É possível que a mensagem de Jesus de Nazaré não tenha penetrado, na sua plenitude, no coração da humanidade, na caminhada do povo de Deus. A verdade é que nem sempre se sabe tudo a respeito da vida do próximo, vendo-a como mistério, seja pelas coisas boas ou nas ações não construtivas ou pouco edificantes. Não é fácil, por causa da nossa contingência e do pecado, contemplar aquele Jesus do cárcere e do tribunal, ele sendo levado à morte, a qual se consumou no lugar das execuções, próximo à cidade, num pequeno monte, chamado Gólgota.
A morte desumana, com sua origem no Oriente, foi colocada em prática no Império Romano como a mais brutal e cruel de todas, sobretudo a de escravos, voltando-se e tendo sua convergência no “Filho do Homem”, em toda a sua concretude. Todas as pessoas que atestaram, e deram testemunho da história da salvação em Jesus de Nazaré, deram e dão importância ao cumprimento das palavras do Livro Sagrado: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste? Salva-me, ó Deus, porque as águas vão me submergir” (Sl 22; 69). Percebe-se que a salvação prometida por Deus, no Filho, vai até os pormenores da frieza e indiferença: o oferecimento de vinagre, a divisão das vestes, os espectadores zombando e balançando a cabeça.
Convém considerar a expressão do Nosso Senhor Jesus Cristo, “Tenho sede”, no sentido da mais elevada abrangência, que nos ajuda a pensar no Gólgota humano, como aquele lugar do crânio ou caveira, de muita angústia, tristeza, desolação e desespero, lugar esse visível e perceptível, dia após dia, da existência de muita gente, mesmo em companheiros de caminhada. É Jesus de Nazaré, o mesmo da fé por nós professada, que quer penetrar no mais profundo do nosso ser, na mesma atmosfera ou contexto, o qual foi submetido de modo extranatural ou admiravelmente insondável, com a cortina rasgada de cima a baixo, ao responder ao desejo e aspiração do nosso Cristo e Senhor, radicalmente humano, no “Tenho sede”.
Que possamos perceber a dor, o desolamento e a angústia do irmão, nos nossos dias, com menos sede e mais fome, encontrando os seguidores de Jesus de Nazaré, seu ápice nos seus passos, Mestre e Senhor da história e da vida, indo muito além do véu rasgado do templo. Rasgar o véu e matar a sede, sim, de cima a baixo, o véu malévolo, imprestável, improfícuo da fome e sede de justiça, no esforço persistente de não nos desviarmos da promessa da feliz e afável esperança, longe da angústia, da desolação e do desespero.