O reinado dos espinhos

    Deus sempre suscita líderes para governar seu povo. Mas aceita-los ou não, legitima-los e ungi-los depende do voto, da consagração eletiva que esse povo lhes faz. De nada adianta, pois, a indicação divina sem a aclamação popular, sem a concordância majoritária daqueles que se deixarão conduzir ou representar por seus eleitos. Prova inconteste de quão precioso e respeitado é o livre arbítrio humano. Até Deus o respeita! Juízo, pois, no exercício desse privilégio que temos ao conduzir nossos destinos.

    Eis porque o tempo dos Juízes (etapa bíblica de ótimas conquistas do povo) continua como referência aos dias atuais. É de suas páginas uma das fábulas mais preciosas sobre o valor de uma liderança popular. Tão ou mais que uma parábola, metáfora ou qualquer outra classificação pedagógica que possamos lhe fazer. Fábula ou parábola, não importa. Mas sua lição sim.

    Joatão subiu ao monte e conclamou seu povo a ouvi-lo…. Oxalá fosse eu essa voz profética no momento atual! Mas era Joatão, o único dos filhos de uma família escolhida por Deus, a não se deixar contaminar pela vida promiscua de um povo infiel. Ainda no lampejo de sua coerência, gritou: “Ouvi-me, homens de Siquém, para que Deus vos ouça!” (Jz 9, 7).  Ouvi-me, povo meu!

    “As árvores resolveram um dia escolher um rei para governá-las”. Sábio é o povo que se deixa conduzir pela sensatez de bons governantes. Surgiram então três possibilidades que bem representavam uma flora diversa: a oliveira, a figueira e a videira. Mas estas estavam ensoberbadas pelas próprias qualidades e não pretendiam desperdiça-las com uma população pobre e desqualificada que lhes implorava um pouco de suas experiências de sucesso. A oliveira apegava-se a seu precioso óleo, que lhe proporcionava a glória dos deuses. Não renunciaria a esse privilégio. A figueira não abandonaria a docilidade e às delícias de seus frutos para tão somente servir à relés do vasto arvoredo ao redor de suas raízes. A videira, ah!, a videira! “Poderia eu renunciar ao meu vinho que faz a alegria de Deus e dos homens…” Assim, uma a uma, todas se omitiram. Restou somente o espinheiro.

    De bom grado, o espinheiro topou o desafio. Era-lhe até de fácil execução, com uma única condição imposta: “Se realmente me quereis escolher para reinar sobre vós, vinde e abrigai-vos debaixo de minha sombra”. A sombra que sufoca, que fere às escondidas, que mata paulatinamente, que não produz frutos, que nunca floresce… Essa é a escolha dos insensatos. A sombra do incerto…

    Hora do bom senso. Não nos cabe agora a proteção de privilégios, a defesa dos bens pessoais, a ideologia pessoal contra os ideários coletivos, as  benesses do poder sem o peso das carências populares, da justiça, do bem comum.  Campanha eleitoral não é um campeonato esportivo, onde torcida e torcedores se embatem pela vitória de um único time. Ao contrário, essa briga almeja a vitória de todos. Se o ideário político não contemplar o sonho de todos, corremos o risco de um desastre social. Não é hora de defender apenas uma camisa (às vezes esfarrapada, rota, desgastada ou mesmo tecida em puro linho, brilhante, chamativa), mas contemplar primeiro o humano que veste tais camisas. Melhor mesmo é a nudez do fanatismo, capaz de nos mostrar um peito aberto e confiante, um coração revestido de paixão pela vida, não pelo fanatismo de suas divisões. Sensatez, povo meu! Pois da escolha que hoje fazemos é que virá a construção de uma pátria amada, aquela que idolatramos como nossa, não de poucos, não de alguns. Isso se o espinheiro da discórdia não tomar conta. Nem sempre o melhor caminho é o mais curto e fácil.

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