Sal da terra, luz do mundo

    É de se notar que Jesus se dirigiu aos seus discípulos não dando uma ordem “sede sal da terra […] sede luz do mundo”, mas afirmando “Vós sois o sal da terra […] Vós sois a luz do mundo” (Mt 5, 13 e ss). Tais palavras devem ter desconcertado pobres pescadores e demais ouvintes que O cercavam. Entretanto, a veracidade de tais assertivas, com toda a densidade da realidade que continham, vem da relação com Ele que era a verdadeira Luz do mundo. São João registrou estas palavras do Mestre divino: “Aquele que me segue não caminhará nas trevas e terá a luz que conduz à vida” (cap. 8). Adite-se que no prólogo do Evangelho joanino se lê: “Nele (o Verbo Encarnado) estava a vida. A vida era a luz dos homens. A luz brilha nas trevas e as trevas não a receberam” (Jo 1,1). Não se trata da vida terrena, que conduz à morte, mas da vida mesma de Deus, da vida eterna. A vida é luz, isto é, plenitude de luminosidade em contraste com as trevas do mundo. Mundo este submetido à vaidade e privado de sentido quando deixa de refletir a presença de Deus. Tal a missão do discípulo de Cristo ser luz nas trevas desta terra, porque está sempre unido àquele que é o fulgor eterno. Através das boas obras do cristão o mundo fica iluminado, envolto em clarões celestiais. Então o Pai que está nos céus é glorificado. Entretanto, Jesus acrescentou que seu epígono é sal da terra. O contrate entre as duas imagens é muitíssimo significativa. Com efeito, quando se acende uma lâmpada, ela não é colocada debaixo de um móvel, mas num candeeiro, posto no alto. O sal, ao contrário, é escondido na terra ou misturado nos alimentos. Isto leva a refletir sobre a complexidade do testemunho dos discípulos de Cristo no mundo. De fato, Jesus também recomendou: “Guardai-vos de praticar vossa justiça aos olhos dos homens […] Que tua esmola fique secreta” (Mt 6,1 e ss). Portanto, o batizado dever ser luz brilhante e sal que se oculta através da humildade pela qual age discretamente, mas eficientemente no contexto social. Luz e sal duas realidades que fazem a originalidade do cristão. Que responsabilidade a daquele que se diz seguidor de Cristo! Dele depende o reconhecimento da grandeza do Evangelho. Se o cristão é luz e sal da terra e emprega todas as estratégias possíveis oferecidas pelas diversas pastorais então, sim, a obra redentora se difunde por toda parte. Trata-se de se afirmar a identidade não somente cristã, mas católica, ostentando claramente a grandeza de uma Igreja que oferece os sete sacramentos; que leva à participação do Sacrifício da Cruz através da Missa, que cultua a Mãe de Jesus, os anjos e santos; que possui um magistério guiado pelo Papa, sucessor de Pedro. Eis  valores que devem ser vividos e disseminados. Para isto não precisam os católicos  confundir a missão da Igreja com um proselitismo imoderado e condenável. Muito se falou no testemunho de vida e é, exatamente, isto que é preciso seja novamente inculcado. Além disto, é necessário se tenha em conta de que neste mundo há germens de vida e de luz que são reflexos da luz de Cristo. Há por toda parte sede de justiça, de liberdade, de democracia, de paz. Cabe ao cristão liderar os movimentos humanitários na luta contra a fome, as desigualdades sociais, a pugna contra a droga, a prostituição, o aborto, a destruição da natureza. Então, um outro fator, que torna o batizado luz do mundo e sal da terra, é a vivência plena das oito bem-aventuranças, mesmo porque há uma maneira singular de chorar com os que choram; de consolar os que estão desesperançados; de perdoar em todas as circunstâncias; de ser um construtor da harmonia, da comiseração, afastando a violência; de não se procurar o próprio interesse, mas de se estar atento às dificuldades dos mais necessitados. Dá-se desta forma a realização concreta das metáforas luz do mundo e sal da terra. Deste modo, o cristão transcende sempre uma ética meramente humana, porque sua moral se acha impregnada do senso do divino. É que para o verdadeiro discípulo de Cristo a fé não atrofia nunca. O cristão compreende que ser luz do mundo e sal da terra é estar sempre junto de Jesus, sabendo encontrá-lo numa prece silenciosa,  na meditação da palavra de Deus. A chama se torna um clarão, o sal retem toda sua força salvífica. É assim que se faz a experiência da Igreja, Corpo Místico de Cristo, contagiando a todos com a força das virtudes, levando-os à pratica do bem, à fuga do mal. Ficam, assim, afastadas a indiferença, a acomodação, a indolência, pois se multiplicam as ações benéficas daqueles que são luz do mundo e sal da terra.

    * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.