Novamente as tentações

    No início da Quaresma, a Igreja sempre nos propõe a leitura do relato das tentações de Jesus. Poderíamos aproveitar a oportunidade para falar das tentações e daí passaríamos a falar do pecado. Mas é certo que esse Evangelho(cf. Mt 4,1-11) nos orienta para outro ponto: as tentações foram para Jesus a oportunidade para que descobrisse ou reafirmasse sua própria identidade.
    Qual era sua relação com Deus, a quem chamava de Pai? De que maneira deveria realizar sua missão de anunciar o Reino? Deveria se servir do poder da força para levar as massas a acreditarem nele e no Reino que anunciava? Todas essas perguntas são as que estão em jogo no relato das tentações. Todas essas questões foram cruciais para Jesus. Foi um momento chave em sua vida. Jesus compreendeu que o seu futuro não era ser carpinteiro em Nazaré. Percebeu que sua vocação era tornar presente no mundo, em seu mundo, o amor de Deus, desse Deus que era para Ele Pai de Amor e Misericórdia. Mas como? Sem dúvida, Jesus refletiu de maneira muito séria a respeito desse ponto. Era o sentido mesmo de sua vida, seu próprio futuro que estava em jogo.
    Essa reflexão, com certeza, não aconteceu em uma noite – os evangelistas nos relataram em um estilo novelesco, falando das tentações sofridas por Jesus.
    Ao final dos seus trinta anos de vida escondida em Nazaré, ele chegou a uma conclusão clara: não se tratava de usar o poder que Deus lhe havia conferido e nem mesmo de abusar do seu nome. Aquele a quem Jesus havia reconhecido como Pai reconhece e respeita a liberdade humana. O Deus de Jesus não manipula a consciência de ninguém. Deseja ser aceito de maneira livre como Deus e Pai de todos. A partir desse momento, a missão de Jesus foi caracterizada pela simplicidade do anúncio, pela proximidade com todos, pelo encontro humano, cheio de misericórdia e compaixão para com todos os homens e mulheres, em especial, aqueles que sofriam. Por isso, Jesus acabou por revelar Deus muito mais por seu estilo de vida, por seu comportamento que por seus discursos. Estes não são mais do que o reflexo de sua vida e de sua experiência de Deus.
    Nós também podemos compreender, assim, as tentações que padecemos a partir dessa perspectiva. São a oportunidade para nos esclarecer sobre quem somos, sobre o sentido de nossa vida e sobre o que desejamos ser. São momentos chave nos quais nos encontramos em uma encruzilhada. Precisamos tomar uma decisão que marcará nossas vidas, nosso futuro e nossa maneira de ser. Ao sermos tentados, nos damos conta de que nós somos livres, de que há outras possibilidades pelas quais podemos optar. Trata-se de um momento em que nos tornamos donos de nossas vidas. Em nossas mãos está a decisão e somos responsáveis por ela.

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