Desafios quaresmais

    A cidade do Rio de Janeiro é cosmopolita. Não é uma simples cidade, é uma porção do mundo com todas as suas características, com todas as suas potencialidades, com todos os seus desafios, com todos os seus problemas, consciente da sua responsabilidade na construção de relacionamentos verdadeiramente humanos que revelem ao mundo quem é o nosso Deus e qual o seu projeto. Por isso, todo relacionamento que desumaniza deve nos deixar indignados.
    Somos a cidade brasileira mais conhecida no mundo, e também uma das mais visitada pelos mais diversos tipos de pessoas e para os mais diversos interesses, desde os mais sublimes até os mais escusos. Temos que ter consciência disso se quisermos fazer com que a nossa cidade seja um grande centro de difusão de novos relacionamentos, mediados pelos valores do Evangelho.
    Toda essa realidade nos mostra a importância de trabalharmos a Campanha da Fraternidade deste ano: Fraternidade e o tráfico de pessoas. Este é o segundo tipo de crime organizado mais lucrativo do mundo, perdendo apenas para o tráfico de drogas. Grande número de mulheres é traficado, principalmente para fora do país, para a exploração sexual nas suas mais diferentes e degradantes formas. Muitos homens são traficados, principalmente para o trabalho escravo, de modo especial nas fazendas do interior de alguns Estados ou em centros de produção, em especial confecções, em nossas capitais. As pessoas são traficadas enganadas, pensando em resolver suas necessidades financeiras e iludidas por valores econômicos, e acabam escravizadas com seus documentos apreendidos pelos seus “donos”.
    Esta situação aviltante é mundial e exige de nossa Arquidiocese não apenas uma postura clara, mas ações eficazes, principalmente no que diz respeito à sua prevenção e à solidariedade com as suas vítimas. O nosso Plano de Pastoral, entre os números 129 e 131, é claro quando afirma que precisamos vencer as mais diversas formas da cultura de morte presente no nosso meio. Isso significa que esta Campanha da Fraternidade nos ajuda a viver melhor o nosso planejamento pastoral. Trata-se também de reconhecermos que em todos os casos de tráfico de pessoas encontramos a vida ameaçada.
    Tempo de Quaresma é tempo de conversão, é tempo de descobrirmos novos valores que possibilitem a nossa melhor configuração a Jesus Cristo, realizando de forma mais plena a graça que recebemos no Sacramento do Batismo. Todos os valores que fundamentam essa nossa conversão são, na verdade, expressões no novo mandamento que Jesus nos deixou: Amai-vos uns aos outros como eu vos amei (Jo 15, 12). A verdadeira conversão consiste na efetivação do amor em sua dupla dimensão: a Deus e ao próximo. Devemos, pois, efetivar o nosso amor no universo do tráfico de pessoas.
    Efetivar o amor significa, em primeiro lugar, realizar um trabalho preventivo para que as pessoas não se tornem vítimas do tráfico. Ou seja, expandir os trabalhos das nossas pastorais sociais, principalmente no que diz respeito às pessoas fragilizadas como, por exemplo, as que estão desempregadas, que são vítimas potenciais do tráfico de pessoas. Também devemos lutar para a superação da miséria e da fome, que fragilizam as pessoas.
    A conversão não é abstrata, espiritual. Ela é concreta, existencial, envolve a vida das pessoas na sua totalidade e em todos os seus aspectos e dimensões. Não podemos limitar a nossa conversão à dimensão espiritual ou limitá-la às quatro paredes da Igreja. É por isso que o nosso Plano de Pastoral Arquidiocesano apresenta propostas concretas para que o amor seja vivido, a vida defendida, respeitada e valorizada e a sociedade seja transformada.
    Que nesta Quaresma, a Campanha da Fraternidade seja assumida pela nossa Arquidiocese para que tenhamos um chamado concreto para a conversão e, assim, possamos produzir frutos que permaneçam para a vida eterna. E o fruto que o Pai quer é a vida e a felicidade dos seus filhos e filhas. Vamos nos deixar converter para que sejamos para o mundo verdadeiras testemunhas de Jesus e do Reino!