A fé aparente

    Que as aparências enganam não é preciso dizer. Mas que são construídas com sabedoria, sim. Comparo-as a uma obra de arte, uma embalagem de um produto, um rótulo. Quanto mais atraente, melhor. Não vejo nisso maledicência alguma, pois que esta é sua função, ou seja: chamar a atenção para a preciosidade ou qualidade do conteúdo que ostenta.
    Aqui é que são elas! Será o conteúdo equivalente à beleza do rótulo, da embalagem? Pão dos anjos ou fermento dos fariseus? A fé aparente é uma embalagem sem conteúdo, mercadoria dos tolos. Essa é a que mais se expõe nas prateleiras de uma campanha política ou comércio da simpatia popular, por exemplo. Bela por fora, bolorenta na sua triste realidade. Contra ela não existe lei de proteção aos consumidores, senão aquela que vem do alto. Mas até lá, pobre de quem compra gato por lebre.
    Deixemos, por enquanto, esse parecer negativo, para realçar a beleza da embalagem genuína da fé. É como um tesouro impossível de se esconder, um produto de valor inquestionável. Ora, certo homem um dia encontrou esse precioso tesouro, na forma de imensa rocha de ouro. (Se bem que ouro seja metal, mas vamos lá!). Diante dela, começou a tecer planos, dando adeus à vida de privações de até então. Começou a imaginar um futuro. Teria, enfim, seus sonhos realizados, a escola para os filhos, a mesa farta, o respeito dos vizinhos, o carro na garagem, tudo, tudo. Passou horas a imaginar a felicidade que aquele tesouro lhe proporcionaria. Já se sentia rico.
    Aos poucos, foi caindo na realidade. Como transportar aquela descoberta, sem que ninguém a visse? Era muito pesada para um transporte solitário. Ademais, se saísse dali para buscar ajuda outro viajante poderia se apossar de seu tesouro. Se pedisse ajuda, teria que dividi-lo com seus auxiliares. Frente ao dilema, ficou por ali – dias seguidos – em vigília constante. Como usufruir daquela descoberta? Não tinha consigo sequer uma ferramenta que o pudesse ajudar.
    Convenceu-se, afinal, de que sozinho nunca levaria para casa a enorme rocha de ouro puro. Uma ideia surgiu então: cobrir com barro sua preciosa descoberta. E assim fez, criando uma embalagem bem imprópria à beleza do tesouro descoberto. Perfeito! Assim, bem disfarçado, ninguém o descobriria, enquanto buscasse meios de transportá-lo e apossar-se em definitivo daquela riqueza.
    Tão perfeitamente, porém, camuflou sua descoberta que, ao voltar dias depois, não mais a distinguiu dentre as pedras que povoavam aquele sítio. Tudo se resumiu a um sonho, transformado agora num pesadelo. Por não partilhar sua preciosa descoberta, voltou à miséria de sempre, sem eira nem beira. A avareza e o egoísmo prevaleceram como inseparáveis embalagens de um sonho belo, mas jamais saboreado, realizado.
    Essa é a fé aparente. Uma experiência passageira, desconcertante, ilusória, que não leva a nada. A fé verdadeira é um tesouro visível a todos. Não se esconde tamanha preciosidade na vida. Muito menos com o barro da nossa insignificância. O brilho da fé vai além das aparências que forjamos em nossas vidas, das máscaras que vestimos, do barro que nos cobre. A fé é translúcida, contagiante, irremediavelmente solidária com todos que nos cercam, fazem parte dessa descoberta. Um produto sem embalagem artificial, mas brilhante em sua própria luminosidade. A embalagem da fé autêntica é transparente como o olhar do cristão sobre o mundo, as pessoas. Um olhar de compromisso, de solidariedade e amor. “O olho é a luz do corpo. Se teu olho é são, todo teu corpo será iluminado” (Mt 6,22). Se tua fé é genuína, teu olhar há de denunciar o tesouro que possuís dentro de ti. Não tem como escondê-lo.

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