Jesus recria o mundo ferido pelo egoísmo!

    No primeiro Domingo da Quaresma, a liturgia diz-nos que Deus nunca desiste de recriar o nosso mundo, tantas vezes ferido pelo egoísmo e pela maldade dos homens; e desafia-nos a colaborar com Deus na construção de um mundo novo, de harmonia e de paz, que é o projeto original do Criador. O início da caminhada quaresmal é marcado pelo convite para ir com Jesus ao deserto.

    primeira leitura – Gn 9,8-15 – é um extrato de uma velha lenda sobre um cataclismo que lavou o mundo do pecado. Ensina que Deus, depois de eliminar o mal, não está interessado em fazer guerra aos homens; por isso, depõe o seu “arco de guerra” e oferece aos homens uma Aliança incondicional de paz. Deus espera que, da sua iniciativa, nasça uma humanidade nova, capaz de concretizar o sonho de Deus para o mundo. Deus estabelece a sua primeira aliança com Noé, com seus descendentes e com toda a criação. Purificada pelas águas do dilúvio, nasce nova humanidade, fundamentada na aliança com o Senhor da vida. Sabemos que Deus é fiel aos seus compromissos; nem sempre, porém, o ser humano consegue manter-se fiel ao Criador e valorizar sua obra. Toda a criação espera o cumprimento desta aliança, para ser respeitada e valorizada.

    Evangelho – Mc 1,12-15 – mostra-nos Jesus a recusar o mal e a optar pelo caminho que lhe foi indicado pelo Pai. Essa opção está na origem de um mundo novo, ao qual Jesus chamava “o Reino de Deus”. Ele conta com os seus discípulos para serem, em todos os momentos da história humana, construtores e arautos do “Reino de Deus”. O Espírito conduz Jesus ao deserto e o capacita para a obra missionária. No deserto, o Filho de Deus revive a experiência do povo – que caminhou por quarenta anos em busca da Terra Prometida – e enfrenta as forças do mal – satanás. Satanás é o Divisor, a força do poder opressivo que tenta dissuadir o Messias de sua missão. Jesus é o novo Adão, que vive em harmonia com a criação e não sucumbe à tentação da serpente. Após a prisão de João Batista, Jesus se apresenta na Galiléia, anunciando a chegada do Reino e convocando o povo para a conversão. Nele, o senhorio de Deus já chegou, mas sua efetivação depende da aceitação ou não do Evangelho.

    Na segunda leitura – 1Pd 3,18-22 –, o autor da primeira Carta de Pedro recorda que, pelo Batismo, os cristãos aderiram a Cristo e à salvação que Ele trouxe. Comprometeram-se, portanto, a seguir Jesus no caminho do amor, do serviço, do dom da vida. Envolvidos nesse dinamismo de vida e de salvação que brota de Jesus, os cristãos são semente de uma nova humanidade. Os cristãos dispersos são chamados a entender e vivenciar seus compromissos batismais. No passado, um pequeno grupo foi salvo pela ação de um justo – Noé –; ultimamente, um grupo maior foi salvo pela descida do Justo – Jesus – à mansão dos mortos. Jesus sofreu a morte por uma condenação injusta, mas, pelo poder de Deus, recebeu nova vida pelo Espírito. Pelo batismo, os cristãos participam da vida nova do Ressuscitado.

    Que o itinerário quaresmal, em clima de sinodalidade eclesial, nos ajude a bem vivenciar a nossa vocação cristã. O vigor do nosso testemunho cristão baseia-se na assimilação da Palavra. É ela que nos permite vencer as tentações da autorrefencialidade, da propagação de discursos de ódio – dos quais podemos nos tornar agentes, potencializando-os nas mídias sociais –, da adesão à lógica da competição, da indiferença ao clamor dos descartados que gritam por vida digna.

                    A Quaresma é este tempo favorável para renovarmos nossa aliança com Deus, dispondo-nos a fazer nascer o que é novo no Espírito. Com Jesus, somos conduzidos ao deserto para firmar nossa opção pela vida e vencer as tentações do Divisor. Não brinque com o demônio. Ao contrário, como diz sempre o Papa Francisco, fuja das coisas demoníacas. Jesus restaura a comunhão do ser humano consigo mesmo, com os irmãos e com Deus. O deserto se torna um jardim de paz e harmonia, indicando o retorno à comunhão original com o criador. Deixemos o pecado e o tentador e vivamos com Cristo, na graça que nos abre as portas do céu. Muito deserto e silêncio nesta Quaresma – para ouvir o que Deus quer de você no projeto de anúncio da salvação!

     

    +Anuar Battisti
    Arcebispo Emérito de Maringá (PR)

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