Os Papas e o sonho de Martin Luther King

Protestos contra o racismo com a foto de Martin Luther King, Los Angeles, 2 de junho de 2020

De Paulo VI ao Papa Francisco, o “sonho” de plenos direitos para a comunidade afro-americana nos Estados Unidos encontrou o apoio apaixonado dos Pontífices que indicam Martin Luther King como um exemplo a seguir na batalha não violenta pela igualdade

Alessandro Gisotti

A trágica morte de George Floyd mostrou dramaticamente que o sonho de Martin Luther King ainda está longe de se tornar realidade. No entanto, o histórico discurso “I have a dream”, proferido pelo líder do movimento de direitos civis em 28 de agosto de 57 anos atrás, continua a ressoar, ainda nestes dias, nos apelos de todos os que exigem justiça e dignidade para a comunidade afro-americana e com ela para todas as minorias de todos os tempos.

Esse “sonho”, enraizado no Evangelho e na força libertadora do amor de Deus, encontrou nos Papas que se sucederam grandes aliados, a começar por São Paulo VI que recebeu Luther King no Vaticano em 18 de setembro de 1964 e o encorajou a continuar sua luta pacífica contra a discriminação racial. Quatro anos depois, Paulo VI recebeu com consternação a notícia da morte do pastor batista, Martin Luther King, em 4 de abril de 1968 em Memphis, Tennessee.

No domingo de Ramos, de três dias depois, o Papa Paulo VI recordou comovido a figura do Prêmio Nobel da Paz com palavras de extraordinária atualidade. O Papa rezava para que este crime possa “assumir o valor de sacrifício”. “Que não se aprofunde o ódio, nem a vingança, nem um novo abismo entre cidadãos da mesma grande e nobre terra – adverte – mas que se imponha um novo propósito comum de perdão, de paz, de reconciliação na igualdade de direitos livres e justos às injustas discriminações e lutas presentes”. Nossa dor se torna maior e mais temerosa por causa das reações violentas e desordenadas que o triste fato provocou. Ao mesmo tempo a nossa esperança cresce quando vemos que de toda parte responsável e do coração do povo saudável cresce o desejo e o compromisso de tirar da morte iníqua de Martin Luther King uma efetiva superação das lutas raciais e estabelecer leis e métodos de convivência mais conformes com a civilização moderna e a fraternidade cristã”.

Vinte anos depois, em 12 de setembro de 1987, outro Papa Santo relembra o sonho do líder afro-americano. São João Paulo II estava em Nova Orleans, onde encontrou a Comunidade Católica Negra da cidade. Karol Wojtyla lembrou do longo e difícil caminho da comunidade afro-americana para superar a injustiça e se libertar do peso da opressão. “Nas horas mais difíceis de sua luta pelos direitos civis em meio à discriminação e opressão”, enfatizou, “o próprio Deus tem guiado seus passos no caminho da paz. Diante da história, a resposta da não-violência eleva-se na memória desta nação como um monumento que honra a comunidade negra dos Estados Unidos”. João Paulo II fala do “papel providencial” desempenhado por Martin Luther King “ao contribuir para a justa melhoria da condição dos negros americanos, e como consequência para a melhoria da própria sociedade americana”. Como Paulo VI, encontra uma particular harmonia com a visão cristã da fraternidade humana encarnada pelo pastor da Atlanta que acreditou, até ao sacrifício extremo, na ação libertadora da fé em Cristo.

Esta visão é também referida por Bento XVI que, na cerimônia de acolhida em Washington, em 16 de abril de 2008, sublinhou que a fé em Deus tem sido “uma inspiração constante e uma força motriz” na luta liderada por Martin Luther King “contra a escravidão e no movimento pelos direitos civis”. Palavras reforçadas dois dias depois no encontro do Papa Ratzinger com a filha do Reverendo, Bernice Albertine, em uma celebração ecumênica em Nova York. Tinha passado sete anos: pela primeira vez na história, um Pontífice se dirige ao Congresso dos Estados Unidos.

Em 25 de setembro de 2015, na sede do mesmo Congresso estadunidense, o Papa Francisco fez um discurso sobre o espírito dos Estados Unidos observando que “uma nação pode ser considerada grande, quando (…) promove uma cultura que permita às pessoas ‘sonhar’ com plenos direitos para todos os seus irmãos e irmãs, como procurou fazer Martin Luther King”. Para o Papa, aquele “sonho continua a inspirar-nos”, porque, “desperta o que há de mais profundo e verdadeiro na vida das pessoas”. E como em muitas outras ocasiões, faz questão de destacar que este gênero de sonhos “levam à ação, à participação, ao compromisso”.

Francisco como seu predecessor João Paulo II também encontra a filha de Martin Luther King, que é uma ativista, como seu pai, pelos direitos civis. Desta vez o encontro com Bernice Albertine foi no Vaticano, em 12 de março de 2018. A audiência foi privada, mas seu significado foi muito grande porque ocorreu três semanas depois do 50º aniversário da morte de Martin Luther King. Para o Papa, como escreveu na sua Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2017, Martin Luther King conseguiu sucessos contra a discriminação racial que “jamais serão esquecidos”.

No entanto, a forma como estes foram alcançados não conta menos do que os próprios resultados. “A não-violência”, escreve Francisco, “praticada com determinação e coerência produziu resultados impressionantes”. Pelo contrário, como afirmou na audiência geral desta quarta-feira (03/06) dirigindo seu pensamento aos acontecimentos nos Estados Unidos, “nada se ganha com a violência e muito se perde”.

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