Deus dos vivos

    Dentro da nossa liturgia dominical, estamos vivendo as últimas semanas do ano litúrgico, quando a Liturgia vai nos propondo de forma mais acentuada sobre as realidades escatológicas, nossas expectativas sobre o final dos tempos e sobre os últimos dias. As primeiras semanas do novo ano também irão tratar desta realidade, já que o tempo do advento vem como tempo de preparação para as vindas. Somos sempre chamados a refletir sobre estas questões essenciais da história humana: de onde viemos, para onde vamos e qual o fim último de nossas vidas. Mesmo que os homens tenham tantas tarefas no dia a dia e reclamem da correria do dia a dia, sempre permanece no fundo do coração do homem a pergunta sobre o sentido da sua existência.

    No próximo final de semana, iremos celebrar o III Dia Mundial dos Pobres, data criada pelo Papa Francisco, na semana que antecede a solenidade de Cristo Rei. Neste ano o Papa nos propõe o tema deste dia “a esperança dos pobres jamais se frustrará. (Sal 9, 19). Em nossa arquidiocese, teremos a Semana da Solidariedade com gestos e aprofundamento sobre a situação da pessoa do pobre e o questionamento acerca de nossa presença junto aos excluídos, em especial, os das periferias existenciais de nosso tempo. Faz parte do carisma fundamental da Igreja ir ao encontro dos pobres e mais necessitados, fazendo uma opção preferencial por estes, anunciando a vida e se comprometendo com estes a partir da luz do Evangelho. Por isso o trabalho eclesial relacionado a estas questões recebe o nome de caridade social, pois a Igreja não faz filantropia, mas age a partir do Evangelho: amamos Deus no próximo. É uma questão e consequência de uma vida que se encontrou com o Senhor e se deixou moldar e transformar por Ele.

    Nesta expectativa de estar cada vez mais com o Senhor que a Liturgia vai nos propondo, o Evangelho do 32º Domingo do tempo comum (Lc 20,27-38) vem nos apresentar uma questão que era bastante debatida pelos judeus e que Jesus a resolve com muita clareza:

    Naquele tempo: Aproximaram-se de Jesus alguns saduceus, que negam a ressurreição, e lhe perguntaram: ‘Mestre, Moisés deixou-nos escrito: se alguém tiver um irmão casado e este morrer sem filhos, deve casar-se com a viúva a fim de garantir a descendência para o seu irmão. Ora, havia sete irmãos. O primeiro casou e morreu, sem deixar filhos. Também o segundo e o terceiro se casaram com a viúva. E assim os sete: todos morreram sem deixar filhos. Por fim, morreu também a mulher. Na ressurreição, ela será esposa de quem? Todos os sete estiveram casados com ela.’

    Os saduceus, grupo religioso que apresenta a questão, defendiam a interpretação literal da lei escrita e não acreditavam na Ressurreição da carne. Já os fariseus, defendiam a ressurreição da carne, como já era proposto pela Escritura e pela Tradição Oral. Ante este novo questionamento, Jesus apresenta alguns aspectos sobre a ressurreição: o matrimônio não será necessário na nova realidade pois lá não haverá a morte, o princípio total da nova vida será o próprio Deus. Sobre isso, nos recorda o Catecismo da Igreja católica, no nº 1045: “Para o homem, esta consumação será a realização final da unidade do gênero humano, querida por Deus desde a criação e da qual a Igreja peregrina era como que o sacramento. Os que estiverem unidos a Cristo formarão a comunidade dos resgatados, a «Cidade santa de Deus» (Ap 21, 2), a «Esposa do Cordeiro» (Ap 21, 9). Esta não mais será atingida pelo pecado, pelas manchas, pelo amor próprio, que destroem e ferem a comunidade terrena dos homens. A visão beatífica, em que Deus Se manifestará aos eleitos de modo inesgotável, será a fonte inesgotável da felicidade, da paz e da mútua comunhão”.

    Ante tal questionamento, vemos a resposta: Jesus respondeu aos saduceus: ‘Nesta vida, os homens e as mulheres casam-se, mas os que forem julgados dignos da ressurreição dos mortos e de participar da vida futura, nem eles se casam nem elas se dão em casamento; e já não poderão morrer, pois serão iguais aos anjos, serão filhos de Deus, porque ressuscitaram. Que os mortos ressuscitam, Moisés também o indicou na passagem da sarça, quando chama o Senhor de ‘o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó’. Deus não é Deus dos mortos, mas dos vivos, pois todos vivem para ele.’

    Jesus se manifesta sobre a eternidade e fala que desde Moisés fala-se da referência a esta vida que não passa. Esta é uma palavra que reorienta nossa caminhada, reorientando-a na lógica do sobrenatural.

    Ao mesmo tempo, somos chamados a ter consciência dos valores cristãos que somos chamados a viver a cada momento e a cada instante. Na primeira leitura deste domingo (2 Mc 7,1-2.9-14) temos uma das passagens mais conhecidas e populares do livro dos Macabeus, de tal forma que os irmãos nela citados recebem até este nome: os irmãos Macabeus:

    Naqueles dias: Aconteceu que foram presos sete irmãos, com sua mãe, aos quais o rei, por meio de golpes de chicote e de nervos de boi, quis obrigar a comer carne de porco, que lhes era proibida. Um deles, tomando a palavra em nome de todos, falou assim: ‘Que pretendes? E que procuras saber de nós? Estamos prontos a morrer, antes que violar as leis de nossos pais’. O segundo, prestes a dar o último suspiro, disse: ‘Tu, ó malvado, nos tiras desta vida presente. Mas o Rei do universo nos ressuscitará para uma vida eterna, a nós que morremos por suas leis’. Depois deste, começaram a torturar o terceiro. Apresentou a língua logo que o intimidaram e estendeu corajosamente as mãos. E disse, cheio de confiança: ‘Do Céu recebi estes membros; por causa de suas leis os desprezo, pois do Céu espero recebê-los de novo’. O próprio rei e os que o acompanhavam ficaram impressionados com a coragem desse adolescente, que considerava os sofrimentos como se nada fossem. Morto também este, submeteram o quarto irmão aos mesmos suplícios, desfigurando-o. Estando quase a expirar, ele disse: ‘Prefiro ser morto pelos homens tendo em vista a esperança dada por Deus, que um dia nos ressuscitará. Para ti, porém, ó rei, não haverá ressurreição para a vida!’

    O autor não faz questão de detalhar nem o lugar nem os nomes da cena. Até mesmo a figura do rei tem uma citação meramente retórica. A centralidade do relato está no testemunho valente dos jovens e na fortaleza da mãe, tudo isso motivado pela fé. O texto mostra verdades fundamentais da fé cristã, principalmente no que se refere à escatologia, de maneira progressiva: afirma a ressurreição dos justos e o castigo dos malvados. Tais verdades vêm apresentadas através das respostas dadas pelos irmãos ante a iminência da condenação e morte.

    Intolerâncias e perseguições a cristãos continuam ainda perto de nós, e sem contar de outras formas de atacar a fé que são os as calúnias e difamações lançadas sobre os cristãos. Isso faz parte do nosso testemunho e temos de aproveitar esta oportunidade para que elas nos aproximem de Deus. Estejamos unidos, firmes e sem desanimar. Que saibamos esperar em meio às perseguições. A pós modernidade é marcada exatamente pela debilidade nas esperanças. Que nós, cristãos, sejamos testemunhas e anunciadores incansáveis da esperança que só a presença de Cristo em nós nos dá.

    Na segunda leitura (2Ts 2,16 – 3,5), as expressões utilizadas por S. Paulo são imagens das competições e corridas do mundo antigo. O vencedor da corrida receberia a glória do prêmio. A vitória e o prêmio relacionados com a Palavra de Deus é que esta seja proclamada e aceita em todo o mundo. Mesmo citando a infidelidade de alguns, o texto nos convida a confiarmos em Deus, que é sempre fiel e conta com a nossa colaboração para corresponder aos apelos e auxílios da Graça. Como já bem citava St. Agostinho: “Deus que te criou sem ti, não quer salvar-te sem ti”. Paulo anima os cristãos a oferecer preces a Deus por ele, não para que Deus o livre dos perigos que deve afrontar, mas para que a Palavra de Deus avance com rapidez e alcance seu objetivo, que é o de chegar ao coração dos homens.

    Essa é a nossa meta: estarmos firmes sem perder a direção de Jesus Cristo, com uma vida que não termina após a morte. Mesmo martirizados somos chamados a testemunhar quem nós somos e onde amparamos nossa esperança.

    No Salmo Responsorial, (Sl 16,1.5-6.8b.15) vemos o grito do salmista em relação a sua confiança em Deus, ao mesmo tempo em que vai apresentando a inocência do justo ante a perversidade do malvado. Este salmo se apresenta como um salmo de súplica confiante em Deus, prece dirigida por um homem que busca agir conforme a vontade de Deus. Muitas são as semelhanças dos pedidos apresentados neste salmo com aquelas expressões utilizadas nas bem-aventuranças do Evangelho, em especial a lembrança dos puros de coração, porque estes verão a Deus.

    Que Cristo reine em nossas vidas para que possamos espalhar seu amor em nossas vidas e assim em todos os âmbitos da sociedade. Não percamos de vista nosso olhar voltado para o Senhor nem o exemplo daqueles nossos irmãos que nos edificam na fé. Que saibamos encontrar a figura de Cristo no irmão pobre como a Igreja que desde o início esteve junto aos que mais necessitavam da acolhida providente e misericordiosa. Os pobres continuam sendo a riqueza da Igreja. Peçamos o dom e a graça de perseverarmos na fé.

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