A Ressurreição, o Novo Tempo da Criação e o Milagre dos Milagres – Cartas do Padre Jesus Priante

“Eis que eu venho e faço tudo novo” (Ap.21,5).

Cristo veio no ano 767 da fundação de Roma e inaugurou, 33 anos depois, o novo horário da Criação com sua Ressurreição. Até esse dia, o tempo morria em cada tarde no incerto retorno da vida. Embora nem todos os povos contem
seus anos pela era cristã, o dinheiro, o maior expert do mundo, move-se neste planeta pelas horas de Cristo. Ninguém compra dólares no ano 1443 da Hégira árabe, do Rosh Hashaná judaico ou neste ano do Tigre chinês. Algo de novo e extraordinário aconteceu no Domingo da Ressurreição para mudar universalmente os calendários. Antes de Cristo, caducavam os referenciais dos tempos, depois de Cristo, o tempo nos projeta a uma eterna novidade. A História não é mais memória do passado, mas memória do futuro. Na morte de Cristo morriam os anos que nos envelhecem, na sua Ressurreição nasce a eterna juventude nossa e a de toda a Criação.

Em termos darwinianos diríamos, a Ressurreição de Cristo é o maior e último ”mutante” da espécie humana que, nos faz, como diz São Paulo, “homens novos”, filhos de Deus, do qual também o próprio universo aguarda participar.

“Toda a Criação esperou que os filhos de Deus saíssem à luz, ela, porém, foi obrigada a trabalhar para o nada, sujeita à caducidade e à morte, esperando participar em Cristo da liberdade e da glória dos filhos de Deus.” (Rm.8)

A Ressurreição é o início da nova Criação que seguirá, segundo São Paulo, uma ordem temporal: primeiro Cristo, a seguir nós (no dia de nossa morte) e, finalmente , toda a Criação (no fim da História).

O devir dos tempos é impulsionado pela energia da Ressurreição de Cristo rumo à Sua Transformação Gloriosa. Esta é a singular grandeza da Ressurreição.

“O QUE SERIA RESSUSCITAR?” (Mc.9,10)

Foi esta a suspeita que Jesus suscitou nos Seus discípulos, após Sua Transfiguração, dizendo-lhes, que teria de Ressuscitar de entre os mortos. Eles perguntavam-se mutuamente “o que seria Ressuscitar?”

Até o século II a.C, a raiz do martírio dos irmãos Macabeus, o povo judeu acreditava que os mortos dormiam sem vida nos cemitérios. Apenas atribuía, excepcionalmente, vida “post mortem” a Enoque e a Elias, arrebatados ao Céu por Deus. Por isso consideravam ser uma grande bênção de Deus viver muitos anos na terra e esperavam: “Deus não me entregará à morte” (Sl.16). Depois do martírio dos Macabeus ordenado pelo rei Antíoco, nasce a suspeita da Ressurreição no povo judeu: “Seria Deus menos fiel do que os mártires que deram sua vida por Sua causa?”. Entretanto, a esperança de Ressuscitar ficava reservada só para os “justos”, cumpridores da lei, e era adiada para o fim do mundo. Dentro dessa mentalidade ou crença Cristo anunciou sua Ressurreição, portanto, com Ele atingia-se o fim dos tempos. De todos os povos, só o povo de Israel aceitou morrer existencialmente, embora com a suspeita de ”quem sabe?” se a exceção de Enoque e Elias algum dia não se tornaria regra. Por isso acreditavam em um reino de mortos (sheol = cemitério) onde dormiam, partilhando a subjacente crença de todos os
povos de uma vida após a morte, pois, racionalmente, nenhum ser humano consegue morrer de vez.

O desejo de imortalidade, patrimônio da humanidade, é expressado e “vivido” de várias maneiras:

Na forma de REENCARNAÇÃO sucessiva até atingir pelos próprios méritos a vida eterna. Está crença é vivida por boa parte das pessoas até nossos dias.

DESENCARNAÇÃO do corpo, recinto de sofrimento e da morte, para morar no reino das almas, como idealizou Platão.

TRANSMIGRAÇÃO DAS ALMAS, em constante retorno aos seus corpos preservados, como acreditava-se no antigo Egito, a mumificar seus mortos.

De todas estas crenças, também nós, cristãos, que acreditamos na Ressurreição, estamos contaminados. Dificilmente vemos nos cemitério apenas os “restos mortais” de nossos entes queridos, o que nos torna mais judeus e platônicos do que cristãos.

A doutrina do purgatório seria outra forma de Reencarnação ou adiamento de nossa Ressurreição.

A RESSURREIÇÃO É O PASSO DO PECADO E DA MORTE À VIDA ETERNA EM DEUS

Não é uma reanimação ou ressuscitação como aconteceu quando Jesus fez retornar à
vida a Lázaro. Também não é uma transubstanciação de nosso ser humano, como acontece com o pão e o vinho, convertidos na Eucaristia em corpo e sangue de Cristo. Seremos nós mesmos, com este mesmo corpo que temos, os que Ressuscitaremos,
transformados ou transfigurados em Cristo.

A antropologia bíblica concebe o ser humano como um todo, não um composto de corpo e de alma que na morte se separam, como herdamos da cultura grega. Nascemos, vivemos, morremos ou melhor, Ressuscitaremos, sem passar pela morte, com o mesmo eu.

O Último e o Primeiro

O último a morrer das gerações foi Cristo, assim como o primeiro a Ressuscitar. “Ele é o primogênito dos mortos e, com Ele, Ressuscitaram os que morreram antes dele e, nós, ”em um abrir e fechar de olhos” seremos glorificados, pois já morremos e Ressuscitamos no Batismo (Rm.6). A morte não é mais a tarde de nossa existência, como disse o poeta espanhol, O Arcipreste de Hita (séc. X) e sim “a dama d’alba”, da aurora eterna.

Não é fácil crer na Ressurreição de Cristo que, como afirma São Paulo em 1Cor, 15, recebe sua veracidade se de fato também nós Ressuscitamos. De outra maneira, Cristo teria sido um turista que veio nos fazer uma visita e retornou ao Céu, sua pátria.

Escola de Frankfurt e o Papa Bento XVI

Mais difícil ainda é acreditar que Ressuscitaremos livres de nossos pecados, mais necessário do que libertar-nos da morte. Se fossemos ao Reino dos Céus com o carma de nossos pecados, nem passando pelo doloroso purgatório, ficaríamos livres, pois a justiça, para compensar nossos delitos, seria impossível. De fato, ninguém pode devolver à sua mãe o filho que tenha sido morto por um assassino. Este raciocínio levou Teodoro Adorno, da Escola de Frankfurt, a negar a Ressurreição. O papa Bento XVI lhe contestou dizendo: precisamente porque a justiça não pode ser cumprida, pois os fatos, nossos pecados, são irreversíveis, é que precisamos Ressuscitar, transformados por Cristo em criaturas novas, sem pecado e morte. A justiça devolve ao réu seu direito e ao carrasco, o exime da sua culpa.

A RESSURREIÇÃO É O MILAGRE DOS MILAGRES

Certa vez em que algumas pessoas dos povos lhe pediam milagres, Jesus disse: “nenhum milagre lhes será dado a não ser o milagre de Jonas” (Mt.16,4), referindo-se à Sua Ressurreição. Ela não é um impulso vitalista utópico nem mero destino, senão intervenção pessoal de Deus que quebranta as leis da natureza, fadada à sua caducidade e à morte. Todo milagre, no seu sentido benéfico, resolve apenas algum problema que humanamente não podemos superar, e o faz de maneira provisória. Só a Ressurreição, irrepetível e definitiva, erradica todos nossos males: o pecado e a morte. Ela é o milagre dos milagres a dispensar qualquer outro.

De nada nos serve curar o câncer ou sair como Lázaro do cemitério se fatalmente iremos morrer.

O milagre da Ressurreição não seria pleno se não fosse universal. Em favor de toda a humanidade e da própria Criação à qual estamos existencialmente unidos.

No Man is an Island

Ninguém é uma ilha. Somos com os outros e com o mundo que habitamos. Ou nos Salvamos todos ou não se Salva ninguém, costuma dizer o Papa Francisco. Neste sentido, cabe pensar, dentro da nossa perspectiva temporal, na Ressurreição no fim do mundo.

A Simultaneidade do Passado, do Presente e do Futuro

Nossa Ressurreição, no dia em que deixaremos este mundo, seria incipiente, à espera dos que ainda nascerão e de toda a Criação, chamada a participar da glória dos filhos de Deus. Não assim acontece para Deus, no instante eterno, no qual é simultâneo passado, presente e futuro.

Cristo Ressuscitado é “alfa e omega”, “princípio e fim”, a Ele pertencem todos os tempos. Nele a Ressurreição universal já aconteceu. Nós apenas esperamos na estrada do tempo Sua manifestação gloriosa no fim de nossa vida pessoal e da história do mundo. Esta esperança é “substancial”, segura e certa porque já está presente. Se fosse fato futuro, caberia duvidar. Cristo Ressuscitou e, Nele todos Ressuscitamos ou fomos Salvos. Certas práticas, muito humanas e até necessárias psicológica e culturalmente, nos dificultam crer plenamente na Ressurreição. Entre outras, o culto aos defuntos. Sua presença “pessoal” nos cemitérios. O sufrágio pelas suas almas, que aparece depois do século X, particularmente com o papa Gregório VII, a quem se
lhe atribui ter tido uma visão na qual as almas lhe pediam orações. Daí a celebração das missas pelos defuntos. É verdade que o sufrágio pelos defuntos aparece no livro dos Macabeus, mas com um sentido de solidariedade com o sofrimento e morte dos soldados que também lutaram em favor do seu povo.

Alfândega das Almas

No século VIII d.C , existia na Igreja oriental uma crença, segundo a qual, antes das almas irem ao Céu, tinham de passar por uma espécie de alfândega, chamada “telonia”, na qual os demônios reivindicavam seu direito sobre elas. Nossas orações lhes ajudariam a se libertar deles. Outro preconceito que nos impede de ver a Ressurreição é o chamado Juízo particular que teremos diante de Deus logo que deixamos este mundo, do qual a Bíblia nunca faz menção e só aparece na tradição cristã no século VIII, fruto de representarmos a justiça de Deus à imagem de nossa justiça humana: de dar a cada um o que merece ou pertence. A Salvação seria mérito de cada um e não dom de Deus em Cristo. Quando confessamos : ”Deus é Juiz que virá julgar vivos e mortos” temos de entender que seu veredito já foi dado em Cristo
Ressuscitado, libertando-nos do pecado e da morte. Ele é o singular meteorito caído nas crenças de todos os povos e também na Bíblia do AT a nos trazer a graça da Salvação. Os textos do NT que ainda aludem à nossa possível condenação ou sobre a Ressurreição reservada apenas aos bons, como vemos em Jo.5,28; Ap. 20,13 e outros,
são reminiscências do judaísmo tardio. A “alegria do evangelho” e Salvação universal em Cristo Ressuscitado, não nos exime de sermos melhores e fazer nosso maior bem, pelo contrário, o pecado, mesmo que não condicione a Salvação de Deus, nos priva de viver neste mundo como possuidores da vida eterna e feliz.

“A Fé sem as obras é morta”

Quem vive só para este mundo ou regido pela meritocracia não pode crer na Ressurreição.

COMO RESSUSCITAM OS MORTOS? (1Cor,15,35)

Esta era a grande curiosidade dos cristãos de Corinto dentro de uma cultura helenista, contrária à corporeidade humana. São Paulo alude à mesma imagem usada por Cristo com uma semente. Esta, simultaneamente, renasce no processo da sua própria morte sem deixar de ser ela mesma. De fato, do grão de trigo que morre não nasce um abacaxi, mas uma espiga de trigo de mesma cepa.

Seremos nós mesmos, com o mesmo corpo que temos, transformados, os que Ressuscitaremos com vida “exuberante” (Jo.10,10) como nos revela a imagem da semente.

Um grão de trigo produz 50. Num processo contínuo, cresceria em proporção geométrica, 50X50X50. Em apenas algumas décadas, um só grão encheria todos os celeiros do mundo. Se, pela Ressurreição, passamos do tempo à eternidade, significa que nossa vida será infinita, do tamanho da vida de Deus. “O mesmo Espírito (Vida Divina) que
Ressuscitou Jesus dará vida aos vossos corpos” (Rm.8,11).

“SABEIS O QUE SE PASSOU EM JERUSALÉM: AQUELE QUE FIZERAM PERECER SUSPENDIDO DE UM MADEIRO, DEUS O RESSUSCITOU, E SE MANIFESTOU A MUITAS PESSOAS DO POVO E A NÓS QUE COMEMOS E BEBEMOS COM ELE APÓS SUA RESSURREIÇÃO” (At.10,34-43)

Estas palavras foram ditas pelo apóstolo Pedro em Cesaréia na casa de um centurião romano, temente a Deus, que buscava sua Salvação. Pedro lhe anuncia a Ressurreição de Cristo após ter sido crucificado, assegurando-lhe ser testemunha de ambos os fatos, dos quais depende o sentido da vida presente e a Salvação do mundo. Todo aquele que acredita em Cristo morto e Ressuscitado, experimenta sua Salvação. Ela não acontece através das obras da lei, nem como dom ou graça separada de Cristo, mas na sua pessoa, na qual estamos unidos ao próprio Deus. Mais uma vez, nos reportamos ao mistério da Encarnação, não restrita a Jesus de Nazaré como indivíduo, mas a toda a humanidade e, por extensão, a toda a Criação.

Sem uma dose de panteísmo, não podemos ser cristãos. K. Rahner prefere usar o termo de mística ou comunhão com Deus, que é a mesma idéia paulina do “Corpo de Cristo”, do qual somos seus membros. Sua morte e Ressurreição, como cabeça, pertence também a todos nós, inseridos no seu corpo. Não podemos chegar a esta conclusão sem antes termos por certo que Jesus de Nazaré, crucificado em Jerusalém, à vista do povo e, particularmente dos seus discípulos, Ressuscitou. Fato que só pode superar a utopia da metáfora e das ideologias se for constatado ocularmente.

Argumento que usa São João para fundamentar a Fé: “O que vimos e ouvimos, isso vos comunicamos” (1Jo,1). Por isso afirmamos que a nossa Fé é apostólica, que nos faz ver o fato da morte e Ressurreição de Cristo com os mesmos olhos dos apóstolos. Contra fato, não há argumento, é um princípio filosófico, por isso, o crer ou não crer depende do crédito que dermos ao testemunho dos apóstolos, do qual depende nossa Fé e a nossa esperança da Salvação.

A Miopia da Descrença

Infelizmente, como acontece com nossos próprios olhos, à medida que o tempo passa, ficamos
présbitas e também míopes. O fato da morte, tão perto de nós, não a vemos e, por parecer-nos distante, também deixamos de ver a Ressurreição.

O maior handicap que temos para crer é o sofrimento. Se
tivéssemos um satélite capaz de nos reportar às lágrimas e ao sofrimento do mundo, provocado pelas guerras, doenças, injustiças, tragédias e todo tipo de males, só nos caberia o desespero e a blasfêmia. Até o próprio Jesus na cruz viveu esse drama irracional dizendo: “Meu Deus, por que me abandonastes?” (em cumprimento do profetizado no Salmo 21)

O povo eufórico por Jesus por causa dos seus milagres, vendo-o crucificado, O abandona, inclusive Seus apóstolos, exceto João e as três mulheres. Nada mais lógico e natural. O que podemos esperar de um crucificado? A mesma pergunta nos fazemos quando experimentamos o sofrimento que fatalmente nos leva à morte. Daí a necessidade de ver de perto, com os olhos dos apóstolos, não só a morte como também a Ressurreição em Cristo. O sofrimento e a morte, diz o pensador alemão Horkheimer, são os rugidos do ser e o caminho ao novo que culmina em Cristo,
demasiado homem para ser só homem e que, após mais de dois mil anos, continua a nos interpelar, provocando, mais do que nunca, a nostalgia da Fé e a busca de sentido. Faça o que faça, o ser humano está ordenado a Deus, mas só chegamos a Ele em Cristo. “Ninguém vai ao Pai senão por mim” (Jo.14,6).

O mesmo argumento dos fatos na casa de Cornélio, Pedro usou no dia de Pentecostes diante de uma multidão em uma praça de Jerusalém: ”Homens da Judéia e todos os que estão de passagem em Jerusalém: Jesus de Nazaré, que vocês crucificaram, Deus O Ressuscitou, porque de nenhum modo podia ficar sob o domínio da morte” (He.2). Mais de três mil pessoas aderiram a essa grandiosa notícia , tornando-se discípulos de Cristo.

“PENSAI NAS COISAS DO ALTO, E NÃO DA TERRA, POIS MORRESTES COM CRISTO E COM ELE RESSUSCITASTES, E VOSSA VIDA COM CRISTO ESTÁ ESCONDIDA EM DEUS” (Cl.3,1-4)

No NT o movimento ou a vida do ser humano caminha para sua fatal derrota. A única possibilidade de triunfo vem de fora, do poder e do amor de Deus. Não é nossa existência que fundamenta a História senão a morte e Ressurreição de Jesus Cristo, em cujo acontecimento pascal inserimos nossos pecados, dores e morte, assim como deles esperamos ser livres pela Ressurreição.

Dois Capítulos

A História tem dois capítulos: a morte com Cristo e, com Ele, nossa Ressurreição. Ler ou escrever apenas um destes capítulos, torna-nos alienados, fora da realidade existencial. Há em nós, como São Paulo diz em outro momento, um homem terreal ou “velho” fadado à morte, e um homem celeste ou ”novo”, destinado à vida. Este mistério antropológico se nos revelou em Jesus de Nazaré através da Sua morte e da Sua Ressurreição.

São Paulo dá por feito que a morte, com todo seu séquito, pecados, dores e sofrimentos, atingiu seu cume em Cristo crucificado, assim como sua vitória final na Sua Ressurreição. Razão pela qual, deste vale de lágrimas, podemos viver e compartilhar a alegria da vida eterna e feliz em Deus. Vida Divina que está ”escondida” sob as sombras de nossos males até Ela se revelar gloriosamente ao deixarmos a presente condição terrena.

Não poderia ser de outra maneira dentro do mundo no qual nascemos e vivemos, mordido pelo nada.

Poderia Deus ter criado outro mundo? É uma pergunta que não podemos fazer a Deus, conforme nos revela o livro de Jó. Não sabemos se o mundo dos anjos, também criado por Deus, teve ou tem um processo semelhante ao nosso. A única coisa certa que sabemos é que nós e o mundo temos de ser de outra maneira. Tal novidade, eterna e gloriosa, acontece em Cristo Ressuscitado. Em 2Cor, 4,7, lemos que “levamos este tesouro em vasos de barro”, aludindo à nossa precariedade, a ser escancarado no dia da nossa morte.

Jesus comparou seu Reino (mundo e vida nova) a um tesouro ”escondido”, e que é descoberto pela Fé. O Tesouro precisa ser “escondido” ou enterrado de novo até “vendermos” tudo quanto temos para “comprar o campo” (nossa realidade existencial vivida em liberdade) e, assim, sermos donos do Tesouro que nós dá a vida eterna.

O Despojamento

Sem o despojamento, livre e natural, do que somos e temos neste mundo, não podemos existencialmente entrar no Céu, nem ver a Deus, como Ele disse a Moisés (Ex.33).

O Tesouro

Vale à pena guardar este Tesouro da Vida Eterna enquanto estamos na vida terrena? Não são poucos os que assim se questionam. Voltaire contra Pascal que “apostava” por esta sorte, dizia que não. Mas nem Voltaire nem Pascal entenderam a realidade deste valioso arcano, pois a Vida Eterna vive-se dentro desta mesma vida que terá sua plenitude na Ressurreição.

Viver Plenamente na Feliz Esperança

O povo americano costuma expressar a Vida Eterna não como outra vida, mas “life after life”, vida depois da vida. Nenhuma outra pessoa pode desfrutar mais e melhor da vida presente do que o verdadeiro cristão, pois a vive com dimensão eterna e em
comunhão com Deus. Quando a vida, que só é uma, é contemplada com dom de Deus a caminho da sua plenitude na Ressurreição de Cristo, só pode ser boa e bela, imortal, feliz e eterna, embora se faça esperar como o germinar e frutificar da semente no inverno do sofrimento.

“NO PRIMEIRO DIA DA SEMANA (DOMINGO) MARIA MADALENA FOI AO SEPULCRO, DE MADRUGADA, E O ENCONTROU VAZIO… CORRENDO, O COMUNICOU A PEDRO E JOÃO. ESTES FORAM ÀS PRESSAS, E APENAS ENCONTRAM OS PANOS E O SUDÁRIO QUE ENVOLVERAM SEU CORPO. VIRAM E CRERAM” (Jo.20,1-9)

O sepulcro vazio é o último acontecimento histórico de Jesus de Nazaré, e também prova “científica” da sua Ressurreição, fato trans-histórico, Uma pessoa Ressuscitada, carente das dimensões dos corpos físicos, do seu volume, peso e forma, não pode ser vista ou tocada, assim como não mais encontra-se nas coordenadas do tempo e do espaço dos fatos históricos. Isso explica que já na mesma tarde em que morria na cruz, prometeu o Paraíso a um dos que morriam ao seu lado. O domingo da Ressurreição se fazia presente na sua própria morte, e na morte de cada um até o fim dos tempos. (Vide Mateus 27:52, 53)

Dez Relatos

A Ressurreição de Cristo é fato concreto e universal presente em todo tempo e lugar, passado e futuro. Nos evangelhos constam dez relatos das chamadas “aparições de Cristo Ressuscitado”. Através delas ”se fez reconhecer” vivo depois da sua morte. Mas, o que seus discípulos perceberam com seus sentidos não era propriamente Cristo Ressuscitado senão uma manifestação dele, da mesma maneira como acontece quando alguém experimenta uma “aparição” da Virgem, anjos ou santos. Não são eles do jeito que são e vivem no Céu, mas sua “aparência” ou sinal sensível deles para que sejam percebidos pelos nossos sentidos. Não porque os que já
vivem com Deus eternamente estejam longe de nós ou sejam puro espírito, mas porque os que fomos Criados por Deus corporalmente, e Ele mesmo quis ser assim em Cristo, Ressuscitaremos com o mesmo corpo, não mais constituído por matéria, senão “transformado” e glorificado na sua dimensão eterna e infinita, impossível de ser percebida ou representada neste mundo.

Encontramos no relato das aparições de Cristo Ressuscitado detalhes humanamente inexplicáveis: como foi possível que, Ressuscitando em Jerusalém, no domingo, onde se encontravam seus discípulos, nesse mesmo dia o viram, cem quilômetros distantes, na Galiléia? Da mesma forma, é inexplicável que, em apenas após escassos três dias de estarem juntos, seus discípulos não o reconheceram, precisando se identificar como sendo Ele mesmo, na “figura” de jardineiro ou viandante, entrando com as portas fechadas, comendo com eles e até se deixando tocar nas suas chagas por Tomé e, finalmente, ”subindo ao Céu”. Algo impensável se sua condição de Ressuscitado pertencesse fisicamente a este mundo que habitamos. No entanto, era e será sempre Ele mesmo, como nós também o seremos no Reino dos Céus.

O Sepulcro Vazio

A única prova realmente “histórica”, espaço-temporal, da Ressurreição de Cristo é o SEU RESTANDO SEPULCRO VAZIO. Este fato, constatado por Maria Madalena, Pedro e João e, possivelmente, outras pessoas, provocou a Fé na sua Ressurreição. De fato, se Cristo, enterrado, pois sua morte é historicamente certa, onde estaria seu corpo? Por outra parte, sem seus restos mortais, como todo ser humano, Jesus deixaria de ser verdadeiramente, portanto, nosso Salvador. O relato evangélico diz que apenas viram no jazigo os panos e o sudário que cobriram seu cadáver. Mais um problema e também uma prova da sua Ressurreição contra os que, já naqueles dias, afirmavam que
seu corpo teria sido roubado. Quem levaria um cadáver nu? Contra os que, ainda hoje, afirmam que a Ressurreição de Cristo é mito ou alucinação coletiva dos apóstolos ou, como afirma São Paulo, de mais de 500 irmãos, que “ainda vivem” (1Cor.15) a própria História desmente. É mais difícil negar que Cristo Ressuscitou do que afirmá-lo.

Algo extraordinário aconteceu ao ponto de lançar aqueles rudes homens da Galiléia, incapazes de construir qualquer ideologia ou inventar uma lenda a se lançarem ao mundo para pregar a Salvação vinda de um crucificado. Missão que levava consigo o sofrimento e o próprio martírio.

Nas ideologias ou mitos sempre há um interesse pessoal de quem os inventa ou defende. No anúncio do Reino de Deus que nos vem de Cristo é preciso renunciar a todo interesse pessoal em favor dos outros. “Enquanto nós morremos, o mundo recebe a vida·” (2Cor. 4,7). A conversão de São Paulo que, pessoalmente, não conheceu Jesus, fanático da lei e do judaísmo, resulta inexplicável sem sua experiência “ocular” de Cristo Ressuscitado quando Paulo seguia pelo caminho de Damasco, com a missão de extinguir a crença na Ressurreição, que ameaçava a sobrevivência cultural e espiritual do povo Judeu.

O Relato de S. Paulo

Três anos depois deste acontecimento, no ano 38, São Paulo deixou escrito o relato mais antigo do NT, precisamente sobre a Ressurreição de Cristo, fundamento da nossa Fé, do qual será seu maior arauto: “Irmãos, lhes lembro o Evangelho pelo qual somos Salvos: Que Cristo morreu e foi sepultado, e que Ressuscitou. Que apareceu a Pedro e depois aos doze e a mais de 500 irmãos e também a mim, último dos apóstolos, que nem sequer mereço ser chamado assim porque persegui a Igreja de Deus” (1Cor. 15).

A Cristandade e a Merkaba

Inexplicável historicamente é também o desenvolvimento do próprio cristianismo num ambiente hostil, primeiro dos próprios judeus e a seguir no mundo greco-romano. A conversão massiva dos povos bárbaros a partir do século VI a formarem a Cristandade, assim foram chamados os povos da Europa, é mais uma prova do fato histórico da Ressurreição. Ninguém seguiria um crucificado, morto e sepultado. E se no presente, a Europa pretende negar suas raízes cristãs, outras vinhas brotam e crescem em outros povos com a mesma ou maior vitalidade, pois Cristo Ressuscitado, não pode morrer mais. Ele é a “merkaba” (carro de fogo) do nosso planeta e do universo.

POR QUE O SEPULCRO DE JESUS FICOU VAZIO, SEM SEUS RESTOS MORTAIS?

Fato culturalmente necessário para seus discípulos, judeus, crer na Ressurreição, esperada pelo seu povo no fim dos tempos, quando os mortos se levantariam dos sepulcros onde “dormiam” esperando ”vagamente” e não para glória de todos na Ressurreição.

Como temos dito, o homem revelado na Bíblia não é um composto de corpo e alma, mas um todo. No sepulcro, para o povo judaico, ainda hoje, está a própria pessoa e não só o corpo, na forma de “restos mortais”.

Outra razão, mais teológica, seria a própria Encarnação de Deus na pessoa histórica de Jesus de Nazaré. Seu corpo físico, pela Ressurreição, transformado gloriosamente, é a “pedra angular”, sobre a qual descansa toda a Criação. Seu corpo nem poderia ficar no sepulcro, nem ser diluído na matéria do universo, como será o nosso e de todas as Criaturas até o fim do mundo, quando também a matéria de nossos corpos e de todas as Criaturas serão glorificadas no Corpo Glorioso de Cristo, para ser tudo em Deus.

A Assunção de Maria

A única exceção nesse devir da Ressurreição total seria a Virgem Maria, “arrebatada” ou assunta ao Céu. Também seus restos mortais não estão na terra, antecipando com Cristo a glorificação de toda a Criação. Nem os restos de Cristo, da Virgem, nem nossos, serão propriamente nossos, senão da matéria Criada, que também espera sua glorificação (Rm.8) numa Nova Terra e em Novos Céus no qual, nós, anjos e o próprio Deus, habitaremos para
sempre.

A Ressurreição de Cristo é a culminância e “o universal concreto” da Criação.
O acontecimento da Páscoa, morte e Ressurreição de Cristo, fundamento da nossa Fé e da razão da própria Criação, o expressamos no sublime mantra do cristianismo: ANUNCIAMOS SENHOR A VOSSA MORTE, E PROCLAMAMOS A VOSSA RESSURREIÇÃO, ENQUANTO ESPERAMOS A VOSSA VINDA.

Teríamos de repetir constantemente estas palavras para “entender” nossa existência e do mundo que habitamos.
ANUNCIAMOS, tornamos presente o sofrimento e a morte de N. S. Jesus Cristo nos nossos sofrimentos e em nossas mortes. A Salvação passa necessariamente por esse Vale de Lágrimas. “A vida é dor” (Buda); “angústia“(Sartre). Cristo revelou essa necessidade após sua Ressurreição aos discípulos de Emaús (Lc.,24) e prognosticou o fim do mundo, que se cumpre em nossa vida pessoal, precedido por “dias de grande angústia e dor” (Mt.24).

O Parto

A Ressurreição é um parto doloroso e, ao mesmo tempo, glorioso da História. Neste parto, a criança ou o mundo Criado e a mãe (Deus) torcem positivamente pelo novo nascimento. “O sofrimento da vida presente, não tem comparação com a Glória à qual Deus nos destinou” (Rm.8).

O sofrimento e a morte deste mundo, nas suas mais diversas formas, não são castigo, nem prova, nem em si mesmas, vontade de Deus, senão seu sábio plano Criador e Salvador que enlouquece nossa razão e escandaliza nossas crenças.

Cristo estará em nós crucificado até o fim dos tempos. Pela ferida das suas chagas entramos todos no seu Reino.

PROCLAMAMOS euforicamente a Ressurreição de Cristo, que também é nossa,
Vibrando com a gloriosa vitória da nossa Salvação no meio da luta. Sem esta certeza, a vida, como afirma Sartre, seria “uma paixão inútil”, carente de todo sentido.

Melhor teria sido, diz São Paulo, não termos nascido.

ENQUANTO ESPERAMOS A VOSSA VINDA

De fato, até a vinda gloriosa de Cristo, no fim dos tempos, ainda que nesse ínterim, ao menos os seres humanos, que deixam seus restos mortais no cemitério, tenham Ressuscitado com Cristo, a Criação inteira aguarda o final glorioso. Até o próprio Espírito de Deus anseia por esse dia gritando dentro de nós: “vem, Senhor Jesus” (Ap.22). E Jesus responde a esse nosso desejo imperioso: “Sim, venho logo”. Apenas são esses “três dias” aos quais Jesus aludia anunciando sua Ressurreição que teria de passar pela sua morte.

Nossa vida pessoal, de fato, é breve, assim como os 14 bilhões de anos da Criação em relação à eternidade. Mas a brevidade do tempo que resta para Sua consumação gloriosa finda anualmente, de uma Páscoa à outra, nos diz São Paulo. Neste acontecimento em futuro contínuo radica tudo quanto precisamos saber, fazer e esperar. Aos que nos leem ainda desejamos:

FELIZ E GLORIOSA PÁSCOA EM CRISTO RESSUSCITADO!

Padre Jesus Priante Espanha.
Edição e intertítulos por Malcolm Forest. São Paulo.

Copyright 2022 Padre Jesus Priante. Direitos Reservados.

“Eis que eu venho e faço tudo novo” (Ap.21,5).

Cristo veio no ano 767 da fundação de Roma e inaugurou, 33 anos depois, o novo horário da Criação com sua Ressurreição. Até esse dia, o tempo morria em cada tarde no incerto retorno da vida. Embora nem todos os povos contem
seus anos pela era cristã, o dinheiro, o maior expert do mundo, move-se neste planeta pelas horas de Cristo. Ninguém compra dólares no ano 1443 da Hégira árabe, do Rosh Hashaná judaico ou neste ano do Tigre chinês. Algo de novo e extraordinário aconteceu no Domingo da Ressurreição para mudar universalmente os calendários. Antes de Cristo, caducavam os referenciais dos tempos, depois de Cristo, o tempo nos projeta a uma eterna novidade. A História não é mais memória do passado, mas memória do futuro. Na morte de Cristo morriam os anos que nos envelhecem, na sua Ressurreição nasce a eterna juventude nossa e a de toda a Criação.

Em termos darwinianos diríamos, a Ressurreição de Cristo é o maior e último ”mutante” da espécie humana que, nos faz, como diz São Paulo, “homens novos”, filhos de Deus, do qual também o próprio universo aguarda participar.

“Toda a Criação esperou que os filhos de Deus saíssem à luz, ela, porém, foi obrigada a trabalhar para o nada, sujeita à caducidade e à morte, esperando participar em Cristo da liberdade e da glória dos filhos de Deus.” (Rm.8)

A Ressurreição é o início da nova Criação que seguirá, segundo São Paulo, uma ordem temporal: primeiro Cristo, a seguir nós (no dia de nossa morte) e, finalmente , toda a Criação (no fim da História).

O devir dos tempos é impulsionado pela energia da Ressurreição de Cristo rumo à Sua Transformação Gloriosa. Esta é a singular grandeza da Ressurreição.

“O QUE SERIA RESSUSCITAR?” (Mc.9,10)

Foi esta a suspeita que Jesus suscitou nos Seus discípulos, após Sua Transfiguração, dizendo-lhes, que teria de Ressuscitar de entre os mortos. Eles perguntavam-se mutuamente “o que seria Ressuscitar?”

Até o século II a.C, a raiz do martírio dos irmãos Macabeus, o povo judeu acreditava que os mortos dormiam sem vida nos cemitérios. Apenas atribuía, excepcionalmente, vida “post mortem” a Enoque e a Elias, arrebatados ao Céu por Deus. Por isso consideravam ser uma grande bênção de Deus viver muitos anos na terra e esperavam: “Deus não me entregará à morte” (Sl.16). Depois do martírio dos Macabeus ordenado pelo rei Antíoco, nasce a suspeita da Ressurreição no povo judeu: “Seria Deus menos fiel do que os mártires que deram sua vida por Sua causa?”. Entretanto, a esperança de Ressuscitar ficava reservada só para os “justos”, cumpridores da lei, e era adiada para o fim do mundo. Dentro dessa mentalidade ou crença Cristo anunciou sua Ressurreição, portanto, com Ele atingia-se o fim dos tempos. De todos os povos, só o povo de Israel aceitou morrer existencialmente, embora com a suspeita de ”quem sabe?” se a exceção de Enoque e Elias algum dia não se tornaria regra. Por isso acreditavam em um reino de mortos (sheol = cemitério) onde dormiam, partilhando a subjacente crença de todos os
povos de uma vida após a morte, pois, racionalmente, nenhum ser humano consegue morrer de vez.

O desejo de imortalidade, patrimônio da humanidade, é expressado e “vivido” de várias maneiras:

Na forma de REENCARNAÇÃO sucessiva até atingir pelos próprios méritos a vida eterna. Está crença é vivida por boa parte das pessoas até nossos dias.

DESENCARNAÇÃO do corpo, recinto de sofrimento e da morte, para morar no reino das almas, como idealizou Platão.

TRANSMIGRAÇÃO DAS ALMAS, em constante retorno aos seus corpos preservados, como acreditava-se no antigo Egito, a mumificar seus mortos.

De todas estas crenças, também nós, cristãos, que acreditamos na Ressurreição, estamos contaminados. Dificilmente vemos nos cemitério apenas os “restos mortais” de nossos entes queridos, o que nos torna mais judeus e platônicos do que cristãos.

A doutrina do purgatório seria outra forma de Reencarnação ou adiamento de nossa Ressurreição.

A RESSURREIÇÃO É O PASSO DO PECADO E DA MORTE À VIDA ETERNA EM DEUS

Não é uma reanimação ou ressuscitação como aconteceu quando Jesus fez retornar à
vida a Lázaro. Também não é uma transubstanciação de nosso ser humano, como acontece com o pão e o vinho, convertidos na Eucaristia em corpo e sangue de Cristo. Seremos nós mesmos, com este mesmo corpo que temos, os que Ressuscitaremos,
transformados ou transfigurados em Cristo.

A antropologia bíblica concebe o ser humano como um todo, não um composto de corpo e de alma que na morte se separam, como herdamos da cultura grega. Nascemos, vivemos, morremos ou melhor, Ressuscitaremos, sem passar pela morte, com o mesmo eu.

O Último e o Primeiro

O último a morrer das gerações foi Cristo, assim como o primeiro a Ressuscitar. “Ele é o primogênito dos mortos e, com Ele, Ressuscitaram os que morreram antes dele e, nós, ”em um abrir e fechar de olhos” seremos glorificados, pois já morremos e Ressuscitamos no Batismo (Rm.6). A morte não é mais a tarde de nossa existência, como disse o poeta espanhol, O Arcipreste de Hita (séc. X) e sim “a dama d’alba”, da aurora eterna.

Não é fácil crer na Ressurreição de Cristo que, como afirma São Paulo em 1Cor, 15, recebe sua veracidade se de fato também nós Ressuscitamos. De outra maneira, Cristo teria sido um turista que veio nos fazer uma visita e retornou ao Céu, sua pátria.

Escola de Frankfurt e o Papa Bento XVI

Mais difícil ainda é acreditar que Ressuscitaremos livres de nossos pecados, mais necessário do que libertar-nos da morte. Se fossemos ao Reino dos Céus com o carma de nossos pecados, nem passando pelo doloroso purgatório, ficaríamos livres, pois a justiça, para compensar nossos delitos, seria impossível. De fato, ninguém pode devolver à sua mãe o filho que tenha sido morto por um assassino. Este raciocínio levou Teodoro Adorno, da Escola de Frankfurt, a negar a Ressurreição. O papa Bento XVI lhe contestou dizendo: precisamente porque a justiça não pode ser cumprida, pois os fatos, nossos pecados, são irreversíveis, é que precisamos Ressuscitar, transformados por Cristo em criaturas novas, sem pecado e morte. A justiça devolve ao réu seu direito e ao carrasco, o exime da sua culpa.

A RESSURREIÇÃO É O MILAGRE DOS MILAGRES

Certa vez em que algumas pessoas dos povos lhe pediam milagres, Jesus disse: “nenhum milagre lhes será dado a não ser o milagre de Jonas” (Mt.16,4), referindo-se à Sua Ressurreição. Ela não é um impulso vitalista utópico nem mero destino, senão intervenção pessoal de Deus que quebranta as leis da natureza, fadada à sua caducidade e à morte. Todo milagre, no seu sentido benéfico, resolve apenas algum problema que humanamente não podemos superar, e o faz de maneira provisória. Só a Ressurreição, irrepetível e definitiva, erradica todos nossos males: o pecado e a morte. Ela é o milagre dos milagres a dispensar qualquer outro.

De nada nos serve curar o câncer ou sair como Lázaro do cemitério se fatalmente iremos morrer.

O milagre da Ressurreição não seria pleno se não fosse universal. Em favor de toda a humanidade e da própria Criação à qual estamos existencialmente unidos.

No Man is an Island

Ninguém é uma ilha. Somos com os outros e com o mundo que habitamos. Ou nos Salvamos todos ou não se Salva ninguém, costuma dizer o Papa Francisco. Neste sentido, cabe pensar, dentro da nossa perspectiva temporal, na Ressurreição no fim do mundo.

A Simultaneidade do Passado, do Presente e do Futuro

Nossa Ressurreição, no dia em que deixaremos este mundo, seria incipiente, à espera dos que ainda nascerão e de toda a Criação, chamada a participar da glória dos filhos de Deus. Não assim acontece para Deus, no instante eterno, no qual é simultâneo passado, presente e futuro.

Cristo Ressuscitado é “alfa e omega”, “princípio e fim”, a Ele pertencem todos os tempos. Nele a Ressurreição universal já aconteceu. Nós apenas esperamos na estrada do tempo Sua manifestação gloriosa no fim de nossa vida pessoal e da história do mundo. Esta esperança é “substancial”, segura e certa porque já está presente. Se fosse fato futuro, caberia duvidar. Cristo Ressuscitou e, Nele todos Ressuscitamos ou fomos Salvos. Certas práticas, muito humanas e até necessárias psicológica e culturalmente, nos dificultam crer plenamente na Ressurreição. Entre outras, o culto aos defuntos. Sua presença “pessoal” nos cemitérios. O sufrágio pelas suas almas, que aparece depois do século X, particularmente com o papa Gregório VII, a quem se
lhe atribui ter tido uma visão na qual as almas lhe pediam orações. Daí a celebração das missas pelos defuntos. É verdade que o sufrágio pelos defuntos aparece no livro dos Macabeus, mas com um sentido de solidariedade com o sofrimento e morte dos soldados que também lutaram em favor do seu povo.

Alfândega das Almas

No século VIII d.C , existia na Igreja oriental uma crença, segundo a qual, antes das almas irem ao Céu, tinham de passar por uma espécie de alfândega, chamada “telonia”, na qual os demônios reivindicavam seu direito sobre elas. Nossas orações lhes ajudariam a se libertar deles. Outro preconceito que nos impede de ver a Ressurreição é o chamado Juízo particular que teremos diante de Deus logo que deixamos este mundo, do qual a Bíblia nunca faz menção e só aparece na tradição cristã no século VIII, fruto de representarmos a justiça de Deus à imagem de nossa justiça humana: de dar a cada um o que merece ou pertence. A Salvação seria mérito de cada um e não dom de Deus em Cristo. Quando confessamos : ”Deus é Juiz que virá julgar vivos e mortos” temos de entender que seu veredito já foi dado em Cristo
Ressuscitado, libertando-nos do pecado e da morte. Ele é o singular meteorito caído nas crenças de todos os povos e também na Bíblia do AT a nos trazer a graça da Salvação. Os textos do NT que ainda aludem à nossa possível condenação ou sobre a Ressurreição reservada apenas aos bons, como vemos em Jo.5,28; Ap. 20,13 e outros,
são reminiscências do judaísmo tardio. A “alegria do evangelho” e Salvação universal em Cristo Ressuscitado, não nos exime de sermos melhores e fazer nosso maior bem, pelo contrário, o pecado, mesmo que não condicione a Salvação de Deus, nos priva de viver neste mundo como possuidores da vida eterna e feliz.

“A Fé sem as obras é morta”

Quem vive só para este mundo ou regido pela meritocracia não pode crer na Ressurreição.

COMO RESSUSCITAM OS MORTOS? (1Cor,15,35)

Esta era a grande curiosidade dos cristãos de Corinto dentro de uma cultura helenista, contrária à corporeidade humana. São Paulo alude à mesma imagem usada por Cristo com uma semente. Esta, simultaneamente, renasce no processo da sua própria morte sem deixar de ser ela mesma. De fato, do grão de trigo que morre não nasce um abacaxi, mas uma espiga de trigo de mesma cepa.

Seremos nós mesmos, com o mesmo corpo que temos, transformados, os que Ressuscitaremos com vida “exuberante” (Jo.10,10) como nos revela a imagem da semente.

Um grão de trigo produz 50. Num processo contínuo, cresceria em proporção geométrica, 50X50X50. Em apenas algumas décadas, um só grão encheria todos os celeiros do mundo. Se, pela Ressurreição, passamos do tempo à eternidade, significa que nossa vida será infinita, do tamanho da vida de Deus. “O mesmo Espírito (Vida Divina) que
Ressuscitou Jesus dará vida aos vossos corpos” (Rm.8,11).

“SABEIS O QUE SE PASSOU EM JERUSALÉM: AQUELE QUE FIZERAM PERECER SUSPENDIDO DE UM MADEIRO, DEUS O RESSUSCITOU, E SE MANIFESTOU A MUITAS PESSOAS DO POVO E A NÓS QUE COMEMOS E BEBEMOS COM ELE APÓS SUA RESSURREIÇÃO” (At.10,34-43)

Estas palavras foram ditas pelo apóstolo Pedro em Cesaréia na casa de um centurião romano, temente a Deus, que buscava sua Salvação. Pedro lhe anuncia a Ressurreição de Cristo após ter sido crucificado, assegurando-lhe ser testemunha de ambos os fatos, dos quais depende o sentido da vida presente e a Salvação do mundo. Todo aquele que acredita em Cristo morto e Ressuscitado, experimenta sua Salvação. Ela não acontece através das obras da lei, nem como dom ou graça separada de Cristo, mas na sua pessoa, na qual estamos unidos ao próprio Deus. Mais uma vez, nos reportamos ao mistério da Encarnação, não restrita a Jesus de Nazaré como indivíduo, mas a toda a humanidade e, por extensão, a toda a Criação.

Sem uma dose de panteísmo, não podemos ser cristãos. K. Rahner prefere usar o termo de mística ou comunhão com Deus, que é a mesma idéia paulina do “Corpo de Cristo”, do qual somos seus membros. Sua morte e Ressurreição, como cabeça, pertence também a todos nós, inseridos no seu corpo. Não podemos chegar a esta conclusão sem antes termos por certo que Jesus de Nazaré, crucificado em Jerusalém, à vista do povo e, particularmente dos seus discípulos, Ressuscitou. Fato que só pode superar a utopia da metáfora e das ideologias se for constatado ocularmente.

Argumento que usa São João para fundamentar a Fé: “O que vimos e ouvimos, isso vos comunicamos” (1Jo,1). Por isso afirmamos que a nossa Fé é apostólica, que nos faz ver o fato da morte e Ressurreição de Cristo com os mesmos olhos dos apóstolos. Contra fato, não há argumento, é um princípio filosófico, por isso, o crer ou não crer depende do crédito que dermos ao testemunho dos apóstolos, do qual depende nossa Fé e a nossa esperança da Salvação.

A Miopia da Descrença

Infelizmente, como acontece com nossos próprios olhos, à medida que o tempo passa, ficamos
présbitas e também míopes. O fato da morte, tão perto de nós, não a vemos e, por parecer-nos distante, também deixamos de ver a Ressurreição.

O maior handicap que temos para crer é o sofrimento. Se
tivéssemos um satélite capaz de nos reportar às lágrimas e ao sofrimento do mundo, provocado pelas guerras, doenças, injustiças, tragédias e todo tipo de males, só nos caberia o desespero e a blasfêmia. Até o próprio Jesus na cruz viveu esse drama irracional dizendo: “Meu Deus, por que me abandonastes?” (em cumprimento do profetizado no Salmo 21)

O povo eufórico por Jesus por causa dos seus milagres, vendo-o crucificado, O abandona, inclusive Seus apóstolos, exceto João e as três mulheres. Nada mais lógico e natural. O que podemos esperar de um crucificado? A mesma pergunta nos fazemos quando experimentamos o sofrimento que fatalmente nos leva à morte. Daí a necessidade de ver de perto, com os olhos dos apóstolos, não só a morte como também a Ressurreição em Cristo. O sofrimento e a morte, diz o pensador alemão Horkheimer, são os rugidos do ser e o caminho ao novo que culmina em Cristo,
demasiado homem para ser só homem e que, após mais de dois mil anos, continua a nos interpelar, provocando, mais do que nunca, a nostalgia da Fé e a busca de sentido. Faça o que faça, o ser humano está ordenado a Deus, mas só chegamos a Ele em Cristo. “Ninguém vai ao Pai senão por mim” (Jo.14,6).

O mesmo argumento dos fatos na casa de Cornélio, Pedro usou no dia de Pentecostes diante de uma multidão em uma praça de Jerusalém: ”Homens da Judéia e todos os que estão de passagem em Jerusalém: Jesus de Nazaré, que vocês crucificaram, Deus O Ressuscitou, porque de nenhum modo podia ficar sob o domínio da morte” (He.2). Mais de três mil pessoas aderiram a essa grandiosa notícia , tornando-se discípulos de Cristo.

“PENSAI NAS COISAS DO ALTO, E NÃO DA TERRA, POIS MORRESTES COM CRISTO E COM ELE RESSUSCITASTES, E VOSSA VIDA COM CRISTO ESTÁ ESCONDIDA EM DEUS” (Cl.3,1-4)

No NT o movimento ou a vida do ser humano caminha para sua fatal derrota. A única possibilidade de triunfo vem de fora, do poder e do amor de Deus. Não é nossa existência que fundamenta a História senão a morte e Ressurreição de Jesus Cristo, em cujo acontecimento pascal inserimos nossos pecados, dores e morte, assim como deles esperamos ser livres pela Ressurreição.

Dois Capítulos

A História tem dois capítulos: a morte com Cristo e, com Ele, nossa Ressurreição. Ler ou escrever apenas um destes capítulos, torna-nos alienados, fora da realidade existencial. Há em nós, como São Paulo diz em outro momento, um homem terreal ou “velho” fadado à morte, e um homem celeste ou ”novo”, destinado à vida. Este mistério antropológico se nos revelou em Jesus de Nazaré através da Sua morte e da Sua Ressurreição.

São Paulo dá por feito que a morte, com todo seu séquito, pecados, dores e sofrimentos, atingiu seu cume em Cristo crucificado, assim como sua vitória final na Sua Ressurreição. Razão pela qual, deste vale de lágrimas, podemos viver e compartilhar a alegria da vida eterna e feliz em Deus. Vida Divina que está ”escondida” sob as sombras de nossos males até Ela se revelar gloriosamente ao deixarmos a presente condição terrena.

Não poderia ser de outra maneira dentro do mundo no qual nascemos e vivemos, mordido pelo nada.

Poderia Deus ter criado outro mundo? É uma pergunta que não podemos fazer a Deus, conforme nos revela o livro de Jó. Não sabemos se o mundo dos anjos, também criado por Deus, teve ou tem um processo semelhante ao nosso. A única coisa certa que sabemos é que nós e o mundo temos de ser de outra maneira. Tal novidade, eterna e gloriosa, acontece em Cristo Ressuscitado. Em 2Cor, 4,7, lemos que “levamos este tesouro em vasos de barro”, aludindo à nossa precariedade, a ser escancarado no dia da nossa morte.

Jesus comparou seu Reino (mundo e vida nova) a um tesouro ”escondido”, e que é descoberto pela Fé. O Tesouro precisa ser “escondido” ou enterrado de novo até “vendermos” tudo quanto temos para “comprar o campo” (nossa realidade existencial vivida em liberdade) e, assim, sermos donos do Tesouro que nós dá a vida eterna.

O Despojamento

Sem o despojamento, livre e natural, do que somos e temos neste mundo, não podemos existencialmente entrar no Céu, nem ver a Deus, como Ele disse a Moisés (Ex.33).

O Tesouro

Vale à pena guardar este Tesouro da Vida Eterna enquanto estamos na vida terrena? Não são poucos os que assim se questionam. Voltaire contra Pascal que “apostava” por esta sorte, dizia que não. Mas nem Voltaire nem Pascal entenderam a realidade deste valioso arcano, pois a Vida Eterna vive-se dentro desta mesma vida que terá sua plenitude na Ressurreição.

Viver Plenamente na Feliz Esperança

O povo americano costuma expressar a Vida Eterna não como outra vida, mas “life after life”, vida depois da vida. Nenhuma outra pessoa pode desfrutar mais e melhor da vida presente do que o verdadeiro cristão, pois a vive com dimensão eterna e em
comunhão com Deus. Quando a vida, que só é uma, é contemplada com dom de Deus a caminho da sua plenitude na Ressurreição de Cristo, só pode ser boa e bela, imortal, feliz e eterna, embora se faça esperar como o germinar e frutificar da semente no inverno do sofrimento.

“NO PRIMEIRO DIA DA SEMANA (DOMINGO) MARIA MADALENA FOI AO SEPULCRO, DE MADRUGADA, E O ENCONTROU VAZIO… CORRENDO, O COMUNICOU A PEDRO E JOÃO. ESTES FORAM ÀS PRESSAS, E APENAS ENCONTRAM OS PANOS E O SUDÁRIO QUE ENVOLVERAM SEU CORPO. VIRAM E CRERAM” (Jo.20,1-9)

O sepulcro vazio é o último acontecimento histórico de Jesus de Nazaré, e também prova “científica” da sua Ressurreição, fato trans-histórico, Uma pessoa Ressuscitada, carente das dimensões dos corpos físicos, do seu volume, peso e forma, não pode ser vista ou tocada, assim como não mais encontra-se nas coordenadas do tempo e do espaço dos fatos históricos. Isso explica que já na mesma tarde em que morria na cruz, prometeu o Paraíso a um dos que morriam ao seu lado. O domingo da Ressurreição se fazia presente na sua própria morte, e na morte de cada um até o fim dos tempos. (Vide Mateus 27:52, 53)

Dez Relatos

A Ressurreição de Cristo é fato concreto e universal presente em todo tempo e lugar, passado e futuro. Nos evangelhos constam dez relatos das chamadas “aparições de Cristo Ressuscitado”. Através delas ”se fez reconhecer” vivo depois da sua morte. Mas, o que seus discípulos perceberam com seus sentidos não era propriamente Cristo Ressuscitado senão uma manifestação dele, da mesma maneira como acontece quando alguém experimenta uma “aparição” da Virgem, anjos ou santos. Não são eles do jeito que são e vivem no Céu, mas sua “aparência” ou sinal sensível deles para que sejam percebidos pelos nossos sentidos. Não porque os que já
vivem com Deus eternamente estejam longe de nós ou sejam puro espírito, mas porque os que fomos Criados por Deus corporalmente, e Ele mesmo quis ser assim em Cristo, Ressuscitaremos com o mesmo corpo, não mais constituído por matéria, senão “transformado” e glorificado na sua dimensão eterna e infinita, impossível de ser percebida ou representada neste mundo.

Encontramos no relato das aparições de Cristo Ressuscitado detalhes humanamente inexplicáveis: como foi possível que, Ressuscitando em Jerusalém, no domingo, onde se encontravam seus discípulos, nesse mesmo dia o viram, cem quilômetros distantes, na Galiléia? Da mesma forma, é inexplicável que, em apenas após escassos três dias de estarem juntos, seus discípulos não o reconheceram, precisando se identificar como sendo Ele mesmo, na “figura” de jardineiro ou viandante, entrando com as portas fechadas, comendo com eles e até se deixando tocar nas suas chagas por Tomé e, finalmente, ”subindo ao Céu”. Algo impensável se sua condição de Ressuscitado pertencesse fisicamente a este mundo que habitamos. No entanto, era e será sempre Ele mesmo, como nós também o seremos no Reino dos Céus.

O Sepulcro Vazio

A única prova realmente “histórica”, espaço-temporal, da Ressurreição de Cristo é o SEU RESTANDO SEPULCRO VAZIO. Este fato, constatado por Maria Madalena, Pedro e João e, possivelmente, outras pessoas, provocou a Fé na sua Ressurreição. De fato, se Cristo, enterrado, pois sua morte é historicamente certa, onde estaria seu corpo? Por outra parte, sem seus restos mortais, como todo ser humano, Jesus deixaria de ser verdadeiramente, portanto, nosso Salvador. O relato evangélico diz que apenas viram no jazigo os panos e o sudário que cobriram seu cadáver. Mais um problema e também uma prova da sua Ressurreição contra os que, já naqueles dias, afirmavam que
seu corpo teria sido roubado. Quem levaria um cadáver nu? Contra os que, ainda hoje, afirmam que a Ressurreição de Cristo é mito ou alucinação coletiva dos apóstolos ou, como afirma São Paulo, de mais de 500 irmãos, que “ainda vivem” (1Cor.15) a própria História desmente. É mais difícil negar que Cristo Ressuscitou do que afirmá-lo.

Algo extraordinário aconteceu ao ponto de lançar aqueles rudes homens da Galiléia, incapazes de construir qualquer ideologia ou inventar uma lenda a se lançarem ao mundo para pregar a Salvação vinda de um crucificado. Missão que levava consigo o sofrimento e o próprio martírio.

Nas ideologias ou mitos sempre há um interesse pessoal de quem os inventa ou defende. No anúncio do Reino de Deus que nos vem de Cristo é preciso renunciar a todo interesse pessoal em favor dos outros. “Enquanto nós morremos, o mundo recebe a vida·” (2Cor. 4,7). A conversão de São Paulo que, pessoalmente, não conheceu Jesus, fanático da lei e do judaísmo, resulta inexplicável sem sua experiência “ocular” de Cristo Ressuscitado quando Paulo seguia pelo caminho de Damasco, com a missão de extinguir a crença na Ressurreição, que ameaçava a sobrevivência cultural e espiritual do povo Judeu.

O Relato de S. Paulo

Três anos depois deste acontecimento, no ano 38, São Paulo deixou escrito o relato mais antigo do NT, precisamente sobre a Ressurreição de Cristo, fundamento da nossa Fé, do qual será seu maior arauto: “Irmãos, lhes lembro o Evangelho pelo qual somos Salvos: Que Cristo morreu e foi sepultado, e que Ressuscitou. Que apareceu a Pedro e depois aos doze e a mais de 500 irmãos e também a mim, último dos apóstolos, que nem sequer mereço ser chamado assim porque persegui a Igreja de Deus” (1Cor. 15).

A Cristandade e a Merkaba

Inexplicável historicamente é também o desenvolvimento do próprio cristianismo num ambiente hostil, primeiro dos próprios judeus e a seguir no mundo greco-romano. A conversão massiva dos povos bárbaros a partir do século VI a formarem a Cristandade, assim foram chamados os povos da Europa, é mais uma prova do fato histórico da Ressurreição. Ninguém seguiria um crucificado, morto e sepultado. E se no presente, a Europa pretende negar suas raízes cristãs, outras vinhas brotam e crescem em outros povos com a mesma ou maior vitalidade, pois Cristo Ressuscitado, não pode morrer mais. Ele é a “merkaba” (carro de fogo) do nosso planeta e do universo.

POR QUE O SEPULCRO DE JESUS FICOU VAZIO, SEM SEUS RESTOS MORTAIS?

Fato culturalmente necessário para seus discípulos, judeus, crer na Ressurreição, esperada pelo seu povo no fim dos tempos, quando os mortos se levantariam dos sepulcros onde “dormiam” esperando ”vagamente” e não para glória de todos na Ressurreição.

Como temos dito, o homem revelado na Bíblia não é um composto de corpo e alma, mas um todo. No sepulcro, para o povo judaico, ainda hoje, está a própria pessoa e não só o corpo, na forma de “restos mortais”.

Outra razão, mais teológica, seria a própria Encarnação de Deus na pessoa histórica de Jesus de Nazaré. Seu corpo físico, pela Ressurreição, transformado gloriosamente, é a “pedra angular”, sobre a qual descansa toda a Criação. Seu corpo nem poderia ficar no sepulcro, nem ser diluído na matéria do universo, como será o nosso e de todas as Criaturas até o fim do mundo, quando também a matéria de nossos corpos e de todas as Criaturas serão glorificadas no Corpo Glorioso de Cristo, para ser tudo em Deus.

A Assunção de Maria

A única exceção nesse devir da Ressurreição total seria a Virgem Maria, “arrebatada” ou assunta ao Céu. Também seus restos mortais não estão na terra, antecipando com Cristo a glorificação de toda a Criação. Nem os restos de Cristo, da Virgem, nem nossos, serão propriamente nossos, senão da matéria Criada, que também espera sua glorificação (Rm.8) numa Nova Terra e em Novos Céus no qual, nós, anjos e o próprio Deus, habitaremos para
sempre.

A Ressurreição de Cristo é a culminância e “o universal concreto” da Criação.
O acontecimento da Páscoa, morte e Ressurreição de Cristo, fundamento da nossa Fé e da razão da própria Criação, o expressamos no sublime mantra do cristianismo: ANUNCIAMOS SENHOR A VOSSA MORTE, E PROCLAMAMOS A VOSSA RESSURREIÇÃO, ENQUANTO ESPERAMOS A VOSSA VINDA.

Teríamos de repetir constantemente estas palavras para “entender” nossa existência e do mundo que habitamos.
ANUNCIAMOS, tornamos presente o sofrimento e a morte de N. S. Jesus Cristo nos nossos sofrimentos e em nossas mortes. A Salvação passa necessariamente por esse Vale de Lágrimas. “A vida é dor” (Buda); “angústia“(Sartre). Cristo revelou essa necessidade após sua Ressurreição aos discípulos de Emaús (Lc.,24) e prognosticou o fim do mundo, que se cumpre em nossa vida pessoal, precedido por “dias de grande angústia e dor” (Mt.24).

O Parto

A Ressurreição é um parto doloroso e, ao mesmo tempo, glorioso da História. Neste parto, a criança ou o mundo Criado e a mãe (Deus) torcem positivamente pelo novo nascimento. “O sofrimento da vida presente, não tem comparação com a Glória à qual Deus nos destinou” (Rm.8).

O sofrimento e a morte deste mundo, nas suas mais diversas formas, não são castigo, nem prova, nem em si mesmas, vontade de Deus, senão seu sábio plano Criador e Salvador que enlouquece nossa razão e escandaliza nossas crenças.

Cristo estará em nós crucificado até o fim dos tempos. Pela ferida das suas chagas entramos todos no seu Reino.

PROCLAMAMOS euforicamente a Ressurreição de Cristo, que também é nossa, Vibrando com a gloriosa vitória da nossa Salvação no meio da luta. Sem esta certeza, a vida, como afirma Sartre, seria “uma paixão inútil”, carente de todo sentido.

Melhor teria sido, diz São Paulo, não termos nascido.

ENQUANTO ESPERAMOS A VOSSA VINDA

De fato, até a vinda gloriosa de Cristo, no fim dos tempos, ainda que nesse ínterim, ao menos os seres humanos, que deixam seus restos mortais no cemitério, tenham Ressuscitado com Cristo, a Criação inteira aguarda o final glorioso. Até o próprio Espírito de Deus anseia por esse dia gritando dentro de nós: “vem, Senhor Jesus” (Ap.22). E Jesus responde a esse nosso desejo imperioso: “Sim, venho logo”. Apenas são esses “três dias” aos quais Jesus aludia anunciando sua Ressurreição que teria de passar pela sua morte.

Nossa vida pessoal, de fato, é breve, assim como os 14 bilhões de anos da Criação em relação à eternidade. Mas a brevidade do tempo que resta para Sua consumação gloriosa finda anualmente, de uma Páscoa à outra, nos diz São Paulo. Neste acontecimento em futuro contínuo radica tudo quanto precisamos saber, fazer e esperar. Aos que nos leem ainda desejamos:

FELIZ E GLORIOSA PÁSCOA EM CRISTO RESSUSCITADO!

Padre Jesus Priante Espanha.
Edição e intertítulos por Malcolm Forest. São Paulo.

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