No início do caminho quaresmal, a liturgia nos convida a repensar as nossas certezas, as nossas opções, os nossos valores. Tempo de conversão, de renovação, de “metanoia”, a Quaresma é o momento favorável para nos reaproximarmos de Deus. É em Deus – e não noutras propostas, por mais encantadoras que sejam – que está a fonte da vida verdadeira.
A primeira leitura – Dt 26,4-10 – traz-nos uma “confissão de fé” que os israelitas faziam quando apresentavam a Deus as primícias dos frutos da terra. Reconhecendo a ação salvadora e libertadora de Deus nas suas vidas, os crentes israelitas afirmavam a sua fé e a sua inabalável confiança no poder e no amor de Deus; constatando que tudo o que tinham provinha da generosidade e da solicitude de Deus, percebiam que só Deus é fonte de vida em abundância. Esta leitura é uma grande síntese da história do povo de Israel, contada nos livros iniciais da Escritura Sagrada. O texto de hoje rememora o centro da fé dos israelistas: a libertação do Egito. O Deus revelado no Antigo Testamento é o libertador-salvador da nação, que a conduziu da escravidão à liberdade, do Egito opressor à terra em que corre leite e mel. Esse trecho, relido na Quaresma, nos conduz à mesma experiência: o Senhor, com sua Ressurreição, nos salva, libertando-nos do pecado e da maldade, da divisão e das trevas.
O Evangelho – Lc 4,1-13 – nos apresenta uma catequese sobre as opções de Jesus. Ele recusou sempre as propostas e os valores que punham em causa o projeto de Deus para o mundo e para os homens. Para Jesus, os valores de Deus tiveram sempre primazia sobre os bens materiais, a sede de poder, a embriaguez oferecida pelo êxito fácil. Aos seus discípulos Jesus pede que sigam um caminho semelhante. No Evangelho, encontramo-nos com Jesus que jejuava por quarenta dias no deserto. Repleto do Espírito Santo (Lc 4,1), Ele foi tentado pelo Diabo (Lc 4,2). Essa cena nos aponta que o caminho da pessoa humana, a exemplo do Senhor, passa pela tentação, pela dificuldade, pela cruz. Contudo, é importante salientar que Jesus saiu vitorioso por fidelidade à Palavra do Pai: o bem sempre prevalece. Por isso, perseverar na fé é condição para a superação das dificuldades que se apresentam no caminho da existência de todo cristão.
A segunda leitura – Rm 10,8-13 – nos diz que a salvação é-nos dada através de Jesus. Quem acredita em Jesus e abraça a proposta de vida que Ele traz, será salvo. Os que acolhem a proposta de Jesus tornam-se membros de uma família onde “não há diferença entre judeu e grego”, pois “todos têm o mesmo Senhor, rico para com todos os que o invocam”. A “profissão de fé” do povo cristão está fundamentada numa pessoa, Cristo, a quem Deus ressuscitou dentre os mortos. Essa fé não pode ser algo apenas confessado com a boca, mas deve ser vivida no coração.
É a Palavra de Deus que nos recorda que somente a Deus nos cumpre adorar, relativizando todas as outras coisas. É a Palavra que dá sentido à nossa existência, quando servimos a Deus servindo aos menores de nossos irmãos, tal como fez Jesus.
Nesta Quaresma, tempo favorável de oração, jejum e penitência, somos convidados a ir com Jesus ao deserto para fazer silêncio dentro de nós mesmos. Ouçamos sua Palavra e deixemos que ela ecoe em nós, para superarmos a tentação de aceitar tudo o que é contrário ao que o Mestre nos ensinou. Que possamos viver este tempo favorável santo de preparação para a Páscoa como tempo de testemunhar nossa fé e nosso compromisso com Jesus – compromisso traduzido em solidariedade aos mais vulneráveis, vítimas dos que fazem do poder, do acúmulo, do ter, e do prestígio a única razão de seu viver. Jesus ouve as nossas orações se nós rezarmos. Ele ouve a nossa foz e nos socorre em nossas aflições. Para vencer as tentações e o diabo é necessário muita oração, jejum e penitência, com a consequente caridade e partilha fraterna, para somente assim, libertos do mal e da maldade humana, do pecado e do demônio, superar as tentações do cotidiano!
