Frei Patrício Sciadini, OCD, explica as cinco mensagens que nunca podemos esquecer, sem correr o risco de nos tornar “robôs” espirituais
A musica cessou. A festa terminou. A vida continua, mais rica ou mais pobre, depois de ter celebrado em tantas maneiras os 500 anos do nascimento de Santa Teresa d Ávila? Muitas foram as mensagens bonitas tiradas dos seus escritos, muitos livros foram publicados sobre sua doutrina, sua personalidade humana, espiritual e mística. Os seus ensinamentos foram transmitidos com todos os meios de comunicação. Sem dúvida Teresa no céu deve estar feliz em ver tantas celebrações nos 5 continentes e em todas as línguas. Mas acredito que isto não constitui a felicidade dos santos no céu, que vivem em “eterna contemplação do face a face de Deus e intercedem por nós”. A missão dos santos, como costumava dizer a mais nobre filha de Teresa, Teresa do Menino Jesus, começa no céu onde ela, a pequena Teresa não queria ficar de braços cruzados, mas importunar Deus em favor de todos os missionários do mundo.
Teresa d Ávila deixa cada vez mais a sua marca indelével nas almas que buscam, não um Deus distante, mas sim um Deus próximo, um Deus não “legalista”, mas um Deus misericordioso. Dizem os estudiosos que a palavra misericórdia e termos afins recorrem nos escritos teresianos mais de 600 vezes. Aliás, ficou famosa a frase que ela escreveu como “prefácio” à sua autobiografia, “cantarei as misericórdias do Senhor”. Em um e em outro lugar ela diz com verdade acertada: “me cansarei antes eu de ofender a Deus, que ele de me perdoar”. E ainda: “Deus doura os nossos pecados para que os outros, não os vejam e assim possamos fazer um pouco de bem”. Esta mulher, que soube dar uma volta por cima na mentalidade do seu tempo, que queria relegar as mulheres “à cozinha, fiando e tecendo, dando filhos, cuidando da casa, ou sendo freiras às vezes sem vocação, enchendo conventos e esvaziando o coração de amor e de afeto”.
Teresa não se dá por vencida. Ela toma consciência lentamente de sua missão humana, religiosa, seja no Carmelo da Encarnação antes, e depois como fundadora do Carmelo de São José, e na mesma Igreja. Não se forma nos bancos de universidade e nem de escola, não leem muitíssimos livros, mas os que leem são escolhidos a dedo, e faz que os autores se tornem seus mestres, como ´r o caso de Santo Agostinho que, com suas confissões, influenciam a sua visão de Deus. Sejam os livros de Pedro de Alcântara ou de Francisco de Osuna, e mais tarde o magistério oral de João da Cruz e do Padre Graciano. Teresa está atenta especialmente ao seu divino Mestre interior, Jesus, que um dia para consolá-la quando os teólogos e doutores, apavorados diante do povo que quer conhecer a bíblia, encontra uma solução: proibir a leitura da bíblia em espanhol, especialmente as mulheres. Nesta crise e revolta de Teresa, Jesus lhe diz: “tranqüila, eles – os teólogos, biblistas e todos os intelectuais – não me poderão amarra as mãos. Dar-te-ei um livro vivo, que sou eu mesmo!”
Creio que no fim deste centenário, Teresa nos repete simplesmente cinco mensagens que nunca podemos esquecer, sem correr o risco de nos tornar “robôs” espirituais e esvaziar a nossa humanidade:
O ser humano não pode ser nunca descartável. Deve ser amado. Deus o criou à sua imagem e semelhança e tem feito dele a sua morada preferida, o seu “castelo interior”, onde ele mora não como escravo, mas como rei e príncipe. Esta consciência do ser humano templo e amigo de Deus, é fundamental sempre, mas especialmente neste mundo onde nós descartamos e vemos o outro como inimigo que deve ser eliminado e não amado. As intuições teresianas, às vezes mal interpretadas pelos psicanalistas e os psicólogos, que veem o ser humano como “cobaia” para ser estudado, tem uma força única na antropologia e na mística. Devemos ler e reler o livro “Castelo interior”, como autêntica auto-biografia de Teresa, e por ela deixar-nos tomar pela mão e conduzir-nos de morada em morada, até à morada central, onde habita o Rei, Jesus, “sua Majestade”.
Sem dialogar com Deus não há felicidade. Tem-se escrito muito sobre a oração teresiana como uma belíssima história de amizade entre nós e Deus. Teresa vê a oração não como um repetir “orações que não têm fim”, mas como um íntimo diálogo silencioso, um estar face a face com aquele que sabemos que nos ama. Esteja claro que Teresa não é contra a oração vocal. Aliás a aprecia desde que ela tenha três pequenas qualidades: saber com quem se fala, o que se diz e como se diz. “O simples movimentar dos lábios isto não chamo de oração”, nos adverte a orante Teresa. Sem ofender ninguém e com a esperança de não ser mal interpretado, eu diria que hoje se reza demais e se reza mal. Há uma indigestão de orações que em lugar de dar-nos liberdade no amor, nos escravizam. Teresa não busca na oração a sua satisfação pessoal, mas sim a glória de Deus e, por amor a Deus, é capaz de rezar sem nada sentir, e passar tranquilamente 19 anos de aridez interior, mas sendo fiel ao seu tempo de oração. Hoje redescobrir a oração é um caminho que deve ser percorrido na simplicidade e compreendendo que “a oração não consiste em muito pensar, mas sim em muito amar.”
A santidade não consiste nas penitências, mas nas virtudes. Teresa não é amiga das muitas penitências e mortificações. Ela sabe por experiência que estas coisas não ajudam a ter uma autêntica experiência de Deus. Ela quer ver as virtudes, especialmente quatro virtudes que eram raras nos tempos de Teresa e são raras hoje: o amor a Deus, o amor fraterno, o desapego das coisas e a humildade. Sobre estas quatro colunas Teresa vai construindo toda a sua doutrina e a sua vida espiritual. O novo Carmelo que ela gera junto a João da Cruz não é feito das penitências e de negação de si mesmo, mas sim de uma nova descoberta do amor, vivido na simplicidade da vida. Admira-se pelas penitências de Pedro de Alcântara, que nem dormia e nem comia, e cuja aparência era como de raízes de árvores. Teresa não apresentava este santo e amigo como modelo nem para as monjas e nem para os frades. Teresa queria ver em cada monja e frade, e toda pessoa, bem unidas “Marta e Maria”, a vida ativa de disponibilidade e vida de oração e contemplação. Os livros de Teresa, depois de 500 anos, são livros de espiritualidade equilibrada, serena e tranqüila, e, como ela dizia, “sem bobeiras”.
Uma Igreja em caminho. Um dos nomes mais belos que a história tem dado a Teresa é a “andarilha”, a caminhante, a peregrina. Hoje nós ficamos espantados quando tentamos de ver como esta monja de clausura caminhou sem parar para difundir o evangelho, fazer fundações de Carmelos, anunciar com sua vida, a sua doutrina e experiência de Deus. Ela tem usado todos os meios à sua disposição no tempo. Tem mudado a Igreja com seu silêncio, com sua vida, sendo fermento de uma vida nova de oração, de humanidade, de amor. Teresa é uma revolucionária que sabe encontrar o caminho certo, as palavras certas, para mostrar que não se pode colocar “vinho novo em odres velhos, senão corremos o risco de perder tudo”. Amar a Igreja e caminhar ao ritmo da Igreja. Avançar o passo quando a Igreja é lenta e frear o passo para esperar que a Igreja chegue. Uma harmonia que as vezes nos falta hoje.
As lições de Teresa são sempre válidas porque são evangélicas, humanas e espirituais. É uma mestra que não passa de moda porque não diz coisa contingente do momento, mas verdades que são sempre verdades: Deus, homem, oração, Igreja, verdade… Serão sempre atuais. O que posso dizer depois da celebração dos 500 anos de nascimento de Teresa? Leiamos os seus escritos e seremos mais humanos e mais divinos!
Fonte: Zenit