UM DESEJO DIVINO

                Mais uma Semana de Oração pela Unidade dos cristãos terminou em brancas nuvens. Audaciosa essa minha afirmativa, mas é isso o que vejo diante da gritante falta de empenho de muitos cristãos quando o assunto é a unidade. Muitos até torcem o nariz, numa atitude de indiferença ou rejeição ao assunto. No fundo, no fundo, o que permeia esse desinteresse é a petulância e a arrogância de muitos, por acreditarem que só na sua Igreja reside a verdadeira Salvação.

                Ah, cristãos de fachada! Ainda não perceberam o quanto de mal fazem à humanidade, por se acharem donos da Verdade. Impedem a construção do Reino apenas e tão somente pela falta de um testemunho fundamental na vida cristã: a unidade. Enquanto persistir essa nódoa vergonhosa entre as comunidades cristãs, enquanto muitas dessas igrejas tentarem difundir a Boa Nova de Cristo à maneira dos pagãos, que se perdiam na idolatria de centenas e centenas de deuses construídos e inventados à mercê de suas necessidades ou fobias, o mundo continuará nos olhando com descrença e ironia. O amor “ágape” estará distante da maior exclamação que a história do cristianismo já ouviu da boca de povos estranhos à nossa fé: “Vede como eles se amam”!

                Para centrar essa reflexão numa passagem bíblica, o Papa nos propôs uma passagem do livro de Miquéias, que enumera “o que o Senhor quer de nós” (6,8). São apenas três atitudes: praticar a justiça, amar a bondade e andar com humildade diante do nosso Deus. Bento XVI, falando em audiência aos irmãos luteranos da Igreja da Finlândia, assim interpretou esse texto: “Andar humildemente na presença do Senhor, em obediência à sua palavra de salvação e com a confiança no seu plano de graça, é uma mostra eloquente não só da vida de fé, mas também do nosso caminho ecumênico rumo à unidade plena e visível de todos os cristãos”.

                Soldados divididos são alvos fáceis do inimigo. O que vemos acontecer dentre os cristãos, nos dias de hoje, é uma vergonhosa disputa entre irmãos pela herança paterna. A continuar nessa marcha, engoliremos uns aos outros. Nada justifica essa guerra surda entre nós, conquanto o mundo clama por um referencial de harmonia duradoura, de justiça e bondade, de amor e paz, que ultrapasse a triste realidade do homem sem Deus. O mundo busca alternativas, mas nenhum testemunho de fé poderá convencer mais que a unidade daqueles que dizem acreditar nesta ou naquela doutrina. O que fizemos da nossa unidade? Eis o maior pecado daqueles que se dizem cristãos…

                Não à toa, São Jerônimo um dia também se viu atormentado com essa questão: “O que o Senhor quer de nós?” Em sonho, viu Jesus à sua frente e, de pronto, se preocupou em servir-lhe. “Dou-lhe tudo o que tenho, até meu coração”. Ao que Cristo retorquiu: “Seu coração apenas não é suficiente”. Inquieto, Jerônimo lhe ofereceu também sua alma. Mais uma vez, Jesus rejeitou. “Por que levaria o que já me pertence?” Mas a obstinação do santo em alegrar seu mestre era tamanha que lhe ofereceu então a própria vida. E Jesus também a rejeitou, pois esta já era uma dádiva divina e nem mesmo Ele poderia aceita-la. Afinal, a vida que Deus nos deu é nossa, somente nossa, e sobre ela prestaremos conta. Decepcionado, o santo arriscou então uma última e reveladora pergunta: “Afinal, Senhor, o que queres de mim?” Sorrindo, aquele Cristo dos sonhos lhe respondeu: “De ti e de teus irmãos quero uma só coisa, os pecados que cometem”.

                O que o Senhor quer de nós? Os pecados que sua Igreja ainda comete, tal qual a falta de unidade em suas práticas.

    20 anos de Palavras de Esperança. Publicado em 30 de janeiro de 2013.

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