Fraternidade, Biomas, criação e vida

    Todos os anos, desde 1964, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) apresenta a Campanha da Fraternidade como caminho de conversão quaresmal, indicando-nos como itinerário a oração, jejum e esmola, graça que se abre a todos e nos faz experimentar a espiritualidade pascal capaz de provocar e gerar, ao mesmo tempo, a conversão pessoal, comunitária e social para cultivar o seguimento de Jesus Cristo.
    Aos poucos, os temas da Campanha ganharam amplitude, sendo refletidos no seio da Igreja e seus horizontes foram alargados, passando a ganhar a adesão de diferentes segmentos da sociedade, criando uma cultura de fraternidade, apontando princípios de justiça, denunciando ameaças e violações da dignidade e dos direitos, abrindo caminhos de diálogo e de solidariedade na busca de soluções dos problemas que afligem a sociedade brasileira e que, em alguns casos, estão coligados com questões de grande relevância global.
    “Fraternidade: biomas brasileiros e defesa da vida” é o tema da Campanha para a Quaresma 2017. O lema é inspirado no texto do Livro do Gênesis 2,15: “Cultivar e guardar a criação”. A Campanha tem como objetivo geral: “Cuidar da criação, de modo especial os biomas brasileiros, dons de Deus, e promover relações fraternas com a vida e a cultura dos povos, à luz do Evangelho”. Esse tema da Campanha da Fraternidade já discutido em Assembleia das pastorais sociais e aprofundado pelos vicariatos agora, neste sábado dia 18 de fevereiro, é lançado oficialmente em nossa arquidiocese. Recomendamos que o livro da Campanha da Fraternidade em Família 2017 elaborado em nossa Arquidiocese seja o texto que acompanhe as nossas reflexões de grupos durante este tempo, aproveitando também o tema do ano mariano e familiar. Assim estaremos unidos nessa caminhada pastoral tão importante nessa nossa grande cidade.
    O tema deste ano fala de Biomas: bioma quer dizer a vida que se manifesta em conjunto com espécies de vegetação similar e contínua, animais, clima mais ou menos uniforme num espaço geográfico cuja formação tem uma história comum. A partir desse simples conceito e da unidade dos diversos elementos que o compõem cada um dos seis biomas brasileiros, chegamos a conclusão quão extraordinária é a beleza e diversidade da natureza de nosso país, das quais cada cristão é chamado a ser cultivador e guardador da obra criada.
    Considerando a realidade particular da Cidade do Rio de Janeiro, localizada no bioma Mata Atlântica, patrimônio ecológico e cultural que se estende ao longo do que hoje são 17 estados, a Campanha nos convida a
    olhar mais atentamente para esse bioma que, apesar de sua relevância, está ameaçado por atividades econômicas predatórias; ausência de saneamento básico; concentração populacional; crescimento urbano desordenado e concentração de riquezas; desmatamentos; morte e tráfico de espécies; poluição das águas, violação dos direitos das populações tradicionais; falta de consciência ecológica de uma parcela significativa da população e falta de compromisso político que agrava a degradação do meio ambiente.
    A realidade dos biomas brasileiros também se insere no cenário da crise ecológica global e das graves implicações sociais das mudanças climáticas que afetam, sobretudo os mais pobres. Para além das questões econômicas e políticas nos diferentes níveis e contextos, cultivar e guardar a criação é uma questão de sobrevivência.
    Não podemos ficar indiferentes a essas realidades e cada pessoa é chamada a responder também de maneira individual a partir de uma mudança de comportamentos e do próprio padrão de consumo.
    O Santo Padre, o Papa Francisco, em sua ‘Encíclica Laudato Si’ convida as sociedades a ouvir os gemidos da Criação, exortando todos a uma conversão ecológica, a mudar de rumo, assumindo a responsabilidade de um compromisso para o cuidado da casa comum. “Laudato Si, mi Signore” (Louvado sejas, meu Senhor), assim cantava Francisco de Assis ao dar graças ao criador pela mãe terra e tudo o que ela produz.
    Dessa forma, o Santo Padre propõe mudanças imediatas de reflexões e maturação humana inspiradas na experiência cristã e critica os abusos e o uso irresponsável dos bens que Deus colocou à disposição dos homens, ao lembrar dos sintomas de doença que se pode notar no solo, na água, no ar e nos seres vivos.
    A encíclica pretende despertar a sociedade para os gritos de uma terra oprimida e devastada pelo pecado e egoísmo humano, pois quando o homem se torna indiferente a essa realidade, também corre o risco de ser vítima dessa degradação.
    O Santo Padre apresenta a ecologia integral como novo paradigma de justiça; uma ecologia “que integre o lugar específico que o ser humano ocupa neste mundo e as suas relações com a realidade que o circunda”. Ao salientar a importância da ecologia integral, ele afirma que os seres humanos estão profundamente ligados entre si e à criação na sua totalidade.
    O Santo Padre se dirige a cada pessoa que habita neste planeta e faz um apelo, sobre o urgente desafio de proteger a “casa comum” e inclui a preocupação de unir toda a família humana na busca de um desenvolvimento sustentável e integral, convidando-a a renovar o diálogo sobre o futuro do planeta.
    Abordando a realidade dos biomas brasileiros e as pessoas que neles residem, esta Campanha da Fraternidade deseja despertar as comunidades, famílias e pessoas de boa vontade para o cuidado e cultivo da casa comum. Diante dos grandes desafios ambientais da cidade e fiel ao compromisso de defender e promover a vida, a Arquidiocese do Rio de Janeiro apresenta a seguir algumas ações de caráter geral, e também especifico para o bioma Mata Atlântica, no qual estamos inseridos:
    1. Reduzir o consumo.
    Esta é a primeira e principal ação de preservação do meio ambiente em todos os níveis. Cada item produzido corresponde à utilização de recursos naturais que irão gerar algum impacto sobre o meio ambiente.
    2. Fundar a Pastoral da Ecologia nas paróquias da Arquidiocese onde ainda não exista.
    Essa pastoral é responsável por desenvolver ações locais voltadas à conversão ecológica da comunidade a partir do conceito de ecologia integral apresentado pelo Santo Padre, na Encíclica Laudato Si. As paróquias que já contam com a pastoral podem incentivar e apoiar a criação de outras pastorais nas outras paróquias do seu vicariato, além de promover curso de formação e/ou capacitação de agentes da pastoral, debates, e fóruns locais sobre meio ambiente.
    É fundamental promover ações de educação ambiental para sensibilizar, criar consciência ecológica e o  compromisso comunitário com a temática ambiental, que é transversal e pode ser trabalhada desde a infância. A Campanha da Fraternidade deseja, antes de tudo, levar à admiração para que todo o cristão seja um cultivador e cuidador da obra criada.
    3. Reciclar os resíduos que produzimos e destiná-los corretamente.
    Grande parte dos resíduos que produzimos pode ser reciclado e são bem-vindas ações como a divulgação de informações sobre o descarte adequado de resíduos; coleta seletiva; economia de energia e água, aproveitamento máximo de alimentos, redução de desperdícios, feiras de troca são medidas ao alcance de todos e muito eficientes. A coleta seletiva de papel, latas de alumínio, embalagens pet e óleo de cozinha podem, inclusive, gerar renda para fomentar novas ações. Para essa ação temos convênios já funcionando.
    4. Acompanhar a implementação do Plano de Saneamento Básico do Município do Rio de Janeiro.
    Essa ação deve ser conduzida pelo conjunto das pastorais sociais, em nível arquidiocesano, a partir do acompanhamento e fiscalização do legislativo e do executivo, com a realização de debates e articulações (inter)vicariais com a participação dos cidadãos, profissionais e entidades interessadas em soluções viáveis para o déficit de saneamento básico sobretudo em regiões de extrema vulnerabilidade social. O Vicariato da Caridade Social acompanhará esse trabalho. As paróquias podem também estimular e viabilizar a capacitação necessária à participação dos leigos e leigas nos conselhos de direitos voltados para defesa do meio ambiente ou a ele correlatos.
    5. Acompanhar a implantação e a revitalização de áreas de proteção ambiental.
    As ações de reflorestamento, recuperação de matas ciliares e de proteção aos parques existentes devem ser acompanhadas e fiscalizadas para garantir sua preservação. A Floresta da Tijuca é um exemplo bem sucedido de reflorestamento iniciado no século XIX que recompôs a Mata Atlântica. Além da limpeza das nossas águas a busca do plantio de árvores deve ser uma atividade incentivada.
    6. Apoiar a produção agroecológica e a agricultura familiar.
    Incentivar ações e grupos de economia solidária para a produção e comercialização em feiras agroecológicas. Há diversas experiências em curso que promovem o comércio justo e solidário, beneficiando toda uma cadeia produtiva que contribui para aumentar os níveis de segurança alimentar e melhorar o cardápio e saúde da população.
    7. Estimular o plantio de hortas comunitárias.
    Onde houver espaço e recursos, incentivar o plantio de hortas orgânicas ou pomares sem a presença de agrotóxicos. Valorizar o saber e a cultura de pessoas que tinham o hábito de plantar e que gostem de transmitir essas experiências às novas gerações se insere na temática da Campanha da Fraternidade.
    Estas e outras iniciativas que possam surgir da criatividade em nossas comunidades nos acompanharão, não apenas nestes 40 dias, mas em uma mentalidade responsável que se cria com as reflexões sobre tão importantes temas. As sugestões são para que o tempo de conversão quaresmal nos leve ao compromisso com o outro, com o futuro na preservação do meio ambiente conforme o tema da Campanha da Fraternidade deste ano e, portanto, conto que teremos estes e outros gestos concretos em nossas paróquias.

    Rezemos “Oração da Campanha da Fraternidade 2017”:
    “Deus, nosso Pai e Senhor, nós vos louvamos e bendizemos, por vossa infinita bondade.
    Criastes o universo com sabedoria e o entregastes em nossas frágeis mãos para que dele cuidemos com carinho e amor.
    Ajudai-nos a ser responsáveis e zelosos pela Casa Comum.
    Cresça, em nosso imenso Brasil, o desejo e o empenho de cuidar mais e mais da vida das pessoas, e da beleza e riqueza da criação, alimentando o sonho do novo céu e da nova terra que prometestes. Amém!

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