O último lugar

             “Humildade de Jesus: imitemo-Lo. Busquemos o último lugar… fazermo-nos pequenos… pelo exemplo, a humildade, o abaixamento, a vida escondida…”.

                                                                            Charles de Foucauld

                                                                            Meditações sobre o Evangelho (1)

     

    Na espiritualidade de Nazaré do Bem-aventurado Charles de Foucauld temos a consciência de buscar o último lugar, a vida escondida, de fazermo-nos pequenos e viver na ardente busca do Absoluto.

    Charles de Foucauld nos ensina para caminhada da fé um protótipo: Jesus de Nazaré é o nosso modelo único. Escreve: “A hora mais bem empregada de nossa vida é a em que mais amamos Jesus… Lembrar só de Jesus, pensar somente em Jesus, apreciando como lucro toda perda pela qual obtemos maior lugar em nosso pensamento e conhecimento para Jesus, em comparação com quem tudo é nada” (2).

    Na espiritualidade foucauldiana não há espaço para ostentação. É abominável a espetacularização, o estrelismo e o culto a personalidade. O desequilíbrio causado pelo narcisismo, hedonismo e principalmente a psicastenia leva o sujeito a marginalizar, perseguir e não ajudar o próximo.

    Vivemos a era do hipercarismátismo, do superpentecostalismo, da megamissa show e da idolatria de imagem. Tudo isso para infantilizar, emocionalizar, manipular, alienar e condicionar ao experimentalismo e ao subjetivismo da fé sem conhecimento do Evangelho, sem prática da vivência comunitária e da vida social solidária.

    Na verdade, o interesse é a construção do império religioso, do empreendimento financeiro particular, da defesa do cargo hierárquico, do artístico que usa o fenômeno religioso como fonte de negócios e o povo pobre sofredor, doente, abandonado, com forte carência afetiva fica como massa de manobra.

    Vivemos a onda do Facebook. Tudo se faz para mostrar, aparecer e receber aplausos e adoração. Postar o ridículo é show. É um festival de boçalidade e de aparição avacalhada.

    A idolatria da imagem em prol da fama, do esnobe, fashion, do showbizz e reality show é buscar o culto a personalidade e a ganância pelo dinheiro. Essa gente, segundo São João Apóstolo: “Tem fama de esta vivo, mas está morto” (Ap 3,1). “É infeliz, miserável, pobre, cego e nu” (Ap 3,17).

    Esse tipo de pessoa procura ser o centro das atenções. Articula a centralidade das ideologias, dos seus interesses egocêntricos. Tais pessoas são portadoras de desequilíbrios mentais e são detentoras da belial perversidade. Essa gente quando é confrontada e contrariada, torna-se perseguidora, vingativa e criminosa.

    Há um grande investimento em comunicação e no marketing para ser visto, lembrado, comentado e vender o produto. O culto mercadológico vive da liturgia da visibilidade, da imagem e da moda. O que não é propagado, mostrado não é vendido e o líder religioso que não é rico, famoso não é convidado em nem requisitado para os eventos espetaculares. A onda fitness está em corpos cobertos com paramentos luxuosos.

    Os nossos altares estão cheios de deuses e no ambão é proclamada uma péssima notícia, ou seja, propaganda enganosa da Palavra de Deus. O ser humano pela ânsia, ambição é seduzido em ser ídolo, ser famoso, celebridade, ter sucesso, poder e adoradores. Daí buscar sempre o primeiro lugar, ser grande e ser cercado pelos holofotes. A falta de autoconhecimento leva muita gente a auto-enganação. O orgulho, o egoísmo e a vaidade exagerada realizam a terrível desconstrução da vivência evangélica. Disse Jesus: “Sede prudente como as serpentes e sem malícia como as pombas” (Mt 10,16). E afirmou: “Que ninguém vos engane” (Mt  24,4).

    Dizia Charles de Foucauld: “Voltemos ao Evangelho: se nós não vivermos o Evangelho, Jesus não vive em nós”. E de forma abissal exortou: “Ter verdadeiramente a fé, a fé que inspira todas as ações, essa fé no sobrenatural que despoja o mundo de sua máscara e mostra Deus em todas as coisas…” (Anotações espirituais) (3).

    A Espiritualidade de Nazaré nos ensina caminhar na Boa Nova de Jesus Cristo e sermos evangelhos autênticos na instrumentalização do amor e da graça de Deus em prol da libertação daqueles que estão no caminho sedutor da ostentação, da idolatria e da glória mundana.

    Frei Inácio José do Vale

    Professor e conferencista

    Sociólogo em Ciência da Religião

    Fraternidade Sacerdotal Jesus Cáritas

    E-mail: pe.inacio.jose@gmail.com

     

    Notas:

    (1) Foucauld, Charles de. Meditações sobre o evangelho. Tradução de Nuno de Bragança. Lisboa: Círculo do Humanismo Cristão, 1962, pp. 112 e 113.

    (2) Foucauld, Charles de. Cartas e anotações. Tradução das monjas dominicanas de São Paulo. São Paulo: Paulinas, 1970, pp. 164 e 165.

    (3) Um pensamento para cada dia. Charles de Foucauld; seleção de textos. Patrice Mahieu, Tradução de José Joaquim Sobral. São Paulo: Editora Ave-Maria, 2012, p. 62.

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