A Igreja, acolhendo uma tradição monástica que vem do século XI, dedica o dia 2 de novembro à memória dos fiéis defuntos. Depois de ter celebrado a glória e a felicidade dos Santos, no dia 1 de novembro, a Igreja dedica o dia 2 à oração de sufrágio pelos “irmãos que adormeceram na esperança da ressurreição”. Assim fica perfeita a comunhão de todos os crentes em Cristo.
Hoje há vários formulários de missas que o sacerdote poderá escolher para cada uma das três missas que lhe é de direito celebrar no dia de hoje em sufrágio das almas dos fiéis defuntos.
O cristão, enquanto peregrina neste mundo, pratica o amor solidário e misericordioso, porque espera e crê na vida sem fim do Reino Eterno de Deus. Está sempre, no entanto, preparado para que, quando seu Senhor, o seu Pastor, aparecer, este lhe conduza para a vida Feliz e sem fim: os prados verdejantes no Reino do Pai.
Na Primeira leitura – Jó 19, 1.23-27a – Os amigos de Jó tentam consolá-lo, recorrendo a uma sabedoria superficial, expressa em frases feitas e lugares comuns. É o que tantas vezes acontece quando pretendemos confortar alguém que sofre. As palavras de Jó são muito diferentes. No meio do sofrimento, vendo-se às portas da morte e trespassado pela solidão, compreende que Deus é o seu redentor, aquele parente próximo que, segundo os costumes hebreus, deve comprometer-se a resgatar, à sua própria custa, ou a vingar, o seu familiar em caso de escravidão, de pobreza, de assassínio. Jó sente Deus como o seu último e definitivo defensor, como alguém que está vivo e se compromete em favor do homem que morre, porque entre Deus e o homem há uma espécie de parentesco, um vínculo indissolúvel. Jó afirma-o com vigor: os seus olhos contemplarão a Deus com a familiaridade de quem não é estranho à sua vida.
Na Segunda leitura – Romanos 5, 5-11 – o homem pode ter esperança diante da morte. Como intuiu Jó, Deus é, de verdade, o nosso Redentor, porque nos ama. Empenhou-se em resgatar-nos da escravidão do pecado e da morte com o preço do sangue do seu Filho (vv. 6-9) e de modo absolutamente gratuito. De fato, nós éramos pecadores, ímpios, inimigos; mas o Senhor reconheceu-nos como “seus”, e morreu por nós arrancando-nos à morte eterna. Acolhemos esta graça por meio do batismo, participando no mistério pascal de Cristo. A sua morte reconciliou-nos com o Pai, e a sua ressurreição permite-nos viver como salvos. Quebrando os laços do pecado, e deixando-nos guiar pelo Espírito derramado em nossos corações, atualizamos cada dia a graça do nosso novo nascimento.
No Evangelho – João 6, 37-40 – o centro desta perícope é a vontade de Deus, para a qual está totalmente voltada a missão de Jesus (v. 38). Essa vontade é um desígnio de vida e de salvação oferecido a todos os homens, pela mediação de Cristo, para que nenhum se perda (v. 39). O desígnio de Deus manifesta, pois, a sua ilimitada gratuidade e, ao mesmo tempo, a sua caridade atenta e cuidadosa por cada um de nós. Para acolhê-la, é preciso o livre consentimento da fé: que acredita no Filho tem, desde já, a vida eterna, porque adere Àquele que é a ressurreição e a vida, o único que pode levar-nos para além do intransponível limite da morte.
O silêncio é a melhor atitude perante a morte. Introduzindo-nos no diálogo da eternidade e revelando-nos a linguagem do amor, põe-nos em comunhão profunda com esse mistério imperscrutável. Há um laço muito forte entre os que deixaram de viver no espaço e no tempo e aqueles que ainda vivem neles. É verdade que o desaparecimento físico dos nossos entes queridos nos causa grande sofrimento, devido à intransponível distância que se estabelece entre eles e nós. Mas, pela fé e pela oração, podemos experimentar uma íntima comunhão com eles. Quando parece que nos deixam, é o momento em que se instalam mais solidamente na nossa vida, permanecem presentes, fazem parte da nossa interioridade. Encontramo-los na pátria que já levamos no coração, lá onde habita a Santíssima Trindade.
Devemos estar muito ligados espiritualmente na oração pelos nossos mortos: os meus pais, amigos, sacerdotes, bispos, lideranças e leigos que passaram pela minha vida como padre, bispo em Toledo e Arcebispo em Maringá Muitos benfeitores já partiu para junto do Bom Deus, entre eles, homens que muito trabalharam e rezaram… Saúdo-os todas as manhãs e todas as noites, com os meus padroeiros celestes.
É muito importante neste dia em que rezamos pelos nossos irmãos falecidos, que nós, que ainda peregrinamos neste vale de lágrimas, tenhamos em mente e no coração que Cristo ressuscitou em primeiro lugar para que depois “os que pertencem a Cristo, por ocasião de sua vinda” alcancem a eternidade feliz.
Devemos com fé repetir o que professamos no Credo: Eu creio na vida eterna e na comunhão dos santos. Por isso meu estilo de vida deve ser coerente com a fé, a esperança e a caridade de um dia entrar no céu para gozar da bem-aventurança eterna!
Que as almas dos fiéis defuntos, pela misericórdia de Deus, descansem em paz! Amém!
+ Anuar Battisti
Arcebispo Emérito de Maringá, PR