“O Dom da Vocação Presbiteral” (II)

    No primeiro artigo desta série, tratamos da Introdução Geral e do capítulo I do Documento da Congregação para o Clero com o título o Dom da Vocação Presbiteral. Hoje trataremos da vocação sacerdotal e dos fundamentos gerais da sua formação, contemplando, assim, os capítulos II e III do denso trabalho.
    A tônica geral ou a linha-mestra é o chamado do seminarista e do sacerdote, ao longo de toda a sua vida, a configurar-se a Cristo, o Sumo, Eterno e Único Sacerdote, que veio para servir e não para ser servido, cumprindo a vontade do Pai e não a sua.
    As vocações são dons inestimáveis das riquezas de Cristo (cf. Ef 3,8) à sua Igreja e nela devem desabrochar e amadurecer a seu tempo, pois uns se sentem chamados na adolescência e outros na vida adulta. Cabe à Igreja, por meio de seus ministros responsáveis, designados pelo Bispo, acompanhar umas e outras, bem como é dever de cada fiel rezar pelas vocações, ou seja, para que o Senhor envie operários à Sua messe, que é grande, mas tem poucos trabalhadores (cf. Mt 9,38; Lc 10,2), seja na vida sacerdotal ou consagrada.
    Disso decorre a importância dos chamados Centros Vocacionais, encontros de adolescentes e jovens vocacionados ao sacerdócio ou à vida consagrada, sob a orientação da Pontifícia Obra para as Vocações e do Bispo Diocesano com sua equipe vocacional, já contemplada dentro de um Plano de Pastoral de Conjunto na Diocese. Cabe ainda ao próprio Bispo determinar, além das preces particulares, uma data específica para se rezar pelas vocações, lembrando que na Igreja Universal essa data é o IV Domingo da Páscoa, Dia do Bom Pastor. Aqui em nossa Arquidiocese estabelecemos a data de 7 de dezembro de cada ano para implorar pelas vocações arquidiocesanas. Importa ainda notar que, especialmente as vocações ao sacerdócio diocesano devem atender a Diocese, o que não significa fechamento à necessidade das demais Igrejas particulares. Aliás, pelo contrário, a Igreja toda é missionária e corresponsável pelas missões.
    O Documento dá uma boa atenção aos Seminários Menores, plenamente válidos na Igreja e que devem atender às aspirações próprias da idade do adolescente que neles ingressa, a fim de ajudar na maturação humana e cristã desses adolescentes, embora também os encontros juvenis, os grupos vocacionais e os colégios católicos possam ser sementeiras de vocações e, a seu modo, quase se equiparar aos Seminários Menores. O capítulo II dedica três parágrafos aos seminaristas menores (20-22) e um aos formadores (23).
    Pede que esses adolescentes vivam seriamente a vida sacramental, a devoção a Nossa Senhora e se preparem para uma visão aberta do mundo, de modo que, se não for da vontade de Deus o seu sacerdócio, possam se santificar em outro estilo de vida, mas que sejam bons cristãos. O Seminário Menor também promova a vida cultural, artística e desportiva ao lado dos estudos próprios da idade. Quanto ao formador, tratado no número 23, pede-se que seja compreensivo com seus formandos, entenda-os em sua faixa etária e, na formação dada, contem com o apoio dos pais, de demais familiares e da comunidade de origem, para que melhor se desenvolvam psicológica e afetivamente.
    Nos casos de vocações adultas, é necessário fazer uma avaliação mais detalhada, a fim de ver se o presumido candidato não está confundindo o seguimento a Cristo com o ministério sacerdotal (poderia pensar que a única forma de seguir ao Senhor é sendo padre), sem, jamais, deixar de acompanhá-lo com grande carinho e atenção. Existem hoje belas experiências nessa área! Com a evangelização e os encontros de jovens, são muitos que descobrem sua vocação adormecida e que despertam quando acolhem a Boa Nova em suas vidas.
    O Documento contempla também alguns casos especiais: com atenção redobrada e vivo interesse, as Igrejas particulares acolham as vocações originárias dos indígenas e busque formá-los usando sua língua local e os costumes do contexto no qual estão inseridos. Também no grande turbilhão de migrações de nossos dias, não deixem as Diocese de aceitar os imigrantes e suas vocações, integrando-os à vida diocesana; nem as Igrejas particulares do Exterior ou nossas renunciem à acolhida de candidatos oriundos de outras nações, após consultar com redobrada acuidade a razão de terem deixado sua Diocese de origem.
    A respeito dos fundamentos da formação, o Documento destaca que o seminarista é um “mistério para si mesmo” (n. 28), pois se defronta, de um lado, com os dons e as riquezas da graça divina, e, de outro lado, com as próprias misérias humanas, ambas a serem integradas, à luz do Espírito Santo, no processo formativo, longo e exigente no segmento a Cristo Jesus, base da formação contínua da vida presbiteral no seio da Igreja. Particularmente, vejo esse grande dom da vocação como um mistério que devemos acompanhar e discernir para ajudar a brotar e crescer.
    Na vida eclesial, o padre é chamado a servir no sacerdócio ministerial, seus irmãos no sacerdócio batismal ou comum. Daí, deve ter muito presente o espírito de verdadeiro missionário, de pai e pastor daqueles a ele confiados, mas sem jamais caírem no clericalismo (o padre manda em tudo), na aceitação popular (um padre simpático à moda de um político que precisa se reeleger a qualquer custo), ou num grande aproveitador do seu rebanho em benefício próprio. Sua missão é, no dom da graça divina, com seus deveres e direitos, servir ao Povo de Deus a exemplo de Cristo, a fim de a Ele se configurar enquanto fiel colaborador do Bispo.
    O sacerdote, à luz da Carta aos Hebreus, há de ser um homem de interioridade profunda, cujo centro da vida está na Eucaristia e, com a força d’Ela, ele acompanha os seus fiéis desde as águas do Batismo até a morte, buscando servir – lembre-se o Lava-Pés (cf. Jo 13,1-17) – e consolar a todos sem distinção, como sinal do amor do Pai celeste ao mundo. O padre deve estar aberto a todas as “espiritualidades” aprovadas pela Igreja e a todos servir com alegria.
    O seminarista há de ser formado como uma pessoa aberta à interioridade e à comunhão: sua maturidade deve fazê-lo ser um homem livre, mas maduro interiormente a fim de, na caridade, “consumir-se” (n. 41) – o verbo é fortíssimo – a exemplo do Divino Mestre, pelo próximo. Isso requer vida espiritual profunda, pautada na Santa Missa, na Leitura orante da Palavra de Deus e na Oração silenciosa. Recomenda que nas Celebrações do Ano Litúrgico evite-se a ostentação, e, na vida pessoal, deixe de lado a vanglória, o individualismo, o carreirismo, a incapacidade de ouvir os outros, mas, ao contrário, seja um homem de discernimento profundo, capaz de, na humildade, governar-se a si mesmo com a graça divina junto com outros sacerdotes sob a orientação do Bispo.
    A formação integral para se ter esse tipo de sacerdote exige um profundo acompanhamento pessoal e comunitário. No âmbito pessoal, importa que o formador – com capacitação específica – acompanhe cada um, formando-os para serem discípulos e missionários, ao mesmo (em) tempo que os leve a conhecerem a si mesmos e a se deixarem conhecer pelos outros, sem medo ou receio de deixar-se modelar. Daí a importância das conversas francas e frequentes com o formador, em confiança recíproca, e das quais o padre há de guardar sigilo. No âmbito comunitário, o seminarista (e o padre depois) tenha os colegas como irmãos de vida fraterna, no qual formem uma comunidade capaz de fugir de todo e qualquer individualismo.
    Essa formação perdure por toda a vida e o seminarista ou padre seja muito consciente de que vai, a vida toda, trabalhar com o acolhimento misericordioso a famílias, a consagrados/as, a jovens, a estudantes e, especialmente, aos pobres. Ora, sem uma personalidade madura e configurada a Cristo isso é impossível no dia a dia. É um belo trabalho e uma grande missão, para a qual necessitamos das luzes do Espírito Santo. O documento continua, e nós continuaremos a comentá-lo em outros momentos.

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