Saciar a fome e a sede

    Na minha Carta Pastoral “Com Misericórdia olhou para ele e o Escolheu”, de 13 de dezembro de 2015, no elenco das celebrações que se sucederam no ano Jubilar da Misericórdia, propus como obra de misericórdia para o mês de dezembro passado “Saciar a fome e a sede”.  Embora essa orientação aconteça a cada mês, as obras de misericórdia devem ser exercidas sempre. Para este caso, o Evangelho de São Mateus, no capítulo 25, 31-46, nos apresenta a seguinte cena: o ator principal é o “Filho do Homem”, aquele ser humano que recebe de Deus plenos poderes sobre o mundo, conforme a visão de Dn 7,13-14. É o próprio Jesus. Ele vem com a glória de Deus e reúne diante de si todos os povos. Como um rei – tendo a última palavra em seu reino – ele vai julgar “todos os povos”. Ora, qual vai ser o critério para julgar esses povos? Certamente não a Lei de Moisés, pois a maioria desses povos não conhece a Lei de Moisés (do Judaísmo).
    Assim como um pastor que ao anoitecer separa os cordeiros dos bodes, para que passem a noite em ambientes diferentes, o rei-juiz separa os bons dos maus. Os bons, Ele o faz entrar na sua alegria, porque lhe deram comida, bebida, hospedagem, roupa, assistência na prisão. E eles perguntaram: “Senhor, não sabemos nada disso”, então Ele responde: “O que fizestes ao menor desses meus irmãos (os famintos, sedentos etc.), foi a mim que o fizestes”. E os maus, Ele os condena porque não fizeram essas boas ações. Tampouco estes têm consciência de quando foi que não trataram bem o rei. E Ele responde: “O que deixastes de fazer a um desses menores irmãos meus, a mim o recusastes”.
    Discute-se se Jesus quer dizer, com os “menores irmãos meus”, os seus discípulos, que não são insignificantes no mundo, ou as pessoas de pouca importância em geral. Parece que é das pessoas sem importância em geral que se trata, pois os que praticaram as boas ações fizeram-no sem saber que estavam fazendo algo importante. “Faze o bem e não olha para quem”.
    É a caridade gratuita, sem consideração da pessoa, que se encontra critério pelo qual Jesus julga “todos os povos”. Na perspectiva dos israelitas, o julgamento se pauta pela observância da Lei de Moisés. Mas Jesus veio anunciar o Reino para além dos limites do Judaísmo. Para além da Lei de Moisés. Então, a Lei não é mais o critério do julgamento. Para os povos em geral, as pessoas da humanidade universal, o critério para saber se eles cabem ou não ao lado de Deus é este: a caridade exercida gratuitamente, sem olhar para quem. Não somos julgados por aquilo que tivermos feito expressamente para agradar a Deus. O que mais agrada a Deus é o amor efetivo que demonstramos para com seus filhos, especialmente os mais insignificantes, os mais pequenos.
    Assim, as últimas palavras do último discurso de Jesus em Mateus estão em harmonia com as primeiras palavras do primeiro discurso, as Bem-Aventuranças. Nestas, Jesus felicita os que são pobres até no seu espírito e nos seus desejos; os que não se valem da violência; os que não fogem da dor; os que têm fome e sede, não só de alimento e bebida, mas também, e, sobretudo, da justiça em relação a Deus; os que praticam a misericórdia, os que têm o coração puro, os que promovem a paz, os que sofrem perseguição por causa de Jesus e sua palavra. Como se vê, aqueles que “passam” na prova do último juízo cabem muito bem ao lado daqueles que são acolhidos na comunidade da salvação pelas Bem-Aventuranças.
    A caridade é também um feixe de detalhes muito pequenos da vida cotidiana, se a queremos viver de um modo delicado e heróico. O dever da fraternidade para com todas as almas é exercitar o apostolado das coisas pequenas, sem que o notem: com ânsias de serviço, de modo que o caminho se lhes mostre amável. Será, por vezes, mostrarmo-nos verdadeiramente interessados naquilo que nos constam; ou deixarmos de lado as preocupações pessoais para pôr toda a atenção nos que estão naquele momento conosco; ou não nos irritarmos por coisas sem importância; ou ajudar a aliviar o peso que oprime os outros, e fazê-lo sem que o percebam; ou evitar o menor número de críticas; ou sermos sempre agradecidos, coisas que estão ao alcance de todos. E o mesmo acontece com as demais virtudes, uma por uma.
    Portanto, se estivermos atentos ao que é pequeno, viveremos em plenitude cada um dos nossos dias, saberemos dar a cada um dos instantes da nossa existência o sentido de uma preparação para a eternidade. Peçamos a Virgem Maria para que saibamos sempre e a cada dia sermos homens e mulheres que vivam a caridade, o amor e que saibamos dar um pouco de nós para aqueles que precisam.

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