“Viu, sentiu compaixão e cuidou dele” (Lc 10,33-34) | parte III

    O lema da Campanha da Fraternidade é fundamentado na parábola do “Bom Samaritano”. Ela é uma resposta de Jesus a uma pergunta teórica: “E quem é o meu próximo?” A conclusão da parábola leva a uma resposta e a uma experiência existencial de comporta-se como próximo.  O ponto de partida do fazer-se próximo começa com o olhar. O samaritano viu, sentiu compaixão e cuidou. Os outros personagens da parábola que passaram pelo mesmo caminho também viram, mas não desenvolveram a compaixão e por isso também não se envolveram.

    As reflexões do filósofo Jean-Paul Sartre (1905+1980) sobre o olhar, presentes na obra “O ser e o nada”, ajudam a compreender a profundidade da parábola. Na análise da existência humana ele reflete sobre o olhar. Com as coisas o ser humano tem uma relação, mas com os outros sujeitos a relação é diferente.

    Sartre parte da constatação que o outro, o próximo é uma presença. Não é preciso ter outro argumento para ter certeza da existência do outro. O ponto de partida é a simples presença. Quando se percebe a presença de alguém, num primeiro momento ele se apresenta como um objeto em meio a outros objetos, mas logo se percebe que este alguém se relaciona com o que existe ao seu redor. Enquanto estiver na condição de objeto o outro não causa nenhuma crise.

    O pensador continua argumentando que a descoberta mais dramática vem quando o outro levanta os olhos e me olha. De um momento para outro me sinto observado e transformado de sujeito em objeto. O olhar do outro não é neutro, mas causa uma reação imediata. Assim como havia olhado o outro e o tinha visto como objeto entre outros, assim o olhar do outro também me torna objeto. Independentemente de qualquer julgamento, uma coisa é certa: só deste modo que se determina a descoberta do outro como sujeito, senão pela relação eu e outro.

    Quando o outro entra subitamente no mundo da minha consciência, a minha experiência se modifica: não tem mais o seu centro em mim e eu me vejo como elemento de um projeto que não é meu e não me pertence. Eu não estou só. O olhar do outro provoca uma reação que pode ser de vergonha, desprezo, socorro. É o encontro de dois sujeitos.

    Na parábola do samaritano percebemos diferentes tipos de olhares. Jesus inicia a parábola contanto que um homem descia de Jerusalém a Jericó. Ele é visto pelos assaltantes. O que veem nele? Um objeto que tem objetos, por isso o roubam, inclusive o que vestia, e ainda o espancam. Não o tratam como sujeito, mas como objeto a ser explorado e jogado fora.

    Passam também o sacerdote e o levita que veem o homem assaltado; a situação dele é descrita como se estivesse “quase morto”. Viram e tomaram como medida preventiva para não serem vistos, passando “pelo outro lado”. Nesta perspectiva, mantêm o homem “quase morto” como um objeto jogado à margem da estrada. Não permitiram que se estabelecesse uma relação de sujeitos ou de aproximação.

    O outro viajante é um samaritano que viu e, certamente, deixou-se ver. O “quase morto” entrou na vida dele e ele percebeu que não estava só. Agora o caído o conhecia e começou a fazer parte da vida dele, não podia mais ignorar a presença dele. Não estava diante de um objeto, mas de um sujeito que lhe fazia um apelo de socorro. Diz Sartre: “Com o olhar do outro (…) não sou mais senhor da situação”. A partir daí, desencadeia-se a compaixão e o cuidado.

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