Línguas de Fogo

    Sabemos o quão ferino é nosso linguajar. Abrasivo e vingativo, com ele exigimos do outro a perfeição que não temos. Tecendo opiniões e construindo nossas teorias, tornamo-nos o animal pensante mais sequaz do universo. Expressamos nossos conhecimentos, doutrinas e padrões de comportamento. Declaramos nossas paixões de amor e ódio. Expomos nossas desilusões. Editamos regras, dissimulamos normas, massacramos leis. A língua, sem dúvidas, é nosso maior instrumento de edificação… e destruição. “Vamos, façamos para nós uma cidade e uma torre cujo cimo atinja o céu” (Gn). Esse empreendedorismo humano não edificou nada mais que um projeto de alcançar Deus, tomar suas rédeas, governar o mundo com as próprias mãos. E o mundo voltou ao caos… Não mais se falou a mesma língua. Todos se desentenderam…

              A confusão das línguas metaforicamente ilustrada em Babel forçou a diplomacia entre as Nações. Se quiséssemos um mínimo de unidade, era preciso restabelecer o diálogo. Se os empreendimentos que o entendimento humano projeta para o alto de sua realidade terrena buscassem realmente o sucesso, necessário seria fortalecer seus sonhos e seguir um projeto adequado à realidade. Mas sem o entendimento dessa verdade, tudo é caos, desilusão.

              De nada nos serviria toda ciência humana sem atenção às suas experiências do passado, a voz profética que lhes apontou caminhos tortuosos, fragrantes desrespeitos a um projeto mais pé no chão, ou seja: os bons conselhos de Deus. “Não coma da árvore do meio do Paraíso”, foi o primeiro deles. Um conselho de harmonia com a realidade humana. Não se ufanem com a pretensa sabedoria de se julgarem deuses, de se igualarem ao Criador. Nossa fortaleza não é humana, mas divina; vem de Deus. O poder que pensamos possuir, enquanto simples mortais, nunca atingirá o cume da realização plena sem as forças celestiais. A torre da nossa prepotência há de desabar com estrondo, se continuarmos nessa ideia de nos acharmos semideuses no mundo.

              O que nos falta e clama urgência é mais piedade, mais sintonia com um projeto de vida que busque alcançar o céu. Fugimos deste como o Diabo da cruz. A piedade, que deveria identificar nossa gratidão por sermos o que somos, está sepulta e enterrada na prepotência que governa nosso mundo, nossa vida. Temos vergonha dela. Praticá-la tornou-se sinônimo de fraqueza, de pieguice só compatível aos fracos, aos inseguros, aos tímidos. É coisa de beatos, que a sociedade moderna já não aceita como virtuosa ou necessária numa civilização de competidores, vencedores por méritos pessoais. Nesse contexto, não mais se justifica um sentimento de temor a Deus. Assim construímos nossa Babel.

              Mas a Festa da Colheita, que outrora celebrava o lucro, os dividendos de uma safra promissora, tornou-se um Pentecostes mais abrasador. Desde Cristo, a colheita é outra. As línguas de fogo derramadas sobre seus Apóstolos, com Maria ao meio, fizeram nascer a Igreja que somos. Nem a torre de Babel (que sequer foi concluída),nem a de Silóe (que desabou sobre seus construtores), nem as gêmeas do World Trade Center (que fizeram ruir a diplomacia moderna), nem as maiores edificações ou realizações de qualquer audácia contemporânea, foram mais grandiosas que aquela edificação simples numa rua de Jerusalém, onde línguas de fogo deram novo sentido às relações humanas. A partir desse novo Pentecostes, estamos aptos a colher frutos mais saborosos, advindos de uma nova árvore do Paraíso, a cruz cristã. Eis o maior lucro, a melhor colheita. Antes, será preciso abandonar nossos projetos falidos, cortar a língua ferina da crítica à fé cristã e olhar, olhar sim, para as coisas do alto, sem a pretensão de uma nova torre, mas com o desejo de alcança-las com os sete dons revelados pelas línguas de Pentecostes. Estas, sim, trarão fogo à Terra, uma nova sarça ardente, que queima sem consumir. Um fogo de amor. “E como Eu gostaria que já estivesse aceso”, diria Jesus.

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