Na escola da Misericórdia

     

    A liturgia católica lê, reflete e reza, como passagem bíblica principal deste domingo, Lucas 15, 1-32. São três parábolas que abordam o tema da misericórdia: a ovelha perdida, a moeda perdida e o filho pródigo. A presente reflexão parte da parábola do Filho Pródigo e inspira-se em Dom José Tolentino Mendonça, recentemente eleito cardeal pelo Papa Francisco, aos 53 anos.

    As parábolas estão muito presentes nas narrativas do Evangelhos e exercem um fascínio muito grande. Também são interpretadas de maneiras diferentes. Uma forma de interpretá-las é como se fossem espelhos nas quais a pessoa vai se descobrindo e construindo a sua identidade. A parábola do Filho Pródigo oferece uma oportunidade para rever a nossa imagem interior, a forma como construímos a relação conosco mesmos e com os outros. O nó desta parábola não são os bens, mas as relações humanas, as relações do pai com os filhos e dos irmãos entre si.

    O filho mais novo abre a cena com um pedido inusitado: “Pai, dá-me a parte da herança que me cabe”. Em princípio o desejo de autonomia, é normal e saudável, pois cada um precisa crescer, afirmar-se como pessoa, tomar nas mãos o rumo da sua vida e ganhar espaço. O problema é que ele faz isto tudo, não em diálogo, mas rompendo os vínculos e as relações. Não espera ficar órfão para herdar os bens. Substitui o pai pelos bens, coloca os bens materiais no lugar das relações paternas e fraternas. Procura uma felicidade individualista. Escolheu o caminho de satisfação de seus desejos e por serem insaciáveis nunca serão satisfeitos, isto é, nunca produzirão sentido. Escolheu o caminho da orfandade e descobre que o caminho certo não é esse somente depois de passar pela solidão, a miséria moral e financeira e a desolação interior.

    O filho mais velho fica junto do pai, é trabalhador, serviçal e não tem problemas em relação à lei. A sua fragilidade está situada na relação com o irmão que é áspera e competitiva e a relação com o pai está na expectativa da recompensa. Quando o irmão volta explode a sua cólera e ressentimento, manifestando-se incapaz de se compadecer com o sofrimento daquele que voltava. Se enche de inveja porque considera tudo que está na casa do pai, agora é seu.

    Este personagem faz refletir sobre a inveja existente nas relações humanas e seu poder destruidor. É ilustrativo um conto de fadas que narra que um homem morria de inveja do vizinho. Um dia foi visitado por uma fada que lhe deu a possibilidade de pedir o que quisesse, mas com a condição: “Poderás pedir o que quiseres, desde que o teu vizinho receba o mesmo de forma dobrada”. Então o invejoso pediu: “O meu desejo é que me arranques imediatamente um dos meus olhos”. A obsessão em prejudicar o outro foi maior que qualquer bem, mesmo em relação a si próprio. Na inveja o outro deixa de ser parceiro e torna-se um rival. Destrói a possibilidade criativa de um encontro, para viver capturado num ressentimento que encharca tudo de mesquinhez e sombra.

    A terceira figura é o pai que tem dois filhos, muito diferentes e deve tratar cada um de forma única. Respeita e aceita o pedido do filho mais novo que queria espaço e autonomia. Acolhe o risco da liberdade do filho, simplesmente porque o ama. E quando o filho volta, todo desfigurado, o seu amor excessivo, o faz ter uma postura para salvar a vida dele. O filho que volta tem um tratamento por parte do pai que, na ótica da justiça, ele não merecia. O pai também não se conforma com o ressentimento, a inveja e o isolamento do filho mais velho, por isso vai à sua procura, ouve as suas queixas, o seu lamento e o convida a participar da festa.

    A postura do pai é a da misericórdia que é fascinante e exigente. Misericórdia é excesso de compaixão, de bondade, de perdão, de colocar-se no lugar do outro, de reconciliação profunda. Enfim, misericórdia gera vida, estabelece relações fraternas e cura as feridas das rupturas.

     

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