O Milagre dos Milagres – Cartas do Padre Jesus Priante

Embora no Brasil, este acontecimento festivo da nossa Fé celebra-se no primeiro domingo de Novembro e não no dia primeiro do mês, como a maior parte dos católicos do mundo vem celebrando desde o século IX, quando esta festa foi instituída, junto com o Dia dos Defuntos, temos de redescobrir seu verdadeiro e sublime sentido em relação ao Mistério da nossa Salvação.

De origem irlandesa, desde tempos imemoriais, hoje, por influência americana, estendida em muitos povos, foi introduzida ou adotada a festa pagã do Halloween dentro da festa de Todos os Santos e do Dia dos Defuntos. As pessoas se disfarçam para não serem reconhecidas pelas almas dos defuntos que nesse dia acreditavam vir para buscar seus parentes e amigos. Halloween, alguns traduzem como véspera de Todos os Santos (All Holy eve) e outros por vitória da santidade (Holy win). Denominação cristã a corrigir o sentido da festa pagã. De qualquer maneira, celebrar o Dia de Todos os Santos junto com o Dia dos Defuntos, nos sugere uma nova interpretação deste acontecimento litúrgico, inclusive a ser celebrado num mesmo dia com novo título, mais de acordo com nossa Fé: “Dia da Ressurreição dos mortos”, pois pela Ressurreição todos somos santificados e vivificados, deixando no cemitério, não só os “restos mortais” como também nossos pecados. Celebrar ambas datas separadas, santos e defuntos, nos transmitem a impressão de haverem pessoas privilegiadas ou heróis que chamamos santos no Céu, mais de 3.000 são contabilizadas oficialmente na Igreja Católica até hoje, enquanto o resto dos mortais sofrem penosamente no Purgatório ou no Inferno por serem pecadores, negando o princípio fundamental de nossa Fé: “A Salvação pertence ao nosso Deus”, e escurecendo o mais novo e maravilhoso princípio que nos trouxe Cristo: sua Graça que nos salva independemente de nossos méritos e pecados.

No ultimo capitulo de “D. Quixote”, a novela mais esplêndida e imortal de todos os tempos, lemos que o seu protagonista, Dom Quixote, morreu sábio e viveu louco. Prestes a morrer, sabiamente, disse ao seu fiel escudeiro Sancho: “Não creio, Sancho, que meus pecados e loucuras sejam maiores do que a Misericórdia de Deus”. Uma pessoa que assim se confessava só podia ser santa . A essência da “boa notícia” do Evangelho, segundo o Cardeal Kasper, um dos maiores arautos da Misericórdia de Deus, com o qual o Papa Francisco se identifica, afirma ser essa Misericórdia, um “plus” do amor infinito de Deus que a todos abraça e salva, santos e pecadores.

O Papa João Paulo II na sua Encíclica “Dives in Misericordia”, rico em Misericórdia (1980), chega a dizer que Deus não será feliz até que seus filhos, que somos todos, sejam também felizes com Ele. A santidade que nos faz cidadãos do Céu é, como a Salvação, obra de Deus: “Serão santos porque eu sou santo” (Lc.11,44). O Concílio Vaticano II considera a santidade vocação universal . Fomos criados para sermos santos. Meta impossível de atingir humanamente. De fato, “só Deus é Santo”. A santidade é o próprio Deus em nós e nós Nele. São Paulo afirma que todos fomos “predestinados” (destinados antes de sermos criados) para sermos santos e glorificados por Deus (Rm.8,28). Troféu que receberemos no dia de nossa morte, ressuscitando com Cristo. Assim, entitular o Dia de Todos os Santos como Dia da Ressurreição dos Mortos ou da Comunhão dos Santos, conforme proclamamos no Credo, nos encheria de alegria, deixando todos os “lutos” e lágrimas pelos nosso entes queridos que já se foram ao Reino da Vida e da Santidade de Deus. Temos mais pessoas que nos esperam no Céu do que amigos e familiares que possamos ter dentre os que ainda estamos a caminho. São Paulo diz que toda essa plêiade de santos, todos os já falecidos e Ressuscitados, com os anjos e o próprio Deus “torcem pela nossa pronta chegada”.

DEUS É SANTO

Culturalmente, a santidade tem sentido sagrado, separado do seu antagônico, o profano. Deus é Santo porque é absolutamente “Outro”, tão longínquo e transcendente que se faz inacessível a nós. Diante da Sua santidade só podemos ser profanos, cheios de respeito e temor. Um Deus assim, patrimônio comum das religiões, afirma Plutarco (séc. I) seria melhor que não existisse. Aristóteles o concebia como um Ser superior, separado do mundo, a quem podemos amar mas não podemos ser amados por Ele, pois Ele não se pode contaminar com nossas misérias. O Deus de Jesus Cristo, o ” Emanuel” (Deus conosco) ainda é desconhecido até pela maior parte dos cristãos. Deus continua a ser o Deus das religiões e das filosofias, sagrado, santo e distante de nós, a ser temido… Deus feito homem, encarnado em cada um de nós, ao ponto, nos diz Santo Agostinho, de ser mais íntimo do que nós mesmos, nos parece um mito.

As palavras do Gênesis,1: “Deus nos criou à Sua imagem e semelhança”, que anunciavam, nossa filiação divina em Cristo não acabam nos convencem. Elas nos revelam que somos mais do que uma cópia (imagem de Deus). Como “semelhança”, somos assemelhados ou identificados com Deus. Cumpre-se o dito popular: “de tal pai, tal filho”.
Diferente do resto das criaturas, também amadas por Deus, somos em Cristo, como diz Santo Gregorio Nazianzeno (séc. IV) “consanguíneos” e “concorpóreos” de Deus. E São João nos diz: “Desde já somos filhos de Deus ainda que Essa divindade não se tenha manifestado em nós”.

Deus é Santo e em Cristo todos nós somos santificados. Esta Fé era tão viva na Igreja dos primeiros séculos que os cristãos não hesitavam em se chamar de “os santos” (2Cor.11,12). E, a própria Igreja, era chamada também de “comunhão dos santos”. A santidade de Deus reflete-se de muitas maneiras , em maior ou menor medida e de maneira colorida, em todo ser humano. Alguns cristãos dos primeiros séculos costumavam dizer. “Vistes um homem, vistes a Deus”. Não existe nenhuma pessoa sem uma pequena faísca de Deus. Humanamente, não temos capacidade para sermos anjos, mas tampouco demônios. O Papa Francisco costuma dizer que temos de ver os santos ao lado da nossa porta (next door, vizinhos). Ver o lado bom de cada pessoa a refletir a santidade e bondade de Deus. Pecado e graça, santidade e maldade, joio e trigo, estarão juntos até o fim de nossa vida pessoal e da História do mundo. Entraremos todos no Céu, lavando nossas vestes no sangue do Cordeiro”, para sermos santos como Ele é santo. A santidade é o próprio amor, pelo qual deixamos, diz a filósofa judia, francesa, Simone Weil, o outro ser plenamente. O contrário ao amor e à santidade é o egoísmo. Para o amor atingir seu grau pleno, segundo São Paulo, Deus teve de nos criar pecadores e inimigos Seus, e assim sair de Seu “egoísmo” divino. Ele encerrou-nos no pecado e nos fez Seus inimigos para acrescentar ao Seu amor o “plus” da Sua Misericórdia.

Paradoxo

Nossa mente é incapaz de aceitar algo tão paradoxal. Porque Deus é santo, é que nos somos pecadores, sujeitos a todo tipo de mal, para sermos santificados por Seu infinito amor manifestado em Cristo (Jo.13,1).

A maior blasfêmia, nisso consistiria o pecado contra o Espírito Santo, impossível de ser perdoado, é pensar ou dizer que Deus não nos ama, de Cujo amor nos vem o ser e a Vida. Esse pecado é “mortal”, porque nos separa de Deus. Consola-nos que, ainda que fossemos capazes de cometê-lo, Deus não o permitiria, pois Lhe faria a Ele mesmo pecador, lesando sua Santidade de amor infinito, contrariando o que Cristo nos disse: “Não há maior amor do que dar a vida pelos próprios inimigos”. Por isso, como se nos revela em Dt.9, entraremos na Terra Prometida, não porque nos somos santos, mas porque Deus é santo e bom a nos amar com amor eterno. Com esse mesmo amor divino é que viveremos eternamente felizes com Deus e com todos os anjos e santos, a cantar: “Santo,Santo, Santo (boníssimo, boníssimo, boníssimo) é o Senhor nosso Deus. Hosana no mais alto Céu.”

“ESTES SÃO OS QUE VÊM DA GRANDE TRIBULAÇÃO: LAVARAM SUAS VESTES E AS ALVEJARAM NO SANGUE DO CORDEIRO” (Ap. 7,2-14)

Deus revelou a São João, através de figuras e símbolos além da própria imaginação, os desígnios da nossa Salvação, “selada” ao longo dos tempos, a ser revelada em Cristo. Um dos segredos revelados a São João é que este planeta, fadado a ser destruído pela lei natural da sua caducidade ou pelo pecado do homem, não acontecerá antes de serem “marcados” ou salvos todos os que Ele chamou e predestinou ao seu Reino.

Recentemente, veiculou-se um vídeo gravado no recinto da ONU, no qual um dinossauro dizia: “Não permitam que vossa espécie humana seja extinta como aconteceu conosco. Há tempo, mas não muito para evita-lo”. Antes que isso aconteça, o que é possível de acontecer, todos seremos assinalados e arrebatados ao Reino de Deus.

Na literatura apocaliptica da Biblia, referente ao fim dos tempos, augura-se de fato uma terrível catástrofe, não precisamente para o mundo ser destruído e aniquilado, mas para ser transformado gloriosamente. Esse apocalipse, em nível pessoal, é mais do que evidente e certo. Doenças e velhice arrombam nosso pequeno mundo para dar lugar a novos céus e nova terra que em Cristo esperamos. Inclusive, na Igreja Católica temos essa profética “marcação” através do sacramento da Unção dos Doentes, antes chamada, com maior propriedade, ” Extrema-Unção”. O Apocalipse assusta aos que desgraçadamente só vivem para este mundo, nos diz São Paulo.

O texto diz que o número dos “marcados” pelo anjo de Deus é de 144.000, número simbólico, a referir à totalidade das doze tribos do povo de Israel ) 12X12 = 144X 1000 = 144.000). Esta cabalística aplica-se de igual maneira ao novo Israel , o povo cristão, descendente da Fé professada em Cristo pelos seus novos patriarcas, os 12 apóstolos. Todos os batizados já recebemos a “unção” ou marca do Espírito Santo, como “sinal” da nossa Salvação, antes de acontecer nossa catástrofe existencial. São João, entretanto, estende a Salvação de Deus a toda a Humanidade; Ele viu, também marcados, “uma multidão, que ninguém podia contar, de todas as
nações, povos e linguas”. Todos eles, trajando vestes brancas (símbolo da Ressurreição) e com palmas nas mãos (vitoriosos) proclamando: “A Salvação pertence ao nosso Deus”. E conclui sua visão dizendo: “Estes são os que vem da Grande Tribulação: lavaram suas vestes e as alvejaram no Sangue do Cordeiro”, Jesus Cristo.

A vida, de fato,como afirma o Budismo e também o Evangelho, é dor ou tribulação. Em filosofia dizemos: é o nosso existencial ou a maneira de ser e viver. Não existe morfina capaz de nos anestesiar o corpo e menos ainda a dor de nossa alma. Nossas lágrimas serão enxugadas para sempre após nossa Ressurreição que, segundo Jesus, é o
milagre dos milagres, o singular “Sinal de Jonas” que é dado a toda Humanidade. Graças à Ressurreição, a vida deixa de ser apenas uma luta pela sobrevivência, que fatalmente termina em derrota total. Ela é dom de Deus. Fomos sonhados, costuma dizer o papa Francisco, por Deus para viver. Esse sonho vital, que só pode ser divino, é o
colofão da mensagem e missão de Jesus: “Eu vim para que todos tenham vida e vida em abundância.” (Jo.10,10). Até a numeração evangélica de plenitude, 10/10, o sublima e torna de fácil memória universal . Celebrar o dia de Todos os Santos ou da vitória da Santidade de Deus (Holy win) destinada a todos os povos, faz crescer de maneira mais segura e certa nossa Salvação. São milhões e milhões de santos: os que deixaram suas pegadas na estrada do tempo e, e em número não menor, aos que, pela lei da seleção natural ou, o que é pior, pelas mãos herodianas assassinas de médicos e das suas próprias mães, e não viram a luz de nosso Sol, verdadeiros “santos inocentes”. Todos eles, em maior número do que as estáticas deste mundo podem contabilizar, como sugere a visão apocalíptica de São João, para participar do Banquete da Vida, eterna e feliz, com Deus e todos seus anjos e santos.

“DESDE JÁ SOMOS FILHOS DE DEUS, MAS AINDA NÃO SE MANIFESTOU O QUE SEREMOS.” ( 1Jo. 3,1-3)

Arrebatados ao País dos Vivos

São João diz que a Fé e a Esperança da nossa futura glorificação pela Ressurreição nos purifica de nossos pecados e nos torna santos ou filhos de Deus. Pecado, dor e morte, provisoriamente, ocultam essa nossa grandeza. Por isso diz que nossa filiação divina ainda não se manifestou. No dia que, como cristãos impropriamente chamamos de morte, este vaso de barro que alberga e esconde a Vida de Deus em nós, escancará para se manifestar. Deixaremos seus cacos no cemitério e seremos arrebatados “ao país dos vivos” (SL.26) livres de todo mal, na condição de verdadeiros filhos de Deus. A teologia, incapaz de expressar este mistério, qualificou esta nossa filiação divina de “adotiva”, contrariando a verdade revelada por Deus nesta carta de São João e também no seu Evangelho: “Aos que nasceram em Cristo lhes foi concedido serem filhos de Deus, não nascidos da carne e vontade do homem, mas de Deus” (Jo.1,12).
Um filho adotivo não nasce da carne e sangue do pai e mãe que o adotam. Um filho, apenas adotivo, mesmo sendo herdeiro da casa paterna, sempre será um tanto estranho nessa família. Sua vida não terá o mesmo sabor e alegria que a que desfrutam os filhos de sangue. Cabe aplicar este fato em relação à nossa filiação com Deus. Para sermos eternamente felizes, plenos de vida, temos de ser verdadeiros e realmente filhos de Deus. Mais ainda, a noção de eternidade implica que, desde sempre, antes de vir a este mundo, fomos filhos de Deus. Platão (séc. IV a.C.) falava da ” preexistência das almas” para defender sua eternidade imortal. De fato, o que é eterno não tem nem princípio nem fim. A eternidade é constitutiva de Deus, por isso, na Bíblia, é chamado “O Eterno.” A teologia escolástica, para se eximir deste mistério, inventou o termo “eviterno”, o que tem princípio mas não tem fim, mas, se tem princípio, nega-se o conceito de eternidade. Nascer de Deus significa nascer da Sua eternidade, santidade e vida. “Seremos como Ele é, afirma também São João, porque o veremos como Ele é”. Ver a Deus não é um ato de contemplação, mas de encontro e comunhão de vida, da mesma maneira como dizemos entre nós: “Vou ver tal pessoa”. Naoy é para contemplá-la ou tirar uma foto, mas para estar vitalmente com ela. O Ser e a Vida de Deus é interior à Criação. O tempo, constitutivo das criaturas, está cheio da Eternidade de Deus. A temporalidade mostra o que, já sendo, espera ser. E o lugar no qual, nós e o universo, nos movemos é caminho da infinitude de Deus.

“ALEGRAI-VOS E EXULTAI, PORQUE GRANDE É A VOSSA RECOMPENSA NO CÉU.” ( Mt. 5,1-12)

Um dos textos bíblicos mais populares e que faz parte de nossos catecismos é este das Bem-Aventuranças. Nenhuma doutrina ou verdade, científica, filosófica ou religiosa seria de nosso interesse se não nos comunicassem a possibilidade de algum dia sermos felizes. A felicidade é tudo quanto buscamos, queremos e esperamos, mais do que a própria vida, pois se esta não for ou não esperar ser feliz, não vale a pena ser vivida.

Alguns teólogos consideram ser a felicidade inata em todo ser humano, a maior prova da existência de Deus. “Felicidade, segundo Santo Agostinho, é a posse de todo bem de maneira eterna”. Essa totalidade do bem não pode ser quantitativa nem temporal, do contrário, sempre sentiriamos falta de algo. Só Deus, eterno e infinito, pode ser feliz, assim como só Nele e com Ele é que nós todos o seremos.

Contrariando a tese de Freud: “Não fomos programados para sermos felizes”, temos de dizer que Deus nunca nos poderia ter criado a não ser para sermos felizes. Jesus anuncia, neste discurso, chamado Sermão da Montanha, a felicidade como uma aventura dentro da odisseia da nossa existência, destinada a todos os que dela precisam. A vida nos exige coragem e risco, ousadia de viver, que seria louca se carecesse da esperança de sermos felizes, meta a ser atingida em um outro Reino ou outra condição diferente da qual vivemos. “Se for apenas para este mundo que temos
nascido, seríamos entre todas as criaturas as mais infelizes.” (1Cor,15,19)

No Horizonte da Nossa Esperança

Nenhum progresso humano construirá nosso almejado paraíso, por isso, afirma São Paulo, o temos neste mundo no horizonte da nossa esperança (Rm.8). Temos de ser realistas: não somos nem podemos ser felizes, mas o seremos infalivelmente porque Deus assim nos prometeu e Ele não nos pode mentir nem defraudar. A esperança é uma virtude teologal, isto é atributo do próprio Deus. Ele é quem espera e nos concede a capacidade de esperar, como mãe e filho esperam o feliz parto da vida.

De Teilhard de Chardin, o homem que melhor entendeu a relação mística de Deus com a Criação, diz que pediu a graça divina de morrer no dia da Ressurreição, assim como o papa Paulo VI também a pedira no dia da Transfiguração. E lhes foi concedida essa graça. Ambos deixaram a vida terrena nessas datas nas quais celebramos a “transformação” gloriosa da nossa existência para sermos bem-aventurados. Dias antes de morrer, Teilhard de Chardin fez esta oração: “Quando o tempo e as doenças vierem a diminuir minhas forças, concede-me, Senhor, entender, seres Tu quem me separa das fibras do meu corpo para me unir a Ti.
Vós sois energia infinita mais forte do que meu eu… Ensina-me a ver a morte como um ato de comunhão em Ti”.

Nestes dias, o povo cristão, assim como outros povos o fazem em outros dias, pois o culto das tumbas é universal, expressamos nosso inato desejo de Vida Eterna e feliz, que só Deus nos pode dar. No silêncio das lápides e ciprestes dos cemitérios, ressoa a promessa de felicidade que Deus nos faz, para prosseguir esperançosos no deserto de nossas penúrias e carências o caminho rumo à Terra Prometida, “que emana leite e mel”.

Jesus augura a felicidade para os pobres, mansos, aflitos, oprimidos, injustiçados, perseguidos, injuriados e feridos porque Dele é o Reino dos Céus, futuro de Deus e de toda a Criação. Os que partiram deste mundo já atingiram essa gloriosa meta, pois morrendo em e com Cristo, com Ele também Ressuscitaram, deixando no cemitério a dor, a morte e o pecado. As oito promessas de felicidade que Jesus nos faz podem ser resumidas na primeira: “Felizes os pobres de espírito, porque deles é o Reino dos Céus.”

Pobreza é a carência de bens: saúde, alegria, amor, paz. A pobreza é nosso existencial. Ninguém possui todas as coisas, e todos morreremos em absoluta pobreza, despojados de bens, afetos, sentidos,ideias e sonhos. Temos de ir a Deus totalmente vazios até de nossas “boas obras”, como um recipiente que, quanto maior for seu vazio, maior sua capacidade de receber seu conteudo. Santo Agostinho define o ser humano como “capax Dei”, vaso ou capacidade de Deus. Na morte, nossa pobreza absoluta, receberemos a Vida Eterna e Infinita de Deus. Só o nada têm capacidade do todo.

Cioran, exímio pensador romeno-francês, se representava a si mesmo no sepulcro dizendo aos que por ali passavam: “Sou eu, eu sou nada, e o nada sou eu”. Essa é nossa identidade de pobres de espírito à qual aludem as palavras de Jesus para nos prometer a felicidade eterna. No dia da morte, mais do que receber água para o dia, como Jesus prometeu à Samaritana (Jo,4), tornaremos fonte nossa a própria sede.

Diferente da lógica deste mundo, a felicidade eterna repousa sobre os pobres e pecadores. A pobreza tem de ser nossa grande espiritualidade. No Budismo faz parte essencial da sua crença. Um budista espera ser feliz na medida do seu desapego, até alcançar seu próprio nada ou Nirvana. Pena que não conhecem Jesus Cristo , seriam os maiores místicos cristãos. A renúncia a tudo e até à nossa própria vida é elemento constitutivo de nosso ser cristão. (Lc.14,33)

Muitos se despojaram em vida de todos os bens materialmente. Jesus não se refere a essa
pobreza voluntária, nem aos que foram empobrecidos pelos avarentos deste mundo. Por isso fala de “pobreza de espirito”, que São Paulo traduz dizendo: “possuindo ou tendo como se não tivessem”. Com esse espírito de pobres, tudo podemos perder, dar e deixar, sabendo que somos ricos em Deus.

Só o pobre de espírito é capaz de morrer livremente, os que não tem esse espírito, serão vítimas de trágico latrocínio, embora Jesus não permitirá essa tragédia acontecer, como nos revela o episódio do “jovem rico”, incapaz de deixar suas riquezas. “Isso, disse Jesus, é impossível ao homem, mas possível a Deus.” (Mt.19) Finalmente, todos seremos felizardos, santos e bem-aventurados, em Cristo Ressuscitado.

Padre Jesus Priante
(Edição por Malcolm Forest.
São Paulo.)
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