“Estendeu a mão e tocou nele”

    Na liturgia dominical estamos refletindo sobre o início do ministério público de Jesus. A sua pregação vem acompanhada da cura de numerosos doentes, revelando que Deus quer para o homem a vida, a vida em plenitude. O texto do domingo passado registrava que Jesus se aproximou da sogra de Simão, que estava de cama com febre, “segurou a sua mão e ajudou-a a levantar-se”. Na continuação, o texto deste domingo (Marcos 1,40-45) um leproso de aproxima de Jesus e começa entre eles um diálogo que termina com uma ação. De joelhos, o doente de hanseníase, faz um pedido: “Se queres tens o poder de curar-me”. Jesus, cheio de compaixão, disse: “Eu quero: fica curado!” Mas faz um gesto mais ousado: “estendeu a mão, tocou nele, e disse: fica curado!” Tocou em alguém que era expressamente proibido de tocar.

    O livro do Levítico (13,1-2.44-46) tinha a seguinte norma para os leprosos: “Durante todo o tempo em que estiver leproso será impuro; e, sendo impuro, deve ficar isolado e morar fora do acampamento”. Antes de pandemia da Covid-19, esta rigorosa norma sanitária em relação aos doentes de hanseníase era mais difícil de entender e aceitar. O isolamento era a única forma segura de impedir a transmissão da doença. Hoje a norma para evitar a transmissão do coronavírus é a mesma.

    A necessária medida sanitária do isolamento dos leprosos se tornou mais grave, dura e injusta quando eles foram tratados como “impuros”. Impureza é um julgamento moral, feito a partir de uma doença contraída contra a vontade. A lepra constituía uma espécie de morte religiosa e civil. “O homem atingido por este mal andará com as vestes rasgadas, os cabelos em desordem e a barba coberta, gritando: ‘Impuro! Impuro!” (Lv 13,44). Era uma norma para garantir que ninguém se aproximasse e muito menos tocasse. Também se tornou uma barreira para qualquer diálogo.

    O Papa emérito Bento XVI, no dia 15/02/2009, no Angelus na Praça de São Pedro, comentando esta passagem bíblica disse:  “É possível entrever na lepra um símbolo do pecado, que é a verdadeira impureza do coração, capaz de afastar de Deus. Não é de fato a doença física da lepra, como previam as normas antigas, que nos separam d’Ele, mas a culpa, o mal espiritual e moral”.

    Vivemos numa sociedade plural: uma multiplicidade de organizações com suas causas próprias, etnias, religiões, visões políticas, educativas, sanitárias muito variadas, etc. Numa pandemia, o isolamento e o distanciamento social são necessários para promover e defender a vida. Porém, existem distanciamentos e até isolamentos que impedem qualquer comunicação, muito menos diálogo, entre alguns dos múltiplos agrupamentos da sociedade. Usando a linguagem do texto bíblico, uma parte pode ver a outra como “impura” e vice-versa.

    Em poucos dias, com a Quarta-feira de Cinzas se inicia a quaresma e com ela a Campanha da Fraternidade Ecumênica. Assim como Jesus fez com o leproso, dialogou com ele – ouvindo seu grito de dor por ser portador de doença incurável e sentenciado como impuro –  “cheio de compaixão, estendeu a mão, tocou nele”, a quaresma é um convite para olhar humildemente para os pecados e confessá-los. E o pecado que a Campanha da Fraternidade nos convida a reconhecer é a falta de diálogo, em todas as esferas, desde a familiar, passando pela social, política, cultural, religiosa, ecumênica. A partir das palavras de Bento XVI pode-se dizer que a falta de diálogo é “impureza de coração, capaz de afastar de Deus … um mal espiritual e moral”.

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