Padre Francisco, sacerdote e amigo, descanse em paz!

    No jornal A Tribuna, de Amparo, em 12/01/07, p. A2, publiquei um artigo tentando fazer uma pequena homenagem ao Padre Francisco de Paiva Garcia, o nosso querido Padre Chico, por ocasião do seu Jubileu de Ouro Sacerdotal celebrado, com grande solenidade, em 22 de dezembro de 2006. É daquele artigo que me valho, com adaptações, nesta data do seu passamento para a eternidade.
    O Padre Chico foi o sacerdote que me batizou, ouviu a minha primeira confissão, deu-me a primeira comunhão e só não me crismou porque, em 1994, já não era mais o Vigário Episcopal da antiga Região Leste da Arquidiocese de Campinas. Merecia um “descanso” após socorrer o Santuário do Bom Jesus, em Monte Alegre do Sul, e ter assumido, em tempos difíceis, a Matriz de Nossa Senhora do Amparo por ocasião da doença do venerando Monsenhor João Batista Lisboa, entre tantas outras atividades exercidas com “probidade, prudência e experiência no trato das questões”, conforme prescreve o Código de Direito Canônico (cânon 478 § 1) aos Vigários Episcopais.
    Posso dizer que sinto santo orgulho por ter me formado participando das Missas do Padre Chico, cujas reflexões eram fantásticas. Construídas com a imorredoura lógica aristotélica, elas se tornavam uma exposição organizada e profunda dos textos bíblicos propostos para aquele dia e com os quais o nosso antigo pároco demonstrava ter uma intimidade profunda, enriquecida pelo vasto conhecimento que possuía dos clássicos ensinamentos da Igreja, sempre atualizados em boas fontes.
    Confesso que sendo eu um apaixonado pela boa leitura, vez ou outra, encontro algumas fontes das quais o Padre Chico tirava as suas idéias. Por exemplo, um dia ele comentou que “os cientistas nada criam de novo, mas apenas descobrem, pois Deus já criou tudo, só resta, portanto, descobrir”. Ora, isso é de Santo Agostinho de Hipona († 430), o mais famoso entre os filósofos e teólogos da chamada era Patrística no Ocidente. Ensinava o Santo, burilando pensamentos de filósofos anteriores, que “juntamente com a matéria, Deus criou virtualmente todas as potencialidades de sua concretização, infundindo nela, precisamente, as razões seminais de cada coisa. E a evolução do mundo ao longo do tempo outra coisa não é do que a concretização e a realização de tais razões seminais [já criadas] (Reale; Antisseri. História da Filosofia. 7. ed. vol. 1, São Paulo: Paulus, 2002, p. 452).
    Não foi uma rara dádiva celeste ter um padre com esse dom intelectual na nossa paróquia? Todavia, não pense o (a) leitor (a), que, eventualmente, não tenha conhecido o antigo pároco da São Sebastião, em um sacerdote voltado apenas para as grandes proposições dos filósofos e teólogos, pois se há outra coisa que o nosso Padre Francisco dominava bem era a oratória, capaz de fazê-lo estabelecer um proveitoso contato com os seus ouvintes.
    Daí, conjugar pensamentos como o acima exposto com uma sentença interessante dessas que não se esquece mais, feita aquela pronunciada em uma Sexta-feira Santa, há alguns anos, ao referir-se à conversão de Dimas, o bom ladrão: “São Dimas foi tão bom ladrão, mas tão bom ladrão que, na última hora, roubou um pedacinho do céu para ele”.
    Entretanto, o padre Chico não era só o homem das bonitas homilias, mas também da ação. Basta olhar as construções que ele fez para se ter uma noção do senso administrativo desse nosso “bom mineiro”, como diria o Sr. Haroldo Cunha. Não se pode esquecer, é claro, da parte social, pois era lema do pároco: “Na paróquia de São Sebastião, só morre de fome quem tiver vergonha de abrir a boca”.
    Sua perseverança era estupenda, assemelhava-se ao que Dom Estevão Bettencourt, OSB, chamaria de “santa teimosia”, pois, mesmo quando alguém se erguia quase solitário para criticá-lo ou contra ele mover uma campanha rasteira, ele não se abatia. Respondia com altaneria às críticas e seguia olhando firme para aquilo que acreditava.
    Formado nos moldes pré-conciliares, ou seja, antes do renovador Concílio Vaticano II (1962-1965), o Padre Francisco, no seu profundo senso de Igreja, soube adaptar-se às boas inovações que vieram, sem perder o que de útil antes aprendera, mantendo, assim, “o equilíbrio indispensável entre o novo e o antigo”, conforme a expressão do Padre Paschoal Rangel, SDN, no jornal O Lutador (11-20/12/06, p. 03), publicado em Belo Horizonte, mas também lido pelo Padre Chico. Pudera! É, na opinião de católicos e protestantes, o melhor jornal católico (hoje revista) do Brasil.
    Enfim, teria muito mais a escrever sobre esse homem de Deus que viveu e atuou em nossa cidade e diocese. Ele que, nos tempos de criança, eu via como o “distante” sacerdote de Cristo. No entanto, passados alguns anos, e tendo contado mais de uma vez com a sua mão estendida para auxiliar-me, continuei vendo o mesmo sacerdote, porém próximo e amigo.
    Deus lhe dê, Padre Francisco (ou Padre Chico, como é comum tratá-lo), o merecido descanso eterno, após ter combatido o bom combate e guardado a fé (cf. 2Tm 4,7-8) – fala do Apóstolo Paulo que o senhor muito apreciava e parece ter citado em sua carta de renúncia entregue a Dom Pedro Carlos Cipollini, pedindo-lhe, ainda, que, em seu lugar, colocasse o Pe. Carlos Panassolo, o que, prontamente, lhe foi concedido. Um fecho com chave de ouro.
    Também pedimos – os paroquianos em geral e eu – que o mesmo Pai celestial conceda forças a toda a sua família, em especial à sua irmã Nelly, a quem, certamente, muito estimamos.

    Vanderlei de Lima é eremita na Diocese de Amparo.

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