povos e a floresta que sofrem ameaças na região.

Para o bispo da prelazia de Intaituba, dom Wilmar Santin, o encontro resultou no fortalecimento, articulação e união dos povos. “Eles [povos da Bacia do Tapajós] reconhecem que sem a ajuda da Igreja boa parte já teria desaparecido, como por exemplo os myky que estavam sendo exterminados, eram 23 pessoas somente e a ajuda chegou de um padre que lutou com eles e por eles. Ofereceu esperança, hoje eles contam com 150 pessoas. Então a presença da Igreja com eles é para que esses povos vivam e tenham vida em abundância”, enfatiza o bispo.

E finalizaram com um documento em que diz: “Diante desse cenário de retrocessos dos nossos direitos, entendemos que apenas com a união e a coletividade dos Povos da Bacia do Tapajós e toda a Amazônia e com a presença solidária da Igreja como aliada, vamos continuar impedindo a destruição de nossos rios, matas e de toda vida existente no planeta terra. Por isso somos contra qualquer tipo de negociações que colocam em risco todos os direitos conquistados durante anos de lutas por aqueles que entregaram suas vidas para que a nossa pudesse existir. A mãe terra não se negocia, o direito à vida não se vende.

Portanto, exigimos para toda a Bacia do Tapajós: A demarcação imediata dos Territórios Indígenas; A titulação e demarcação dos Projetos de Assentamentos da Reforma Agrária das comunidades ribeirinhas e tradicionais; A imediata paralisação dos grandes empreendimentos na Bacia do Tapajós. Nossa luta é uma luta só, e a nossa palavra é uma palavra só. Juntos continuaremos na defesa da vida dos Povos na Bacia do Rio Tapajós!”.

Por Osnilda Lima, fsp

 

Fonte: CNBB

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