Renovação e Missão

    Nestes tempos de tantas mudanças e transformações, resultado da mudança de época que estamos vivendo, quando muitas vezes nos perguntamos para que rumo estamos nos dirigindo, gostaria de compartilhar algumas reflexões durante este tempo quaresmal, que deveriam iluminar a nossa vida eclesial. “A Igreja peregrina, por sua natureza essencialmente missionária, recebeu o mandato solene de anunciar a verdade salvífica até os confins da terra”.
    Nestes tempos de grande agitação sociológica, e sintonizados com a preocupação da Igreja do Brasil que estuda o documento (que será aprovado na próxima Assembleia dos Bispos) que procura compreender a Paróquia enquanto comunidade de comunidades e à luz do Documento de Aparecida, venho reforçar a necessidade de fortalecermos a dimensão missionária de “ir ao encontro do Outro”. Um caminho proposto é seguir as orientações dadas pelo Papa Francisco na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium.
    O que nos ensina a Igreja? Somos convidados a fortalecer as instâncias de diálogo e missão paroquial através das pastorais, movimentos, associações, comunidades para que possamos incrementar a nossa presença nesta grande cidade. Por isso, devemos ter uma visão forte da presença da família que evangeliza, que ajuda os pastores e as lideranças a tornar o Cristo mais conhecido, amado e seguido. É presença dos cristãos leigos no mundo em todos os âmbitos. Nesse sentido, a Dimensão Familiar, com todos os seus movimentos e pastorais, nestes tempos de dificuldades e questionamentos com relação a esse tema, deveria estar presente no centro da atenção de todos nós. Aqui, a convocação do Sínodo dos Bispos sobre a família nos aponta bem claro nessa direção. Por isso, as coordenações de pastoral paroquial, os coordenadores de Comunidades fortaleçam em suas reuniões e encontros a dinâmica missionária dos agentes. Lembrar que a missão é mandato de Jesus: Ide e evangelizai! “Sair dos próprios confins, anunciar o Evangelho e edificar a Igreja”.
    O Papa Francisco não cansa de repetir, e exaltou a cultura do encontro e a importância do diálogo como meio de conhecimento recíproco. O Papa João Paulo II escreveu que “lugares privilegiados deveriam ser as grandes cidades, onde surgem novos costumes e modelos de vida” (RM). Além disso, os meios de comunicação devem multiplicar a possibilidade de anunciar o Evangelho e integrar a mensagem nesta “nova cultura”, criada pela comunicação moderna.
    Nas grandes realidades metropolitanas, como a nossa cidade do Rio de Janeiro, é preciso, ainda, que a Igreja esteja presente em todos os cantos e seja dinâmica; uma Igreja a serviço do Reino para anunciá-lo, além de testemunhar e difundir os valores evangélicos; rezar para que venha o Reino de Deus, manifestando a convicção fundamental de que o Reino é um dom, que requer desejo, expectativa e invocação.
    O Papa Francisco ensina que devemos viver uma Igreja “em saída”. Por isso, é fundamental que as Igrejas estejam com portas abertas durante o dia! E aberta a todos. A Igreja é a casa paterna, onde há lugar para todos com sua vida fadigosa. O primeiro anúncio é sempre o kerigma, a boa notícia que alegra o coração da pessoa por que a acolhe com suas feridas e dificuldades, apresentando-lhe Cristo Jesus.
    Saiamos para oferecer a todos a vida de Jesus Cristo! Se alguma coisa nos deve santamente inquietar e preocupar a nossa consciência é que haja tantos irmãos nossos que vivem sem a força, a luz e a consolação da amizade com Jesus Cristo, sem uma comunidade de fé que os acolha, sem um horizonte de sentido e de vida. Mais do que o temor de falhar, espero que nos mova o medo de nos encerrarmos nas estruturas que nos dão uma falsa proteção, nas normas que nos transformam em juízes implacáveis, nos hábitos em que nos sentimos tranquilos, enquanto lá fora há uma multidão faminta, e Jesus repete-nos sem cessar: “Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mc 6,37)
    Por isso, devemos pousar um olhar de fé sobre a realidade que não pode deixar de reconhecer o que semeia o Espírito Santo. Uma cultura popular evangelizada contém valores de fé e solidariedade que podem provocar o desenvolvimento de uma sociedade mais justa e crente, e possui uma sabedoria peculiar que devemos saber reconhecer com olhar agradecido. E nós sabemos como o nosso povo sabe ser fraterno, acolhedor e solidário!
    O Papa Francisco denunciou os desafios do tempo atual: mundanismo espiritual. O mundanismo espiritual, que se esconde por detrás de aparências de religiosidade e até mesmo de amor à Igreja, é buscar, em vez da glória do Senhor, a glória humana e o bem-estar pessoal.  São aqueles que querem apenas aparecer, propalar o que fazem ou o que construíram materialmente. Como se isso bastasse. É aquilo que o Senhor censurava aos fariseus: “Como vos é possível acreditar, se andais à procura da glória uns dos outros, e não procurais a glória que vem do Deus único?” (Jo 5, 44). É uma maneira sutil de procurar “os próprios interesses, não os interesses de Jesus Cristo” (Fl 2, 21). Reveste-se de muitas formas, de acordo com o tipo de pessoas e situações em que penetra.
    O apelo do Papa é provocante e exige conversão pessoal: “Aos cristãos de todas as comunidades do mundo, quero pedir-lhes de modo especial um testemunho de comunhão fraterna que se torne fascinante e resplandecente. Que todos possam admirar como vos preocupais uns pelos outros, como mutuamente vos encorajais, animais e ajudais: ‘Por isto é que todos conhecerão que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros’ (Jo 13, 35). Foi o que Jesus, com uma intensa oração, pediu ao Pai: ‘Que todos sejam um só (…) em nós [para que] o mundo creia’ (Jo17, 21). Cuidado com a tentação da inveja! Estamos no mesmo barco e vamos para o mesmo porto! Peçamos a graça de nos alegrarmos com os frutos alheios, que são de todos… Rezar pela pessoa com quem estamos irritados é um belo passo rumo ao amor, e é um ato de evangelização. Façamo-lo hoje mesmo. Não deixemos que nos roubem o ideal do amor fraterno!”
    A salvação de Deus é para todos: ser Igreja significa ser povo de Deus, de acordo com o grande projeto de amor do Pai. Isto implica ser o fermento de Deus no meio da humanidade; quer dizer anunciar e levar a salvação de Deus a este nosso mundo, que muitas vezes se sente perdido, necessitado de ter respostas que encorajem, deem esperança e novo vigor para o caminho. A Igreja deve ser o lugar da misericórdia gratuita, onde todos possam sentir-se acolhidos, amados, perdoados e animados a viverem segundo a vida boa do Evangelho.
    Por isso, somos convocados a ser Evangelizadores com Espírito. Uma evangelização com espírito é uma evangelização com o Espírito Santo, já que Ele é a alma da Igreja evangelizadora. Antes de propor algumas motivações e sugestões espirituais, invoco uma vez mais o Espírito Santo; peço-Lhe que venha renovar, sacudir, impelir a Igreja numa decidida saída para fora de si mesma, a fim de evangelizar todos os povos.
    A primeira motivação para evangelizar é o amor que recebemos de Jesus, aquela experiência de sermos salvos por Ele, que nos impele a amá-Lo cada vez mais. Precisamos implorá-lo cada dia, pedir a sua graça para que abra o nosso coração frio e sacuda a nossa vida tíbia e superficial. Colocados diante d’Ele com o coração aberto, deixando que Ele nos olhe, reconhecemos aquele olhar de amor que descobriu Natanael no dia em que Jesus Se fez presente e lhe disse: “Eu vi-te, quando estavas debaixo da figueira!” (Jo 1, 48).
    Toda a vida de Jesus, a sua forma de tratar os pobres, os seus gestos, a sua coerência, a sua generosidade simples e quotidiana e, finalmente, a sua total dedicação tudo é precioso e fala à nossa vida pessoal. Todas as vezes que alguém volta a descobri-Lo, convence-se de que é isso mesmo o que os outros precisam, embora não o saibam: “Aquele que venerais sem O conhecer, é Esse que eu vos anuncio” (At 17, 23).
    O entusiasmo na evangelização funda-se nesta convicção. Temos à disposição um tesouro de vida e de amor que não pode enganar, a mensagem que não pode manipular nem desiludir. É uma resposta que desce ao mais fundo do ser humano e pode sustentá-lo e elevá-lo. É a verdade que não passa de moda, por que é capaz de penetrar onde nada mais pode chegar. A nossa tristeza infinita só se cura com um amor infinito. Esta convicção, porém, é sustentada com a experiência pessoal, constantemente renovada, de saborear a sua amizade e a sua mensagem. Não se pode perseverar numa evangelização cheia de ardor se não se está convencido, por experiência própria, que não é a mesma coisa ter conhecido Jesus ou não conhecê-Lo, não é a mesma coisa caminhar com Ele ou caminhar tateando, não é a mesma coisa poder escutá-Lo ou ignorar a sua Palavra, não é a mesma coisa poder contemplá-Lo, adorá-Lo, descansar n’Ele ou não o poder fazer. Não é a mesma coisa procurar construir o mundo com o seu Evangelho em vez de fazê-lo unicamente com a própria razão. Sabemos bem que a vida com Jesus se torna muito mais plena e, com Ele, é mais fácil encontrar o sentido para cada coisa. É por isso que evangelizamos. O verdadeiro missionário, que não deixa jamais de ser discípulo, sabe que Jesus caminha com ele, fala com ele, respira com ele, trabalha com ele. Sente Jesus vivo com ele no meio da tarefa missionária. Se uma pessoa não O descobre presente no coração mesmo da entrega missionária, depressa perde o entusiasmo e deixa de estar segura do que transmite, faltam-lhe força e paixão. E uma pessoa que não está convencida, entusiasmada, segura, enamorada não convence ninguém.
    A Conferência de Aparecida é lúcida ao afirmar: “A renovação missionária das Paróquias impõe-se na evangelização tanto das grandes cidades como do mundo rural de nosso continente; isto nos está exigindo imaginação e criatividade para chegar às multidões que anseiam o Evangelho de Jesus Cristo. Particularmente, no mundo urbano, estuda-se a criação de novas estruturas pastorais, posto que muitas delas nasceram em outras épocas para responder às necessidades do ambiente rural” (DAp 173).
    Por isso mesmo, cabe a nós, na realidade complexa do Rio de Janeiro, deixar como herança aos nossos familiares o tesouro da fé católica, a vivência das verdades de nossa fé, empenhando-nos numa autêntica renovação pastoral e num verdadeiro sair de si e ir ao encontro do outro, na cultura do diálogo e do encontro.
    Mãos à obra, que o olheiro é Cristo, que caminhará conosco neste bom propósito!