Apesar dos avanços, mulheres ainda carecem de reconhecimento e equiparação

“Se quisermos um futuro melhor, se sonharmos com um futuro de paz, precisamos dar espaço às mulheres”. Essa foi uma das falas do papa Francisco durante o encontro com a delegação do Comitê Judaico Americano, por ocasião do Dia Internacional da Mulher, celebrado no dia 08 de março deste ano. O discurso do pontífice vai de encontro com uma característica da cultura do presente – o reconhecimento do papel que a mulher desempenha na vida pública, principalmente no mundo do trabalho.

Nos últimos anos, a participação da mulher brasileira no mercado de trabalho tem ganhado destaque. Em 2007 a presença feminina representava 40,8% do mercado formal. Já em 2016, esse número subiu para 44%. Os dados são do Ministério do Trabalho baseados em pesquisas do Cadastro Geral de Emprego e Desemprego (Caged) e da Relação Anual de Informações Sociais (Rais). Além do mundo do trabalho, a crescente presença das mulheres também ganhou destaque no âmbito acadêmico, na política, nas instituições civis e no empreendedorismo.

Mariana Bicalho, Community Builder e fundadora do grupo “Mommys” no Facebook. Foto: Fabiana Cristina

Atualmente, as mulheres brasileiras ultrapassaram os homens na criação de novos negócios. A taxa de empreendedorismo feminino de empresas com até três anos e meio de existência ficou em 15,4% frente aos 12,6% entre os homens. As informações estão no estudo Global Entrepreneurship Monitor 2016, coordenado no Brasil pelo Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e Pequena Empresa (Sebrae) e o Instituto Brasileiro de Qualidade e Produtividade (IBPQ).  Apesar desse crescimento, uma boa parte das mulheres ainda passa por dificuldades que muitos homens não encontram, tais como o equilíbrio entre atividades domésticas versus o emprego fora de casa e a diferença salarial. Conciliar maternidade e trabalho também continua sendo um desafio para a maioria das mulheres.

Antes mesmo de dar à luz, a Mariana Bicalho, 40, já sabia que no momento em que se tornasse mãe não ia querer mais exercer a sua profissão como advogada. Seu ritmo era intenso e ela tinha certeza que não conseguiria conciliar com a maternidade. “Desde o momento em que decidi engravidar já fui pensando em alternativas para largar o Direito”, conta. Para acompanhar mais de perto o crescimento dos filhos, a Laura Bicalho, de 3 anos e o Lucas Bicalho, de 7 anos, e ter liberdade para cuidar da rotina deles, ela decidiu empreender.

Mariana Bicalho, mãe da Laura Bicalho, 3, e do Lucas Bicalho, 7. Foto: Ivna Sá

Fundadora do grupo “Mommys” no Facebook, comunidade digital que já conta com a participação de mais de seis mil mães brasileiras, inclusive residentes em várias partes do mundo, Mariana conta que a ideia surgiu de forma despretensiosa. “O Mommys surgiu há pouco mais de oito anos quando eu estava grávida do meu primeiro filho e me vi cheia de dúvidas e com muita vontade de conversar com pessoas que estavam vivendo o mesmo que eu, era um universo totalmente novo. Decidi então reunir algumas amigas grávidas e que tinham acabado de ter bebê. Esse grupo rapidamente cresceu, hoje somos mais de 6.200 mães reunidas em um grupo secreto do Facebook”, afirmou.

Mariana Bicalho com seu esposo e filhos. Fotoo: Letícia Spirandelli

Dentro do grupo, Mariana foi identificando demandas e tentando resolvê-las e assim foi construindo o seu negócio, realizando eventos para as mães e produzindo conteúdo. “A maternidade chega com muitos desafios, a mãe se torna invisível, muitas vezes ela mesmo se esquece, se deixa de lado. Esse olhar amoroso e acolhedor para as mães é necessário para que elas entendam que a maternidade pode ser leve, e que se cuidarmos de nós, isso irá refletir em toda a família, pois uma mãe feliz cria filhos felizes”, disse.

Diante de tantos feedbacks positivos que recebia, Mariana descobriu que o Mommys era sua missão e que seu propósito estava ali. “Minha paixão e minha energia estavam depositadas nessa comunidade”, afirmou. Atualmente, o grupo conta com o Portal Mommys – um site que oferece conteúdo de qualidade, um blog e uma revista digital bimestral – e um projeto offline que promove palestras e eventos periódicos para fortalecer as relações entre as mommys, por meio de experiências, trocas e aprendizados. “Com o passar do tempo fui entendendo porque era tão importante para as mães ter essa rede de apoio, acolhimento e amor”, reiterou.

Divisão de responsabilidades

Para conciliar família e trabalho, muitas vezes, é necessário haver mudanças radicais na organização da vida familiar. Compatibilizar estas responsabilidades provoca um enorme desgaste principalmente para as mulheres, pois mesmo com o avanço no mercado de trabalho feminino, bem como com a crescente participação das mulheres no espaço público, ainda são elas que se encarregam, em maior proporção, às tarefas familiares, assumindo assim uma dupla jornada, a de mulher-profissional e a responsável pelo cuidado de filhos e familiares.

Paula Pizzato, 38, amamenta a sua filha Lisa Pizzato, 6 meses, enquanto trabalha. Foto: Acervo pessoal

Paula Pizzatto, 38, estava de licença-maternidade e retornou ao trabalho recentemente, motivo pelo qual ainda está se adaptando a nova rotina. “Minha carreira sempre foi a prioridade da minha vida. Imaginava que pouco mudaria sendo mãe, mas tinha curiosidade em saber como conseguiria conciliar a maternidade com a carga horária e as viagens do trabalho. Jamais cogitei deixar de trabalhar em razão disso. Sabia que quando chegasse o momento, daria tudo certo”, contou.

Paula é nutricionista e atua na função há 16 anos. Quando engravidou da Lisa Pizzato Mink, atualmente com seis meses de idade, ela e seu marido estavam em pleno consenso de que a filha passaria a ser prioridade em suas vidas e que os dois seriam responsáveis pelos cuidados com a pequena nos primeiros anos de vida. “Optamos em trabalhar menos horas por dia e não precisar arcar com despesas de creche ou cuidador”, apontou.

Paula Pizzato e sua filha Lisa Pizzato. Foto: Acervo Pessoal

A empresa em que Paula atua aceitou sua proposta de desenvolver seu trabalho em casa e dessa forma, tanto ela como o esposo conseguiram se organizar, intercalando os deveres com a filha, as tarefas domésticas e os cuidados com a saúde da família. “Trabalhar em casa é realmente um privilégio, especialmente porque o horário é flexível e participo de todos os momentos especiais do desenvolvimento da minha filha”, garante.

Paula concorda que hoje, as mulheres que trabalham não deixam os afazeres domésticos de lado. “É um acúmulo de funções. Parece que faltam horas no dia para realizar todo o planejado. Por isso, precisamos de disciplina e organização, do contrário, muito deixa de ser feito”, garante. Para ela, estabelecer prioridades é primordial e consente que a participação do homem em casa, seja nas tarefas de casa ou nos cuidados com os filhos, aumentou muito com o passar do tempo. “Colaboração, cumplicidade. Considero isso fundamental para a harmonia da família. Juntos vamos mais longe”, afirma.

Diferença salarial

O mercado de trabalho brasileiro mostra que as mulheres ainda têm um longo caminho a percorrer para obter o mesmo reconhecimento que os homens. Pesquisa realizada pelo site de empregos Catho, em 2019, com quase oito mil profissionais mostra que elas ganham menos que os colegas do sexo oposto exercendo os mesmos cargos, áreas de atuação e com os mesmos níveis de escolaridade pesquisados. A diferença salarial chega a quase 53%. Além disso, mulheres ainda são minoria ocupando posições nos principais cargos de gestão, como diretoria, por exemplo.

Mariana do Socorro com seu marido e filhos. Foto: Acervo Pessoal

Maria do Socorro Nunes de Melo, 50, é sargento da Policia Militar do Distrito Federal (PMDF) e mãe de três filhos: o Isaac Nunes Melo, 21, a Yasmin Nunes Melo, 18, e a Joyce Nunes Melo, 10. Para ela, o ponto positivo de ser militar é o de ter um regulamento que funciona para homens e mulheres. Ela explica que o que difere no salário da categoria é o posto/graduação que cada um exerce ou tem. “Não há discriminação de salários, agora para assumir um certo comando, sim, a mulher tem que se superar, mostrar com eficácia sua competência”, garante.

Vânia Lúcia Ferreira Leite, 49, acredita ser importante a equiparação salarial entre homens e mulheres. “Houve muitas mudanças, mas queremos atingir o ponto ideal, como por exemplo, a igualdade salarial. É importante não visualizar a mulher como uma figura ilustrativa, mas como uma profissional competente”, afirma.

Vânia Lúcia é mãe de três filhos e atualmente atua como assessora nacional da Pastoral da Criança. Crédito: Daniel Flores/CNBB

Mãe de dois filhos, o André Henrique, 27, e a Alessandra Helena, 23, Vânia é bacharel em Ciências Econômicas e atualmente atua como assessora nacional da Pastoral da Criança, organismo de ação social vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Ela também exerce as funções de Conselheira Nacional de Saúde (CNS), coordenando a Comissão Intersetorial de Atenção à Saúde nos Ciclos de Vida do Distrito Federal.

Direitos e Deveres

Apesar de, nos últimos vinte anos, várias mudanças sociais, políticas, culturais e jurídicas terem favorecido a consolidação dos direitos da mulher, culminando com o reconhecimento do papel significativo que o sexo feminino tem, Vânia acredita que tudo isso só foi possível graças ao acolhimento da justiça brasileira para com as mulheres, diminuindo suas fragilidades. Como exemplo, ela cita a Lei Maria da Penha, sancionada em 2006, e que garante às mulheres em situação de risco proteção privilegiada e efetiva do Estado.

Vânia Lúcia. Foto: Daniel Flores/CNBB

Outra recente é a Lei do Feminicídio que entrou em vigor em 2015, alterando o código penal para incluir mais uma modalidade de homicídio qualificado, o feminicídio, que é quando o crime é praticado contra a mulher por razões da condição de sexo feminino. “Tenham certeza que continuaremos lutando pela igualdade dos nossos direitos e deveres garantidos pela Constituição Federal de 1988”, enfatiza Vânia.

Com tantos obstáculos que, em várias partes do mundo, impedem ainda às mulheres a sua plena inserção na vida social, política e econômica, a Igreja também reconhece que resta muito a fazer para que o ser mulher e mãe não comporte discriminação.

Além do papa Francisco, São João Paulo II, em Carta às Mulheres (1995), já argumentava que é necessário conseguir onde quer que seja a igualdade efetiva dos direitos da pessoa e, portanto, idêntica retribuição salarial por categoria de trabalho, tutela da mãe-trabalhadora, justa promoção na carreira, igualdade entre cônjuges no direito de família e o reconhecimento de tudo quanto está ligado aos direitos e aos deveres do cidadão num regime democrático.

“Obrigado a ti, mulher, pelo simples fato de seres mulher! Com a percepção que é própria da tua feminilidade, enriqueces a compreensão do mundo e contribuis para a verdade plena das relações humanas” (São João Paulo II).

Inserção das mulheres no mercado de trabalho

60% das mulheres desejam compatibilizar o trabalho com a vida familiar
20% prefere de dedicar exclusivamente à família
20% prioriza o trabalho em certos momentos do próprio itinerário existencial e profissional
Fonte: HAKIM, C. Work-Lifestyle Choices in the 21º Century. Dritain Journal of Sociology.

Foto capa: Ivna Sá

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