O maior mandamento

    Convida-nos a liturgia da Palavra deste 31º Domingo do Tempo Comum a concentrarmo-nos no essencial, a centrarmo-nos naquilo que é a essência e a marca característica do nosso ser cristão: o amor a Deus e aos irmãos. Certamente que, também, nós já nos colocamos a pergunta que o escriba colocou a Jesus: qual é o primeiro de todos os mandamentos? Ou seja, qual é a coisa mais importante na minha vida de fé?

    Apesar de Jesus já ter entrado triunfalmente em Jerusalém e de o cerco a Jesus se estar a fechar cada vez mais, podemos dizer que a pergunta do escriba a Jesus não é uma pergunta mal-intencionada, ou seja, uma armadilha colocada a Jesus para mostrar que Jesus não sabia interpretar a lei e que por isso não era digno de crédito ou para apanhar alguma declaração de Jesus que pudesse ser usada contra ele em tribunal. Estavam diante de quase mais de seis centenas de preceitos e a pergunta se fazia necessária. A pergunta deste escriba a Jesus é a expressão do desejo deste escriba de amar bem a Deus.

    Na verdade, a questão da hierarquia dos mandamentos de Deus era uma questão complicada e estava na origem de grandes debates entre os fariseus e os doutores da lei. Se os 10 mandamentos eram o coração da aliança que Deus estabeleceu com o seu povo, a vida quotidiana com os seus problemas concretos levou a uma proliferação de leis que pretendiam ser a aplicação concreta dos 10 mandamentos às mais variadas situações quotidianas. Assim sendo, os 10 mandamentos multiplicaram-se em 613 mandamentos, dos quais 365 (como os dias do ano) eram proibições e 248 (como os membros do corpo humano) eram indicações de obras a fazer. O próprio Jesus chegou a afirmar que tamanho conjunto de normas, cheias de subtis distinções e com uma casuística interminável, eram um fardo insuportável para o povo (Lc 11,46). Assim sendo, surgia a dúvida se entre tantos mandamentos não haveria uma certa hierarquia; se todos os mandamentos tinham a mesma importância ou se haveriam mandamentos mais importantes que outros.

     Ante a interpelação do escriba, Jesus, partindo de uma citação do livro do Deuteronômio e outra do livro do Levítico, afirma: “‘Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todo o teu entendimento e com todas as tuas forças’. (Dt 6,5) O segundo é este: ‘Amarás o teu próximo como a ti mesmo’ (Lv 19, 18). Não há nenhum mandamento maior que estes”.

     Com a sua resposta, Jesus mostra que o maior mandamento da lei de Deus não se reduz a um ato isolado que depois de cumprido nos deixa tranquilos, mas é uma atitude radical e permanente. Jesus não quer impor um código, cumprido o qual, o homem possa estar tranquilo e indiferente, seguro da salvação e livre de outros compromissos. Jesus quer assinalar a orientação total da existência sobre a qual reger toda a vida, guiar todo o gesto, todo momento, toda resposta religiosa e humana.

     O primeiro mandamento que Jesus apresenta, através da citação do Shemá Israel, que ouvimos na primeira leitura (Dt 6,2-6) deste dia e que os Judeus rezam diariamente, é o amor a Deus. Jesus afirma que o primeiro mandamento deve ser um amor total e sem divisões a Deus. No entanto, Jesus completa a sua resposta ao citar Lv 19, 18: “O segundo é este: ‘Amarás o teu próximo como a ti mesmo”. Assim sendo, podemos concluir que o maior mandamento para os seguidores de Jesus é o mandamento do Amor, mandamento esse que se concretiza numa dimensão vertical (para com Deus) e numa dimensão horizontal (para com o próximo).

     Muitas vezes esquecemo-nos desta verdade na nossa vida de batizados. Pensamos que ser cristão é algo que se resume à nossa relação com Deus. Pensamos que ser bom cristão limita-se a cumprir preceitos, no entanto, se é assim que estamos a viver a nossa vida de fé, estamos mancos. Falta-nos a outra dimensão essencial da nossa existência de cristão: o amor ao próximo. Amor a Deus e amor ao próximo são as duas pernas da nossa existência cristã. Se nos falta uma destas pernas estamos a mancar. Deixemos que seja o Apóstolo João a explicar-nos a relação que existe entre o amor a Deus e ao próximo: “Nós amamos, porque Deus nos amou primeiro.  Se alguém disser: Eu amo a Deus, mas tiver ódio ao seu irmão, esse é um mentiroso; pois aquele que não ama o seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê. E nós recebemos dele este mandamento: quem ama a Deus, ame também o seu irmão.” (1 Jo 4, 19-21).

     No entanto, o amor de que estamos a falar não é algo que se reduza a uma pura emoção ou a um sentimento. O amor que Jesus nos pede a Deus e aos irmãos deve traduzir-se em ações concretas. O amor que Jesus nos pede é um amor de obras e não só de palavras.

     Em primeiro lugar o amor que devemos ter para com Deus deve ser um amor “com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todo o teu entendimento e com todas as tuas forças”. Toda a existência do homem está implicada no amor a Deus. Devemos amar a Deus com todo o coração, devemos amar a Deus com um coração indiviso. Quantas vezes dizemos que amamos a Deus mas são outras coisas aquelas que enchem o nosso coração. Quantas vezes dizemos que somos cristãos, mas aquilo que enche o nosso coração é o ter, o poder e o prazer. Amar a Deus é amá-lo com todo o coração. Na verdade, só Deus é que é capaz de encher o nosso coração.

    Devemos amar a Deus com toda a nossa alma, com toda a nossa vida e com toda a nossa força. Amar a Deus com toda a vida é estar disposto a enfrentar as dificuldades, as incompreensões e as discriminações que surgem da nossa fidelidade a Deus. Sabemos que os valores que regem o nosso mundo são diferentes dos valores de Deus e sabemos que se quisermos ser fiéis a Deus vamos entrar em choque com a sociedade e que isto vai causar sofrimento. Amar a Deus com toda a alma, com toda a vida, com todas as forças é estar disposto a dar, a gastar a sua vida pelos valores de Deus. Devemos amar a Deus com todo o nosso entendimento. O aspecto racional também faz parte do nosso amor de Deus. Devemos mostrar que a nossa fé em Deus é credível. Amar a Deus não se reduz a uma simples emoção.

     Que as nossas motivações não sejam outras que o amor a Deus e ao próximo. Que diante de todas as situações eu me interrogue “que me pede neste momento o amor a Deus e aos irmãos?” O amor a Deus e ao próximo são as duas pernas com as quais seguimos o Senhor Jesus, são as duas componentes essenciais da nossa existência cristã.

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