O grande princípio da Liturgia

    O Papa Francisco publicou, em 3 de setembro último, a Carta Apostólica, em forma de motu próprio (de livre iniciativa), intitulada Magnum Principium (o grande ou o importante princípio) na qual reforma o cânon 838 do Código de Direito Canônico, de 1983, à luz das reformas litúrgicas propostas pelo Concílio Vaticano II (1962-65) e de outros documentos complementares publicados ao longo do pós-Concílio.
    O cerne do motu próprio está no seu final, quando diz: […] “no futuro o cân. 838 será lido como segue:”
    “Cân. 838 – § 1. Regular a sagrada liturgia depende unicamente da autoridade da Igreja: isto compete propriamente à Sé Apostólica e, por norma de direito, ao Bispo diocesano.”
    “§ 2. É da competência da Sé Apostólica ordenar a sagrada liturgia da Igreja universal, publicar os livros litúrgicos, rever as adaptações aprovadas segundo a norma do direito da Conferência Episcopal, assim como vigiar para que as normas litúrgicas sejam fielmente observadas em toda a parte.”
    “§ 3. Compete às Conferências Episcopais preparar fielmente as versões dos livros litúrgicos nas línguas correntes, convenientemente adaptadas dentro dos limites definidos, aprová-las e publicar os livros litúrgicos, para as regiões de sua pertinência, depois da confirmação da Sé Apostólica.”
    “§ 4. Ao Bispo diocesano na Igreja a ele confiada compete, dentro dos limites da sua competência, estabelecer normas em matéria litúrgica, as quais todos devem respeitar.”
    “Por consequência devem ser interpretados quer o art. 64 § 3 da Constituição Apostólica Pastor bonus quer as outras leis, em particular as que estão contidas nos livros litúrgicos, acerca das suas versões. De igual modo disponho que a Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos modifique o próprio ‘Regulamento’ com base na nova disciplina e ajude as Conferências Episcopais a desempenhar a sua tarefa e se comprometa a promover cada vez mais a vida litúrgica da Igreja Latina.”
    O Documento despertou apreensões de vários matizes, muitas vezes preocupados com           que a essência da Liturgia fique em perigo, dado que cada Conferência Episcopal poderia traduzi-la a seu critério subjetivo longe das orientações da Santa Sé, o que, então, poderia causar sérios danos e até divisões no meio do Povo de Deus. Parece ir na referida “observação” uma veemente crítica aos Bispos por parte de alguns grupos. Estes não sucederiam, em conjunto, o Colégio Apostólico, mas, em contrário, agiriam como “irresponsáveis” no que se refere à Liturgia.
    Ora, tal perigo não parece existir se levamos em conta a maturidade e a especialização de cada um dos Bispos, bem como as próprias palavras do Santo Padre, no Magnum Principium, que valem a pena ser citadas a fim de sanar qualquer dúvida ainda pendente em um tema que é, realmente, complexo… E tal complexidade não passou, de forma alguma, despercebida no Documento Pontifício, que, aliás, faz eco à legítima preocupação dos próprios Padres Conciliares. Afirma, portanto, Francisco, ante o desafio da Igreja na matéria litúrgica: “Por um lado, era preciso unir o bem dos fiéis de qualquer idade e cultura e o seu direito a uma participação consciente e ativa nas celebrações litúrgicas com a unidade substancial do Rito Romano; por outro, as mesmas línguas vulgares muitas vezes só de maneira progressiva teriam podido tornar-se línguas litúrgicas, esplendorosas não diversamente do latim litúrgico por elegância de estilo e pela gravidade dos conceitos a fim de alimentar a fé”.
    Ora, para ajudar a cada Conferência Episcopal, a Santa Sé publicou indicações, leis, normas, instruções etc. ao longo dos últimos cinquenta anos e que devem, continuar a ser seguidas no grande trabalho com a Sagrada Liturgia “como instrumentos adequados a fim de que, na grande variedade de línguas, a comunidade litúrgica possa alcançar um estilo expressivo adequado e congruente com cada uma das partes, mantendo a integridade e a fidelidade cuidadosa, sobretudo na tradução de alguns textos de maior importância em cada livro litúrgico”.
    Mais: “A finalidade das traduções dos textos legislativos e dos textos bíblicos, para a liturgia da palavra, é anunciar aos fiéis a palavra de salvação em obediência à fé e exprimir a oração da Igreja ao Senhor. Com este objetivo é preciso comunicar fielmente a um determinado povo, através da sua língua, o que a Igreja pretendeu comunicar a outro por meio da língua latina. Mesmo se a fidelidade nem sempre pode ser julgada por simples palavras, mas no contexto de toda a ação da comunicação e segundo o próprio género literário, contudo alguns termos peculiares devem ser considerados também no contexto da íntegra fé católica, dado que cada tradução dos textos litúrgicos deve ser congruente com a sã doutrina”. Nunca se pode improvisar.
    A decisão Conciliar não é – como se vê – de fácil aplicação prática, daí o surgimento de problemas ou de dificuldades ao longo dos anos. Problemas que, no entanto, são solucionáveis com o empenho de todos os envolvidos primeiros na questão, ou seja, as Conferências Episcopais e o Dicastério romano que atua na área, a Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, em vista da unidade da fé e do bem do Povo de Deus. É o que expressa o Papa nas seguintes palavras: “Sem dúvida, deve-se prestar atenção à utilidade e ao bem dos fiéis, e não se deve esquecer o direito e o encargo das Conferências Episcopais que, juntamente com as Conferências Episcopais de regiões que têm a mesma língua e com a Sé Apostólica, devem garantir e estabelecer que, salvaguardada a índole de cada língua, seja dado plena e fielmente o sentido do texto original e que os livros traduzidos, até depois das adaptações, resplandeçam sempre pela unidade ao Rito Romano”. Trata-se, como vemos, de tarefa muito séria e responsável. Cada Conferência Episcopal a tratará em plena fidelidade à Escritura e à Tradição interpretadas, de modo autêntico, apenas pelo Magistério ordinário e/ou extraordinário da Igreja.
    Por fim, seja citada a fala de Dom Arthur Roque, Arcebispo secretário da Congregação para o Culto Divino e Disciplina do Sacramentos, ao escrever que “a confirmatio da Sé apostólica não se apresenta como uma intervenção alternativa de tradução, mas como um ato autoritativo com o qual o dicastério competente ratifica a aprovação dos bispos. Supondo obviamente uma avaliação positiva da fidelidade e da congruência dos textos produzidos em relação à edição típica sobre a qual se funda a unidade do rito, e tendo em conta sobretudo os textos de maior importância, especialmente as fórmulas sacramentais, as orações eucarísticas, as orações de ordenação, o rito da Missa e assim por diante” (L’Osservatore Romano, 21/09/17, p. 8 e 10).
    Também o Santo Padre ao responder a essa questão deixou bem claro essa posição conforme noticiário da Rádio Vaticano de 23/10 p.p.: Em documento endereçado ao Prefeito da Congregação para o Culto Divino –  divulgado pela Sala de Imprensa da Santa Sé –  o Papa sublinha antes de tudo a “clara diferença” que o novo Motu proprio estabelece entre recognitio (verificação) e confirmatio (confirmação). Não são “sinônimos”, nem “intercambiáveis”, enfatiza o Pontífice. E isto – observa – para “abolir a prática adotada pelo Dicastério após a Liturgiam authenticam e que o novo Motu proprio quis modificar”.
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    Também o secretário-geral da Congregação esclareceu ao dizer que “a ‘confirmatio’ é um ato de autoridade com a qual a Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos ratifica a aprovação dos Bispos, deixando a responsabilidade da tradição, presumidamente fiel, ao múnus doutrinal e pastoral das Conferências dos Bispos. Resumindo, realizada ordinariamente na base da confiança, a ‘confirmatio’ supõe uma positiva avaliação da fidelidade e da congruência dos textos produzidos em relação ao texto típico latino” […] (idem, p. 10).
    É o que podemos refletir a propósito do Motu Proprio Magnum Principium.

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