O céu começa aqui

    Quando um sentimento de harmonia com a vida preenche o coração humano, o céu baixa sobre a terra. Tudo parece transpirar paz, tranquilidade. É quase um sonho, um hiato de tempo que nos permite vislumbrar o paraíso por instantes. Mas são momentos passageiros, pois que logo a realidade e seus conflitos nos devolvem ao mundo dos homens.

    Se perdurassem esses momentos, estaríamos noutro mundo, no céu talvez. As adversidades terrenas são instrumentos necessários para merecermos um dia a graça da plenitude celestial, a harmonia definitiva da qual nos fala a fé. Possivelmente, se vivêssemos essa harmonia diante de um mundo em conflitos, isso não nos traria paz verdadeira, mas alienação. O alienado foge da realidade que o cerca. Esse proceder não combina com um cristão verdadeiro.

    Os evangelistas nos dizem que Jesus buscava sempre harmonizar-se com a natureza e seu lado humano, buscando refúgio ora numa montanha, ora num horto, ora à beira de um lago. Tinha lá seus momentos de sintonia com o Pai e com sua obra criadora. Afinal de contas, seu espírito também necessitava de energias para enfrentar o desafio de sua visita ao reino humano. Seu coração divino pulsava além dos entraves do pequeno peito humano que possuímos, pois fugia da anatomia da carne. Buscava sempre harmonizar-se com o que é eterno.

    Quando falamos nesses bens espirituais muitos abandonam a leitura ou tapam os ouvidos, pois que o assunto parece oco diante de uma realidade palpável, antagônica. Você vai parar aqui? Siga mais um pouco esse raciocínio. É mais um tema que habitualmente deixamos para segundo plano, pois que a praticidade da vida nos empurra para metas e ações mais objetivas. Esse sentimento parece não ter espaço no mundo de hoje.

    Ora, um lar feliz é aquele que se harmoniza e busca o amparo das pequenas atitudes. Experimenta um pedacinho do céu. Essa preocupação de valorizar momentos sublimes é que lubrifica as relações entre nós. Valorizá-los e sublinhá-los sempre é recarregar nossas energias para enfrentar o mundo. É construir o céu desde agora. Conversa de sonhadores, de poetas? Deixemos, então, um destes nos falar: “O sentimento, quando é nobre e raro,/veste tudo de cândida poesia…/Um bem celestial dele irradia,/um doce bem que não é parco e avaro…/E os nossos olhos ficam rasos d’água/quando rebentos de uma oculta mágoa/são nossos filhos todo o céu da casa (Cruz e Souza).

    Comece em sua casa. Você já ouviu esse apelo. Mas, com certeza, a frase já lhe fugiu da percepção em meio aos atropelos pela sobrevivência. Então, pequenos momentos, pequenos gestos, pequenas observações também perdem sua importância na construção da harmonia que sonhamos, pois que ascender aos céus exige, por primeiro, sua ascensão entre os seus. O céu começa aqui. E se estende a todos os que acreditam nesse divino momento de transformação humana, já possível no aqui e agora de uma terra ainda distante das promessas divinas.

    Harmonize-se. Com tudo que o rodeia, com os semelhantes, com a natureza, com Deus. Valorizando pequenas atitudes, estaremos proporcionando grandes transformações. Esse é o caminho dos céus, dos cenáculos em terra, pois que aos amantes da perfeição pessoal o céu é a busca da perfeição espiritual, o passo mais importante que podemos dar na construção de um mundo melhor. Mas não fiquemos na contemplação desse céu possível e imaginário. Antes, dê seu primeiro passo, pois o Jesus arrebatado para o céu “voltará do mesmo modo” (At 1,11), desejando encontrar entre nós ao menos uma réstia do seu Reino.

    DEIXE UMA RESPOSTA

    Please enter your comment!
    Please enter your name here