Jesus inaugurou a divisão

    A verdadeira paz não é fruto de um silêncio farsante, dissimulado e hipócrita. Pensemos na sedução de Jeremias, na condição de profeta e amigo de Deus, que se veja seu encanto em anunciar a paz, sedimentada na justiça e na fidelidade a Deus. A única saída para o profeta foi se tornar “objeto de disputa e de discórdia em todo o país” (Jr 15, 10). Para se livrarem dele, acusaram-no os chefes militares de derrotismo junto ao rei e, obtidos poderes sobre ele, lançaram-no numa cisterna lamacenta, onde se atolou. Teria certamente perecido, se Deus não o houvesse socorrido por meio de um desconhecido, que conseguiu do rei licença para retirá-lo daquela cova, ou antro de morte. Exprime-se bem essa situação de Jeremias com a oração do salmo, a seguir: “Esperei no Senhor com toda a confiança; ele se inclinou para mim e ouviu meu clamor e grito. Tirou-me do poço da perdição, daquele encharcado lodo” (SI 40, 2-3). Na iminente morte do profeta, a libertação chegou de fora, de quem não se esperava, de um etíope. O que aconteceu com Jeremias, infelizmente, hoje constantemente se repete.

    Jesus veio para nos trazer a paz, mas aquela paz compreendida como fruto da conversão do coração, conversão à verdade. Quem vive da verdade e mergulhado na verdade, passa por consequências inomináveis e incompreensões mesquinhas. Não hesitar quando for preciso radicalizar, a partir de Jesus de Nazaré, numa lógica de coerência, na sua clara afirmação de lançar fogo sobre a terra claramente fazendo opção pela vida, que é dom e graça. “Vim trazer divisão” é uma afirmação incisiva e desconcertante (cf. Lc, 49-52) à primeira vista, mas não contradiz nem anula o que ele já disse em outras ocasiões, quando explica que a paz interior é um sinal de harmonia entre a criatura humana e Deus.

    Na adesão ao querer divino, jamais devemos prescindir da luta, na legítima guerra contra tudo o que se carrega no íntimo da alma: paixões, tentações, pecados. No seu próprio ambiente de trabalho, como exemplo, caso alguém se oponha à vontade salvífica e libertadora, em detrimento da fé, é dever nosso contrariar esse tipo de atitude, agindo corajosamente de forma profética no serviço ao Senhor, em seu projeto de amor. Se escolhermos falar e viver segundo o Evangelho, com certeza seremos perseguidos.

    Pela existência da Bondade Infinita, que a nossa humanidade possa sempre mais clamar pela divindade, mesmo conscientes de que somos parciais, ao relativizar essa demanda, mesmo no lógico e clamoroso brado da existência do Onipotente. Para que o universo todo e a nossa vida inteira não sejam um absurdo, um brinquedo passageiro, não prescindir de reconhecer a existência do Infinito e do Absoluto. Que nossa realidade finita possa se revelar, enquanto restrita e passageira, mas no relacionamento esperançoso com o Infinito, no ser invisível de Deus, contemplado pela razão, através de suas obras (cf. Rom 1, 19s).

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