“Enviai, Senhor, operários”

    por ocasião do Ano Vocacional Sacerdotal na Arquidiocese de São

    Sebastião do Rio de Janeiro – 2019

     

    Abertura

    1. “Enviai, Senhor, operários à vossa messe, pois a messe é grande e poucos os operários”! Parece-me ouvir cantar esse pedido ressoando em meu coração nas belas lembranças infantis da catequese. Recordo das missões em minha terra natal, quando ainda criança, em que os missionários, entre outros ensinamentos, levavam os adolescentes a rezar cantando o pedido ao Senhor da Messe para que enviasse trabalhadores para a vinha. Nessas terras em que tantas vocações sacerdotais surgiram, segundo algumas estatísticas, eu teria sido o 25º padre ordenado (isso há 44 anos atrás). Depois de mim outros vieram. Passadas tantas décadas, retorno com esse texto para iniciar a minha carta pastoral neste Ano Vocacional Arquidiocesano, que inicio com uma oração:

     

    Deus nosso Pai,

    Vivemos em nossa Arquidiocese o ano vocacional!

    Agradecemos pelas vocações que estão em nossos seminários

    e pelos sacerdotes que servem com alegria esta Igreja.

    Nós vos pedimos que continueis a chamar muitos jovens

    para que prossigam esta bela missão de ser testemunhas do Reino

    nesta grande cidade que nos confiastes para servir.

    Nós vos pedimos a perseverança das vocações

    e a santidade de nosso clero.

    Enviai sobre nós o vosso Espírito Santo

    para que nos ilumine e nos conduza cada dia de nossas vidas.

    Como homens de Deus que vivem a paternidade com o nosso povo,

    tenhamos dias de paz e de vivência de fé,

    na certeza de tempos novos para esta metrópole,

    a fim de que ela seja o Rio onde habitais

    em cada coração e em cada casa.

    Nós vos pedimos por Cristo Nosso Senhor.

    Amém!

    Introdução

    1. Com a conclusão do Ano Nacional do Laicato, quando tivemos a oportunidade de refletir sobre a vocação batismal e, a partir desta, sobre a vida e a missão dos cristãos leigos e leigas na Igreja e no mundo, julguei oportuno proclamar este ano temático, em nossa Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, como Ano Vocacional Sacerdotal. Este novo ano teve início no sábado que antecedeu o primeiro Domingo do Advento, por ocasião da Festa da Unidade Arquidiocesana 2018, e se concluirá na mesma Festa, em 2019. Esta ocasião, mais que um incentivo vocacional e de oração pelas vocações, é a continuação da resposta ao apelo de Jesus: “Pedi ao Senhor da Messe para que envie operários” (Mt 9,38)!
    2. O Papa Francisco, na carta que nos foi dirigida por ocasião da abertura desse Ano Vocacional Sacerdotal, afirmou: “Ao inaugurar o Ano Vocacional da Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, no dia 1º de dezembro, quero me unir ao clamor de cada um de vocês ao Senhor da Messe para que envie sempre operários para a missão nessa terra abençoada pelo Cristo Redentor. Aliás, a sua estátua no alto do Corcovado, com seus braços abertos como que num grande abraço acolhedor, nos lembra que já a nossa vida é fruto de uma chamada de Deus: nos chamou à vida porque nos ama e tudo predispôs para que cada um de nós fosse único”. O Ano Vocacional Sacerdotal é a ocasião para refletirmos sobre a dinâmica do discernimento vocacional, promovendo a consciência e a vivência de que todos os membros da Igreja. Somos vocacionados à vida nova em Cristo (cf. Cl 3,3-4) pelo batismo e, ao mesmo tempo, promotores vocacionais para a vida cristã e sacerdotal (cf. Jo 13,34).
    3. Em Cristo e pelo batismo, todos nós cristãos somos chamados a uma mesma vocação: a santidade, através da plena comunhão de amor em Cristo. Todavia, no cuidado pela sua Igreja, que é seu Corpo Místico, Cristo Bom Pastor, dirige um particular chamado a alguns de seus membros para uma mais íntima união com Ele. Como recordou o Papa Bento XVI, “em Cristo, Cabeça da Igreja, seu Corpo, todos os cristãos formam ‘uma raça eleita, um sacerdócio real, uma nação santa, o povo de sua particular propriedade, a fim de que proclameis as excelências daquele que nos chamou das trevas para a sua luz maravilhosa’ (1Pd 2,9). No quadro deste chamamento universal, Cristo, Sumo Sacerdote, na sua solicitude pela Igreja, chama, portanto, em cada geração, diversas pessoas para cuidar do seu povo. Em particular, chama ao ministério sacerdotal homens que exerçam uma função paterna, cuja fonte reside na mesma paternidade de Deus (cf. Ef 3,14)”.[1]
    4. Graças a Deus temos muitas vocações surgidas em todas as regiões de nossa Arquidiocese e isso nos compromete à contínua oração pela perseverança desses jovens, seja na fé que receberam, seja no fervor da caridade pastoral que são chamados a viver em seu ministério sacerdotal. Louvo a Deus pelas vocações que estão nascendo em nossa Arquidiocese como resposta ao clamor do povo de Deus. Louvo a Deus, pelos formadores que acompanham os jovens vocacionados e pelas comunidades que continuam perseverantes na oração e os auxiliam nessa delicada missão. Porém, pela densidade populacional de nossa Igreja Particular, necessitamos de mais vocações para pastorear com zelo os fiéis das paróquias já existentes, prover com mais padres as paróquias que atendem bairros populosos e também criar novas paróquias em locais onde ainda não temos uma presença efetiva. Costumo comparar as ordenações com a chuva que cai no deserto: ela desce do céu, porém muitas vezes não chega a molhar a terra, pois ela está muito seca. Dou graças a Deus pelas vocações, mas precisamos continuar perseverantes na oração, a fim de que elas venham copiosas para a nossa Arquidiocese e para toda a Igreja. Além disso, somos uma Igreja aberta às missões e as nossas vocações servem a Igreja em tantas outras realidades: nas universidades, nas capelanias militares, nos centros de formação para o clero e para os leigos, nas missões em outras dioceses, dentro e fora do país, como atualmente as temos. Porém, não pensamos apenas em questão numérica, mas, também, na santidade e generosidade dos que são chamados, para que exerçam com alegria essa bela e importante missão.

    Vocacionado pelo amor

    1. Sempre iniciamos o ano civil com a grande festa do padroeiro da Cidade e da Arquidiocese: São Sebastião, precedida por uma trezena e, neste ano, com um tema vocacional: “São Sebastião, vocacionado pelo amor”. É meu desejo que, além de nossa oração e reflexão pessoal, estas considerações sejam levadas a todos os fiéis, como um roteiro a ser trabalhado durante este ano de 2019, que estamos iniciando. Dentre tantas necessidades e anseios da nossa Igreja particular, que todos nós, Povo de Deus, elevemos nossa oração ao Senhor da messe para que nos mande operários para a sua messe. Essa oração reflete nossa confiança na Providência divina, como nos recorda o Papa Bento XVI: “A missão do sacerdote na Igreja é insubstituível. Portanto, mesmo se, em certos lugares, há escassez de sacerdotes, não se deve ter menos certeza de que Cristo ainda continue a chamar homens, que como os Apóstolos, abandonando todas as outras tarefas, se dediquem totalmente à celebração dos santos mistérios, à pregação do Evangelho e ao ministério pastoral”.[2]
    2. Assim, através da nossa unidade na oração e no trabalho pelas vocações sacerdotais, esperamos que cada fiel se torne um animador vocacional, destemido e capaz de propor escolhas radicais; que nossas comunidades compreendam a importância e centralidade da Eucaristia na sua vida e a necessidade de Ministros que celebrem o Santo Sacrifício; que as famílias permitam o amadurecimento dos sinais de vocação em seus filhos, motivando-os a fazer um discernimento vocacional e apoiando/respeitando as suas decisões; que os bispos, padres e diáconos se mantenham firmes como os primeiros responsáveis pela animação vocacional e deem testemunho da alegria de servir a Deus nos irmãos e irmãs. A nossa proposta é que peçamos ao Senhor da Messe operários para a vinha do Senhor, de tal forma que, de cada comunidade nasça uma nova vocação.

    Atividades e metas

    1. Os temas das novenas, dos meses temáticos e outros momentos deverão conter essa nossa dimensão vocacional arquidiocesana. Na Assembleia Geral dos Bispos do Brasil de 2018, o nosso Regional Leste 1 aceitou a proposta dos Regionais do Sul (2,3,4) da CNBB que, junto com outras Dioceses do Brasil e da África se propunham a rezar pelas vocações. A nossa Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, que já tem um belo trabalho vocacional e muitos grupos que rezam pelas vocações, já tinha programado em seu 12º Plano de Pastoral de Conjunto que, trabalharíamos pelas vocações. Como já tivemos o Ano da Vida Religiosa e o do Laicato, quando contemplamos essas vocações específicas, acreditamos que este ano de 2019 seria o momento de enfocar as vocações sacerdotais arquidiocesanas. Felizmente temos muitas vocações, mas para uma grande cidade como a nossa, ainda são insuficientes. Somos uma Arquidiocese missionária, em saída, chamada a ir ao encontro das necessidades de outras comunidades do Brasil e do exterior, por amor a Cristo e à Igreja, como temos feito. Por isso, a necessidade de rezar e apoiar as vocações ao sacerdócio.
    2. Uma forma de animação pastoral muito eficaz são as melodias vocacionais já conhecidas, antigas e novas. Além destas, a nossa Arquidiocese fez um concurso a fim de escolher um hino para este ano. Dentre várias opções, foi escolhido como Hino Oficial a melodia “Homem do Altar”, que tivemos a oportunidade de lançar e divulgar. Recomendamos que seja cantada por todo o povo da nossa cidade e constatamos, com alegria, que está se tornando cada vez mais conhecida. Além disso, será muito importante que em agosto, o mês vocacional, ainda mais se intensifiquem as orações pelas vocações, em especial, pelo sacerdócio ministerial em nossa Arquidiocese. O clima oracional que existe deve ser incrementado neste ano especial e conservado sempre mais presente em todas as atividades de nossa Igreja particular. Sugiro, que, além do Hino Vocacional, o refrão “Enviai, Senhor, operários à vossa messe, pois a messe é grande e os poucos os operários” seja cantado como oração em um momento propício das celebrações, como, por exemplo, ao final delas.
    3. As mídias digitais são excelentes instrumentos para difundir belos testemunhos de vida sacerdotal, através de vídeos e outros meios de comunicação que possam servir à evangelização. A proposta de impressão de livros com testemunhos, orações e cânticos também está em curso, para que este ano seja um importante marco que tenha continuidade nesse trabalho em nossa Arquidiocese. Ao utilizar textos impressos aproveitemos para divulgar o logo de nosso ano vocacional. Nesse sentido, sempre é bom recordar também o número de clérigos que dão nome a logradouros (praças, ruas, prédios, entidades) em nossa cidade, demonstrando a influência positiva que exerceram em momentos vários de nossa história tão antiga e tão rica.
    4. Para desenvolver o trabalho vocacional temos várias atividades arquidiocesanas. O Serviço de Animação Vocacional (SAV) é um caminho para que todos percebam que são chamados pelo batismo a uma vida cristã de santidade e se coloquem a serviço dos irmãos e irmãs. Toda a Igreja é chamada a reconhecer e aprofundar sua vocação. Nesse sentido, a Pastoral Vocacional irá congregar os vários grupos específicos e animá-los para que continuem se aprofundando nessa direção.[3] Neste ano de 2019, de 5 a 8 de setembro, teremos, em Aparecida, o 4º Congresso Vocacional do Brasil com o tema: “Vocação e discernimento” que, junto com o lema; “Mostra-me, Senhor, os Teus caminhos” (Sl 25,4), nos ajudará a incrementar ainda mais o acolhimento vocacional da vida cristã e as vocações de especial consagração. De certa forma, essas várias vocações são sempre contempladas de modo aprofundado no mês de agosto. Ainda neste ano, esperamos que essa temática contagie a todos com um novo ardor vocacional.
    5. Aqui em nossa Arquidiocese, algumas atividades existentes devem ser impulsionadas. Acreditamos que em todas as paróquias existam vocações sacerdotais. Devemos ajudar no seu discernimento para que descubram o chamado do Senhor e respondam com generosidade. A primeira ordenação presbiteral que conferi como bispo diocesano foi de um antigo vocacionado de minha paróquia. Ele foi recebido para o encontro vocacional no Mosteiro em que eu vivia e, depois das orientações, discerniu que tinha vocação para a vida diocesana. Foi uma bela experiência. Hoje é um bom e animado padre diocesano, muito querido em sua paróquia.
    6. Sabemos que as sementes da vocação estão por toda parte. Às vezes eu me pergunto porque algumas comunidades estão estéreis de vocações há tantos anos e, ao lado, temos comunidades fecundas em santas e perseverantes vocações, muitas vezes numerosas. Peçamos ao Senhor da Messe que envie operários para a vinha do Senhor, mas trabalhemos também para recebê-los, a fim de que todas as nossas comunidades possam ver florescer esse chamado divino. É o que pedimos: de cada comunidade, uma nova vocação!
    7. Embora surjam vocações em todas as idades e situações, e agradecemos a Deus por tão belos sinais, destaco o trabalho com os jovens e adolescentes, e, em especial com os coroinhas, como a possibilidade de uma orientação vocacional, no início genérica, mas também com a proposta clara para pensar na vocação sacerdotal diocesana. Algumas visitas de grupos de adolescentes e jovens aos nossos seminários, sobretudo crismandos, poderiam servir de motivação para conhecerem melhor o itinerário vocacional em nossa Arquidiocese e alguns, inclusive, se o questionarem sobre o seu possível chamado à vida sacerdotal. Rezemos pelos nossos adolescentes e jovens, recitando com fervor a Oração do IV Congresso Vocacional do Brasil:

    Pai Santo,

    “todo dom precioso e toda dádiva perfeita” de ti procedem.

    Teu Filho Jesus Cristo anunciou o teu Reino de amor

    e nos chamou a segui-Lo.

    No Espírito Santo fomos batizados para responder

    generosamente à essa vocação.

    Por isso te pedimos, renova esse convite na Igreja,

    para que adolescentes e jovens possam escutar

    os teus apelos com olhos atentos aos sinais dos tempos.

    Que a Virgem Maria, Senhora Aparecida,

    acompanhe a todos que ouvem a tua voz

    e com ela possam proclamar:

    “Eis-me aqui, faça-se em mim, conforme a tua Palavra”.

    Amém!

    Todos somos chamados a testemunhar

    1. A ajuda concreta no sustento de nossos seminários deve ser uma consequência carinhosa de todos nós que estamos comprometidos em ser a Igreja nesta grande cidade. Creio que o afeto que temos pelos Seminários da nossa Arquidiocese se fará sentir ainda mais efetivo através de um apoio concreto na generosa colaboração com as necessidades dessas casas de formação dos futuros sacerdotes, nas quais grande parte do nosso clero cresceu no seu amor pela Igreja e pelo povo de Deus. O nosso Seminário Arquidiocesano São José tem uma bela história. Fundado em 5 de setembrode 1739 (280 anos), teve várias sedes até chegar ao local de hoje, o Rio Comprido. Atualmente, a ele se unem o Seminário Propedêutico Rainha dos Apóstolos, o Seminário Menor São João Paulo II e o Seminário Missionário Redemptoris Mater. Durante este ano, alguns formadores percorrerão as paróquias para a animação vocacional (já começaram a fazê-lo na Trezena de São Sebastião) e continuarão com os encontros vocacionais em cada vicariato e no Sítio de Itaipava, como já ocorrem há anos. Os seminaristas que participam das celebrações são convidados a fazer o convite para o Ano Vocacional e darem seus testemunhos vocacionais, assim como os sacerdotes nas Missas que celebram, procurando ser um sinal para as futuras vocações. Assim, a unidade arquidiocesana em torno da oração do povo fiel e das celebrações, junto com os testemunhos vocacionais aliados a escritos, livros, reportagens, utilização das mídias digitais, permitirá que esse ano vocacional envolva toda a nossa Arquidiocese e promova essa cultura orante, a fim de que continue a crescer e permaneça sempre como um legado deste abençoado ano.
    2. Nas Dioceses que empreenderam essa caminhada de oração pelas vocações, já ressoa o pedido ao Senhor para que de cada comunidade brote uma nova vocação. Temos certeza de que são muitos os jovens chamados e que necessitam da presença orante de um povo que os ajude a responder seu sim ao Senhor para a vida sacerdotal. Cada comunidade deve se empenhar para que, rezando e pedindo ao Senhor da Messe e Pastor do rebanho, muitos jovens responderão generosamente ao chamado e a comunidade saberá apoiá-los em todos os seus passos.
    3. Diante de um mundo em mudança, a vida do vocacionado ao sacerdócio deve ser, antes de tudo, coerente com o seu Batismo, ou seja, reflita o que é ser um bom cristão, chamado à santidade. Em tempos complexos como os nossos, não podemos nunca prescindir do chamado comum a todos os cristãos: a santidade. Esta é a nossa vocação primordial e essencial. E essa busca de conversão à santidade deverá acompanhar sempre o cristão, seja qual for a sua vocação, em especial, a do sacerdote. Direcionados aos jovens que buscam cada dia corresponder a esse chamado, os encontros vocacionais irão ajudar no discernimento da vocação presbiteral, para que tenhamos sacerdotes santos e felizes dispostos a servir ao nosso povo sedento de Deus.

    Tema e Lema

    1. Para ajudar em nossa reflexão e oração, a Coordenação de Pastoral Arquidiocesana escolheu um tema como norte espiritual: “A alegria de servir no sacerdócio ministerial”. Aqui se concentra, de um lado, a reflexão constante do Papa Francisco, que faz questão de sublinhar o tema da “alegria” em todos os documentos, e também em suas homilias e mensagens. O Santo Padre tem se preocupado em anunciar uma vida cristã onde o querigma nos leva a ser testemunhas alegres de Jesus Cristo, Nosso Senhor. De fato, existem muitos motivos de tristeza e de desânimo em nosso tempo, porém, o cristão, por acreditar naquele que venceu a morte e está Ressuscitado e Vivo entre nós, se transforma, para o mundo, em uma testemunha alegre da Esperança que não decepciona e que supera toda a tristeza: Jesus Cristo (cf. Rm 5,5).
    2. De outro lado, a palavra que merece destaque é o verbo “servir”, pois temos consciência de que o “poder sacerdotal” se revela no serviço aos irmãos (cf. Jo 15,12.14-15). Somos ordenados para ser, no mundo, a presença de Cristo Jesus que veio para servir e dar a vida por muitos (cf. Mt 20,28). Essa consciência nos coloca dentro da única alegria possível ao nosso ministério: a certeza de sermos agradáveis aos olhos de Deus por amarmos o nosso próximo como Ele nos amou, levando-o à santificação e à missão de testemunhar o Ressuscitado. Essa alegria é completamente distinta daquela alegria transitória e egoísta, típica do clericalismo que surge quando um batizado se sente mais digno de algo e de alguma prioridade em relação aos demais irmãos na fé somente pelo fato de estar servindo através de um ministério ordenado.
    3. Nós queremos rezar para que todos os que Deus chamar ao sacerdócio ministerial estejam alegres nesse serviço, por isso o tema recorda que essa alegria de servir é como sacerdote, presbítero! A alegria do padre ao servir os irmãos e irmãs com generosidade contagia a todos e já começa evangelizando pela sua própria postura.
    4. O lema escolhido é “Eis-me aqui, Senhor (Is 6,8) que nos recorda que, através da oração e dos nossos gestos concretos, precisamos motivar os jovens a não terem medo de responder com generosidade e disponibilidade ao serviço do Reino, doando suas vidas por causa do Evangelho. Essa resposta, que encontramos muitas vezes no chamado dos jovens a serem crismados, também se encontra de outras formas por toda a Escritura Sagrada. Profetas, reis, apóstolos, discípulos, patriarcas, de uma forma ou de outra, se colocaram disponíveis para servir o Senhor naquilo que Ele lhes pedia. Nesse sentido, o lema de disponibilidade na resposta generosa do “eis-me aqui” faz com que a alegria de servir no sacerdócio ministerial se difunda.
    5. Em síntese, a nossa oração é para que nós, sacerdotes e fiéis batizados, sejamos, sempre mais, testemunhas da alegria de uma entrega total de vida para a nossa santificação e pelo bem do povo de Deus, cada qual segundo a vocação que o Senhor indicar. Isso não significa não ter cruzes ou problemas, ou deixar de falar deles, mas significa ter a serenidade interior de viver todos os momentos que vierem em nossas vidas à luz da fé, sejam eles bons ou ruins, tristes ou alegres, sem rejeitar nenhum. Quem é chamado à vida nova em Cristo, seja um ministro ordenado ou não, vive nas mãos do Senhor e tudo recebe nesta vida através de suas Santíssimas Mãos, sem nada rejeitar ou repudiar.

    Vocação: Chamado de Deus

    1. O primeiro passo para que possamos suscitar vocações é estabelecer um diálogo profundo e sincero com Deus, através da oração. Como já afirmei anteriormente, o próprio Jesus nos diz: “A messe é grande, mas os trabalhadores são poucos. Pedi, pois ao dono da messe que envie trabalhadores para a sua colheita!” (Mt 9,37-38). Faz-se necessário transformar este convite do Senhor em testemunho público de fé e de obediência, promovendo celebrações nas paróquias, comunidades, santuários, casas religiosas, colégios, enfim, em todos os locais onde atuam nossas pastorais, movimentos e serviços. Junto com essas atividades, também o testemunho vocacional dos padres, diáconos e seminaristas será um belo sinal da ação de Deus em nossas histórias. Assim, dos quatro cantos de nossa Arquidiocese, como num cenáculo, assíduos e concordes na oração, “com Maria, a Mãe de Jesus” (At 1,14), se eleve esta súplica ao céu, para pedir ao Pai aquilo que Cristo nos ordenou. Uma oração cheia de esperança, na expectativa confiante da ação do Espírito Santo. Nestes momentos fortes de oração, Cristo garante que alcançaremos aquilo que pedimos: “Se dois de vós estiverem de acordo, na terra, sobre qualquer coisa que quiserem pedir, meu Pai que está nos céus o concederá. Pois onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu estou aí no meio deles” (Mt 18,19-20).
    2. Pela prática da oração diária, na descoberta da Liturgia das Horas, praticando a “lectio divina” ou leitura orante da Bíblia (leitura, meditação, oração, contemplação, ação) e com o auxílio dos Sacramentos, a comunidade de fiéis é chamada a conhecer, amar e servir a Deus. Na verdade, nesse itinerário de crescimento no amor e no diálogo com o Senhor, que corresponde à vida de santidade, Deus faz o chamado particular para cada pessoa, isto é, uma vocação específica. É o modo próprio de cada um viver essa vida de amor e intimidade com Deus, que se irradia para os irmãos e pode assumir diferentes opções, na busca pela vocação que Deus escolheu para cada pessoa. O Papa São João Paulo II esclarece que “Deus é sempre livre para chamar quem quer e quando quer, segundo a extraordinária riqueza da sua graça, mediante a bondade que teve para conosco em Cristo Jesus (Ef 2,7). Mas, ordinariamente, Ele chama por meio das nossas pessoas e das nossas palavras. Por conseguinte, não tenhais receio de chamar. Descei para o meio dos vossos jovens. Ide pessoalmente ao encontro deles e chamai. Os corações de muitos jovens, e de menos jovens também, estão predispostos para vos ouvir. Muitos deles buscam um objetivo pelo qual possam viver; encontram-se na expectativa de descobrir uma missão que tenha valor, para a ela consagrar a vida. E Cristo sintonizou-os com o seu e com o vosso apelo. Nós devemos chamar. O resto fá-lo-á o Senhor, que oferece a cada um o seu dom particular, consoante a graça que lhe foi concedida (cf. 1Cor 7,7; Rm 12,6)”.[4]
    3. São muitas as ocasiões que a comunidade tem para rezar pelas vocações. Existem grupos especiais que, além da ajuda material aos nossos seminários, também rezam constantemente pelas vocações, como a Obra das Vocações Sacerdotais (OVS), que gostaríamos que já estivesse implantada em todas as paróquias, o Movimento Serra e tantos outros a quem agradeço pelo empenho e unidade. Além da oração pelas vocações encontro também a constante intercessão pela santificação do clero, além do dia específico que ocorre a cada ano, pois faz parte da espiritualidade de nosso povo rezar na intenção de seus padres. Gostaria que se aprofundasse assim mais esse zelo nas preces pelas vocações, pela perseverança dos seminaristas e pela santificação do clero, para que tenhamos bons pastores para o nosso povo. Um livro de piedade vocacional, com orações e cânticos seria desejável par ajudar agora e sempre a oração pelas vocações.

    È Jesus quem faz o convite

    1. Mesmo em meio a uma época conturbada, na qual cresce o individualismo e a mentalidade egocêntrica, que leva as pessoas a acreditarem que a vida vale pelo quanto se possa desfrutar das coisas, pessoas, momentos e oportunidades, o Senhor Deus continua chamando seus filhos para uma aliança de amor com Ele. Ainda existem muitos homens cujos corações estão sedentos por ouvir esse chamado e por viver a vida a partir dessa aliança. Cheio de admiração diante da obra de Deus, agradeço a Ele pelas vocações que surgem de todos os vicariatos de nossa Arquidiocese, porque são jovens e adultos animados e generosos que, com coragem e enfrentando muitas vezes dificuldades, dão o seu “sim”, aberto e alegre, ao Senhor que chama. No entanto, precisamos reavivar em nossos corações a alegria de sermos a voz que serve à Palavra Eterna, colaborando com Nosso Senhor nessa missão. São João Paulo II se dirige aos jovens falando, exatamente, desse “sempre querer chamar” da parte de Deus e encorajando-os a nutrirem um coração interessado pela voz do Senhor: “A nossa vida é dom de Deus. Devemos fazer com ela alguma coisa de bom. Há muitas maneiras para empregar bem a vida, aplicando-a ao serviço de ideais humanos e cristãos. Se eu hoje vos falo de consagração total a Deus no sacerdócio, […] é porque Cristo chama muitos de entre vós a esta extraordinária aventura. Ele tem necessidade, quer ter necessidade, das vossas pessoas, da vossa inteligência, das vossas energias, da vossa fé, do vosso amor e da vossa santidade. Se é para o sacerdócio que Cristo vos chama, é porque Ele quer exercer o seu sacerdócio através da vossa consagração e missão sacerdotal; quer falar aos homens de hoje com a vossa voz; quer consagrar a Eucaristia e perdoar os pecados por meio de vós. Ele quer amar com o vosso coração; quer ajudar com as vossas mãos; e quer salvar com os vossos esforços. Pensai bem nisto. A resposta que muitos de vós podeis dar é dirigida pessoalmente a Cristo, que vos chama para estas coisas grandes”.[5]

    1. Em todo o Brasil, existe um número significativo de jovens que, após fazerem uma experiência de vida com o Ressuscitado, decidem conhecer melhor a Igreja Católica; outros tantos, depois de um tempo de afastamento da vida cristã, por sentirem um forte apelo de seguir ao Senhor, retornam à Igreja e passam a percorrer um caminho de formação com a catequese da Crisma, ou a catequese de adultos. Por certo, esses jovens ainda não conhecem com clareza o que Deus quer deles, mas estão interessados em saber algo a mais a esse respeito; por isso, devem ser acompanhados pela comunidade paroquial local e por um sacerdote experiente que os ajude a crescer na fé e a buscar com maior clareza aquilo que o Senhor propõe para eles como caminho vocacional. Vale destacar também que vários jovens e adolescentes, há anos perseverando na vida cristã como “coroinhas” e catequistas, no amor que sentem pela Igreja, têm procurado escutar com atenção e responder com generosidade ao chamado do Senhor, dando passos importantes em sua decisão vocacional.

    1. É importante assinalar aqui a difusão das chamadas “novas comunidades” de Direito Pontifício aprovadas pelo Dicastério dos Leigos, Vida e Família que despertam em muitos jovens um forte ardor por uma vida de entrega ao Senhor no sacerdócio. Nesse processo de descoberta vocacional e vida comunitária, é fundamental que o jovem siga um caminho de contínuo discernimento da vontade de Deus para entender qual estado de vida o Senhor propõe para ele. Por isso, o discernimento vocacional que é a busca fiel por descobrir a vontade de Deus para a sua vida, a partir do sentido de sua existência no mundo através do batismo, é um passo importantíssimo. As comunidades aprovadas como Associações de Vida Apostólica em âmbito diocesano, ordinariamente, têm seus sacerdotes incardinados na mesma diocese.

    Vocação, chamado de Deus aos homens

     

    1. A vocação sacerdotal é o chamado feito por Deus a homens para que sigam o caminho de amor e intimidade com Ele por meio da oração, obediência e celibato. Na Igreja do Ocidente, esses sinais são fortes testemunhos de entrega total à graça de Deus e a buscar a Deus acima de tudo, entregando a própria vida. Trata-se de uma configuração com Cristo Sumo e Eterno Sacerdote, Pontífice entre nós e Deus, Cabeça do Corpo que é a Igreja (cf. Ef 5,23). Pela ordenação presbiteral, o homem é marcado para toda a eternidade com um selo, um caráter, que o torna ministro de Cristo e, em colaboração com os bispos, passa a ser um dispensador do poder da Graça que Ele conferiu aos seus apóstolos.

     

    1. Esse poder em plenitude é conferido aos sucessores dos apóstolos, que são os Bispos, escolhidos dentre os presbíteros para receberem a ordenação episcopal. Essa, portanto, não é apenas objeto de um discernimento vocacional pessoal propriamente dito, mas é fruto de um discernimento feito pela Igreja, guiado e iluminado pelo Espírito Santo, em relação ao futuro presbítero, o qual, uma vez eleito e respondendo afirmativamente às perguntas da Igreja, será ordenado padre. Os presbíteros são colaboradores dos Bispos e a estes prestam obediência e solicitude filial.
    2. É oportuno recordar que, apesar do chamado à vida sacerdotal ser o mesmo, há diferentes modos de viver a vocação sacerdotal.[6] Alguns, antes do sacerdócio, são chamados a se consagrarem a Deus como religiosos, professando os conselhos evangélicos de pobreza (dispondo a Deus seus bens externos), castidade (dispondo a Deus o seu corpo) e obediência (dispondo a Deus a sua alma, sua vontade). Isso ocorre graças a um especial dom (carisma) conferido por Deus à pessoa, que a leva a viver uma vida de consagração unida a uma “família religiosa” com espiritualidade própria, através do ato público de profissão solene de votos. Por meio desse ato, esses vocacionados tornam-se vinculados a um instituto de vida consagrada ou a uma sociedade de vida apostólica e são chamados de religiosos. Podem atuar diretamente na missão da Igreja pelo mundo, em institutos de vida ativa, ou indiretamente, por meio de uma vida reclusa de oração, como contemplativos em mosteiros. E há também, ainda hoje, quem seja chamado à vida eremítica que, sob o acompanhamento do bispo, vive mais radicalmente a entrega a Deus, que trás consigo uma forte exigência de oração pessoal, silêncio contemplativo, de solidão e penitência.

    1. A maioria dos padres é composta por aqueles que pertencem ao clero da Igreja particular, chamados padres diocesanos ou seculares. O padre secular é aquele que, incardinado numa Arquidiocese, Diocese, Administração Apostólica, Prelazia Territorial ou Pessoal, não faz votos como na Vida Consagrada, mas está a serviço da Igreja particular e depende de seu bispo, a quem deve respeito e obediência, vivendo na unidade da Igreja, como colaborador no pastoreio do povo de Deus. O padre secular vive a castidade como celibatário, que lhe é exigida como norma da Igreja latina, e pratica a pobreza no desapego dos bens, que todo seguidor de Cristo deve viver. Além do trabalho nas paróquias, está aberto ao ensino, acompanhamento, direção espiritual, missões e tantos outros serviços próprios da vida presbiteral.

    O chamado de Deus: exemplo de Abraão

    1. Para falar um pouco mais sobre a vocação ao sacerdócio, vejamos a história do chamado de Abraão, nosso pai na fé. O primeiro “acontecimento vocacional” em sua vida foi aquele direto e imperativo chamado que Deus lhe fez para partir deixando tudo para atrás, quando ele ainda vivia em obediência ao seu pai Taré e se chamava Abrão: “E o Senhor disse a Abrão: ‘Parte para longe de tua pátria, de teus parentes e da casa de teu pai, e dirige-te ao país que eu te indicar. Pois farei de ti uma grande nação, hei de abençoar-te e engrandecer teu nome: sejas tu uma bênção!’” (Gn 12,1-2). O Senhor Deus disse o que Abrão deveria fazer, e o que Ele, Deus, queria fazer na vida de Abrão. Porém, a fala foi sem maiores detalhes, sem particulares e sem pedantismos. O que significa dizer que, por hora bastava para Abrão saber apenas aquilo para tomar a sua decisão. No cumprimento da ordem divina, uma parte da ação caberia a Abrão, em todo o seu ônus (deixar todas as suas referências e seguranças pessoais) e a outra parte caberia a Deus enquanto promessa que era (fazer dele pai de uma nação). Entretanto, tudo o que seria realizado, desde a hora em que Deus falou até o cumprimento definitivo e total da promessa, aconteceria sob a regência da graça de Deus e sua bênção, ou seja, seria o agir de Deus e também o agir de Deus em Abrão. Como dirá o salmista: o falar de Deus é bendito e puro (cf. Sl 18,8; 17,3), e bendito se torna todo aquele que O escuta e coloca em prática a sua Palavra, como dirá o Senhor Jesus aos seus interlocutores (cf. Lc 11,28).

    1. Sabemos que a vocação é um chamado que Deus faz a seus filhos e filhas, um convite configurar-se com Cristo Jesus, tornando-se n’Ele dom para todos os irmãos e irmãs. São João Paulo II nos dirá: “Na origem de todo caminho vocacional está o Emanuel, o Deus-conosco. Ele nos revela que não estamos construindo sozinhos a nossa vida, porque Deus caminha conosco em meio às nossas sucessivas vicissitudes e, se nós o quisermos, tece com cada um uma maravilhosa história de amor, única e irrepetível e, ao mesmo tempo, em harmonia com a humanidade e com o cosmo inteiro. Descobrir a presença de Deus na própria história, não mais sentir-se órfão, mas estar certo de ter um Pai ao qual pode entregar-se completamente: essa é a grande virada que transforma o horizonte simplesmente humano e leva o homem a entender – como afirma a Gaudium et spes– que ele não pode ‘encontrar-se plenamente, a não ser no dom sincero de si’ (n. 24). Nessas palavras do Concílio Vaticano II, encerra-se o segredo da existência cristã e de toda autêntica realização humana”.[7]

    1. A dinâmica de seguir o chamado vocacional que Deus faz não parte de uma vontade meramente humana, da pura racionalidade ou de uma inércia na tentativa de dar uma oportunidade a si mesmo, como se fosse uma resposta para a afirmação: “eu preciso fazer algo da minha vida, vamos ver o que pode ser…”. No testemunho de Abrão fica claro que Deus se dirige a cada um pelo nome, e tem uma proposta e um itinerário já definidos. Em outras palavras, não é apenas um chamado ao qual cada um corresponde do jeito que lhe pareça melhor e mais viável, dentro de suas próprias possibilidades. Quem seria capaz de afirmar qual seria o melhor caminho a seguir? O próprio Abrão? Certamente não. Dentre todas as possibilidades imagináveis e não imagináveis ao homem, Aquele que lhe deu a vida e continua querendo a sua felicidade é o único capaz de apontar qual o caminho a seguir: “Quem sabe o que convém ao homem na sua vida, nestes poucos dias de sua existência vã, por mais que os prolongue como uma sombra?” (Ecl 6,12).

    Escutar a voz de Deus

    1. Outro aspecto do chamado consiste na escuta: Abrão ouve a Deus, que lhe fala. Diante disso, podemos nos perguntar: “Eu escuto a Deus?”; “Ele já me falou?”. O chamado é reconhecido por aquele que faz uma verdadeira experiência com Deus. Ainda que não tenha clareza de como se dará o caminho, permanece na escuta para perceber os passos que deverão ser dados. Note-se que, no primeiro momento, Deus ainda não revela a Abrão todo o projeto que tem para ele, nem as provações e desdobramentos daquele primeiro chamado. “Foi pela fé que Abraão, obedecendo ao chamado de Deus, partiu rumo ao país que lhe caberia em herança. Ele partiu de seu país sem saber para onde ia” (Hb 11,8). Na antiga tradição bíblica, escutar não se limita ao simples ato físico de ouvir o som da voz de alguém que fala conosco. Trata-se de um acolhimento interior da Palavra daquele que fala, um acatamento com o coração, tornando agora sua aquela palavra ouvida. No caso de Abrão, seu ato de escuta é um ato de obediência a Deus, o que significaria tomar uma decisão sobre a sua própria história de vida! Mas por que partir? Como seria? Abrão nem sequer pensava ou planejava tal coisa para si. Contudo, tomando agora essa decisão, a sua vida e o seu futuro ficariam completamente comprometidos e entregues nas mãos de Deus. O próprio Deus seria de agora em diante sua única garantia. Não haveria outra segurança sobre a qual se apoiar a não ser o fato de que Deus, que é fiel, assim o quis e Abrão confiou nele e partiu (cf. Dt 7,9; 1Ts 5,24).

    1. Ensina-nos o Papa Francisco: “Na raiz de cada vocação cristã, há este movimento fundamental da experiência de fé: crer significa deixar-se a si mesmo, sair da comodidade e rigidez do próprio eu para centrar a nossa vida em Jesus Cristo; abandonar como Abraão a própria terra pondo-se confiadamente a caminho, sabendo que Deus indicará a estrada para a nova terra. Esta ‘saída’ não deve ser entendida como um desprezo da própria vida, do próprio sentir, da própria humanidade; pelo contrário, quem se põe a caminho no seguimento de Cristo encontra a vida em abundância, colocando tudo de si à disposição de Deus e do seu Reino. Como diz Jesus, ‘todo aquele que tiver deixado casas, irmãos, irmãs, pai, mãe, filhos ou campos por causa do meu nome, receberá cem vezes mais e terá por herança a vida eterna’ (Mt19, 29). Tudo isto tem a sua raiz mais profunda no amor. De fato, a vocação cristã é, antes de mais nada, uma chamada de amor que atrai e reenvia para além de si mesmo, descentraliza a pessoa, provoca um ‘êxodo permanente do eu fechado em si mesmo para a sua libertação no dom de si e, precisamente dessa forma, para o reencontro de si mesmo, mais ainda para a descoberta de Deus’ (Bento XVI, Carta enc. Deus caritas est, 6)”.[8] Longe de ser um ato irracional, o ato de fé se fundamenta no fato de que, se Deus existe e me chama a algo, segui-Lo é o mais apropriado a fazer, pois Ele não pode se enganar e nem enganar alguém. Pôr-se à escuta, por meio de uma dedicação generosa à oração mental e à leitura das Sagradas Escrituras, é pressuposto indispensável para o discernimento e uma resposta positiva que coloque a pessoa em movimento. Os sinais que o Senhor nos dá varia para cada pessoa e o importante é o discernimento e a abertura para acolher o chamado. Aqui se percebe, também, a importância do Diretor Espiritual.
    2. O profeta Samuel, por exemplo, foi orientado por Eli quando já estava no templo servindo ao Senhor. Eli é claro sobre a necessidade de ajudar o jovem a saber escutar e discernir a voz do Senhor para que possa responder com confiança e generosidade: “Fala, Senhor, que teu servo escuta” (1Sm 3). Assim, muitos jovens necessitam da proximidade de um sacerdote para serem ajudados a discernir o chamado e a responder com alegria ao Senhor que passa em suas vidas.
    3. O discernimento vocacional, em um primeiro momento, é a busca por saber qual é o modo particular de estado de vida que Deus escolheu para uma pessoa desde toda a eternidade e que, portanto, será o seu caminho de plenitude. O discernimento exige um processo de autoconhecimento – momentos de silêncio, de reflexão e de oração – preferencialmente acompanhado por um bom diretor espiritual que ajudará o vocacionado a amadurecer no diálogo com o Senhor.[9] Em outras palavras, trata-se de um processo que ajude o jovem a colocar as perguntas essenciais à sua vida cristã e a buscar respostas que iluminem o seu modo de viver para se tornar mais semelhante ao modo de vida de Jesus. Isso o levará diretamente ao encontro de sua identidade como cristão, como batizado. Logo, a reflexão e o discernimento acerca da própria vocação cristã são válidos para todos aqueles que, sinceramente, se perguntam diante de Deus sobre sua vocação. A partir desse passo, e com o contínuo crescimento na prática cristã de amor ao próximo e de obediência ao Pai, a exemplo de Jesus, é que o Senhor Deus vai revelar o chamado específico à vocação sacerdotal que Ele tenha reservado para alguns rapazes. Tudo começa e se desenvolve a partir do compromisso verdadeiro e sincero de nossa vocação batismal com a vida nova em Cristo.

    1. O processo de discernimento vocacional para o sacerdócio ministerial pode durar alguns anos e deve ser vivido com diligência.[10] O fato de ser Deus a origem do chamado e, portanto, Aquele a quem também compete a iniciativa de indicar o caminho, não exclui a necessidade de a pessoa ser responsável e interessada em buscar ouvi-Lo. “De manhã lança a tua semente e até a tarde não descanse a tua mão, pois não sabes se isto ou aquilo dará resultado, ou se ambos serão igualmente bons” (Ecl. 11,6). Para auxiliar nesse tempo de discernimento é necessário buscar a ajuda de grupos vocacionais e pessoas experimentadas em suas vocações, como testemunho de vida ministerial. Através desses e de outros diversos meios e sinais, o vocacionado vai adquirindo uma certeza moral de qual é a direção a seguir.

    1. Em nossa Arquidiocese, temos os padres nas paróquias para ajudar nesse discernimento e na primeira direção espiritual e, posteriormente, encaminhar os jovens para os grupos vocacionais para serem ajudados mais especificamente no próprio itinerário vocacional. Em cada vicariato temos sacerdotes encarregados de seguir os jovens pelo menos mensalmente, isso porque o discernimento vocacional se realiza em comunhão com a Igreja, pois não se trata de um ato individual de reflexão e decisão privada; se o Pai em Cristo faz o chamado do seio da Igreja e para a Igreja, Ele também confirma o seu chamado através da Igreja e em comunhão com ela. Desse modo, ao longo dos meses, vista a maturidade humana e espiritual do jovem e o seu firme propósito, que são atributos indispensáveis para a confirmação de sua idoneidade, ele poderá passar para o Grupo Vocacional Arquidiocesano (GVA), quando será seguido mais de perto em nosso Seminário, para posteriormente entrar no Seminário Propedêutico Rainha dos Apóstolos, que é o primeiro passo para ingressar no Seminário Maior de São José. Aqueles que ainda não entraram no ensino médio poderão participar do “clubinho vocacional” ou ingressarem nas atividades do Seminário Menor; ambas as iniciativas são destinadas a acompanhar aqueles que sentem essa inquietação vocacional e querem começar a responder ao Senhor desde a sua adolescência.

    1. A história de Abraão ilustra como, após a escuta de Deus, Ele comunica o caminho da vocação por diversos meios e sinais, que vão dando ao vocacionado uma certeza moral de qual é a direção a seguir. Resta, agora, a busca pela concretização desse caminho. Não ignoremos queridos irmãos que para um homem tomar uma decisão, como a tomada por Abrão, ele precisa ter ao coração algumas importantes virtudes: humildade, simplicidade, mansidão e docilidade de espírito, paciência e coragem. Aproveito esse tema para dirigir uma palavra mais direta e formativa aos jovens que sentem no coração um chamado ao serviço do Senhor, recordando o livro do Eclesiástico: “Meu filho, se entrares para o serviço de Deus, permanece firme na justiça e no temor, e prepara a tua alma para a provação; humilha teu coração, espera com paciência, dá ouvidos e acolhe as palavras de sabedoria; não te perturbes no tempo da infelicidade, sofre as demoras de Deus; dedica-te a Deus, espera com paciência, afim de que no derradeiro momento tua vida se enriqueça (…). Aceita tudo o que acontecer. Na dor, permanece firme; na humilhação, tem paciência. Põe tua confiança em Deus e ele te salvará; (…) orienta bem o teu caminho e espera nele (…) esperai em sua misericórdia, não vos afasteis dele, para que não caiais; (…) esperai nele; sua misericórdia será fonte de alegria (…) amai-o, e vossos corações se encherão de luz” (Eclo 2,1-10). Eis aqui a estrada que prepara a alma com as mesmas virtudes que estavam presentes em Abrão para poder escutar e responder à voz do Senhor. Sem essas virtudes ao coração, a nossa tendência é resistir arduamente na hora de se deixar conduzir por Deus. Não se improvisam virtudes, elas precisão ser cultivadas com os bons atos humanos vividos na fé sob a ação da graça de Deus. Deus que resiste aos orgulhosos e que detesta os soberbos (cf. Tg 4,6 e Sl 118,21) ama os homens de coração humilde e cuida de seus passos (cf. Sl 146,6; 118,105). Como foi acenado, no primeiro momento, Deus não revelou a Abrão todo o projeto que tinha para ele, nem as provações e desdobramentos que viriam daquele primeiro chamado. Por isso, como recordará a Carta aos Hebreus, dentre todas as virtudes humanas presentes em Abrão, sobressaiu-se e brilhou como estrela polar aquela virtude teologal fundamental ao coração do homem que ama a Deus: a fé. “Foi pela fé que Abraão, obedecendo ao chamado de Deus, partiu rumo ao país que lhe caberia em herança. Ele partiu de seu país sem saber para onde ia” (Hb 11,8).

    Um chamado à paterna fecundidade!

    1. Quero começar esse tema observando um importante fato: mesmo Abraão não sabendo os detalhes do trajeto, o local onde iria terminar sua jornada e os incidentes que estariam presentes no caminho, Deus já lhe havia dado um direcionamento fundamental em sua promessa – ser pai de uma grande nação: uma vocação à fecundidade. Esse chamado à fecundidade é um aspecto comum que Deus renova em toda vocação específica. Sua universalidade se verifica no próprio relato do Gênesis sobre a criação do homem e da mulher: “Deus os abençoou dizendo: ‘Sede fecundos e multiplicai-vos…’” (Gn 1,28). O versículo bíblico trata de um chamado à vida matrimonial, entretanto, uma vez que também fala da missão de gerar vida e uma posteridade santa, é possível aplicá-lo às vocações sacerdotais, pois recorda ao sacerdote celibatário que o seu amor deve manifestar a sua paternidade no sentido espiritual, conduzindo os homens no caminho da santidade. A fecundidade espiritual gera a vida sobrenatural por meio dos sacramentos e dos cuidados com as realidades espirituais. Isso porque, com efeito, “O discípulo não recebe o dom do amor de Deus para sua consolação privada; não é chamado a ocupar-se de si mesmo nem a cuidar dos interesses de uma empresa; simplesmente é tocado e transformado pela alegria de se sentir amado por Deus e não pode guardar esta experiência apenas para si mesmo: ‘a alegria do Evangelho, que enche a vida da comunidade dos discípulos, é uma alegria missionária’ (Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium, 21)”.[11] Por isso, uma vocação não se torna estéril e egoísta quando vivida em perfeita unidade com o Senhor e a serviço dos irmãos e irmãs.

    1. Aberto à fecundidade do Espírito Santo, o sacerdote celibatário doa-se a ponto de perder a vida pelos seus “filhos na fé”, vivendo Cristo (cf. Fl 1,21), não reservando nada de si mesmo para si, renunciando às prerrogativas de sua própria vontade para fazer sua toda aquela Vontade do Pai em Cristo. Desse modo, o sacerdote passa a ser um dom de amor fecundo, como nos ensina São João Paulo II, na Pastores Dabo Vobis: “No celibato, a castidade mantém o seu significado originário, o de uma sexualidade humana vivida como autêntica manifestação e precioso serviço ao amor de comunhão e de entrega interpessoal. Este mesmo significado subsiste plenamente na virgindade, que realiza, mesmo na renúncia ao matrimônio, o ‘significado nupcial’ do corpo mediante uma comunhão e uma entrega pessoal a Jesus Cristo e à Igreja, que prefiguram e antecipam a comunhão e entrega perfeita e definitiva na vida eterna”.[12] Portanto, a fecundidade paternal deve ser vivida a exemplo do próprio Cristo que em nada resistiu a Vontade do Pai, fazendo-se pão de Vida Eterna para saciar a fome de vida presente no coração dos homens, transmitindo-lhes, através do dom da própria vida, Vida em abundância.

    1. Esta nossa querida e maravilhosa cidade tem um povo de fé que aqui caminha e procura a Deus. No entanto, existem tantos problemas, injustiças, violências e questionamentos que, cada vez mais, percebo como são importantes os padres que exercem com alegria sua paternidade espiritual para com esse nosso povo. A tradição da Igreja que nos coloca nessa direção é muito clara para ser vivida neste “Rio de Deus”, pois Ele habita nesta cidade e quer que Seu povo se salve e tenha a alegria de conhecê-Lo cada vez mais. Rezemos confiante a Oração pelas Vocações Sacerdotais proposta pela Diocese do Funchal:

    Deus Pai, fonte de toda a santidade,

    envia novas vocações à Tua Igreja,

    Servidores generosos da humanidade ferida,

    Evangelizadores entusiasmados e corajosos,

    Pastores santos, que santifiquem o Teu povo

    com a palavra e os sacramentos da Tua Graça,

    Consagrados que mostrem a santidade do Teu Reino,

    Famílias tocadas pela Tua beleza,

    para que, pelo Teu Espírito Santo,

    comuniquem a salvação de Cristo a todas as pessoas da Terra.

    Amém.

    O processo formativo

    1. Voltando à figura de Abraão, à qual tenho me referido frequentemente, vemos que, quando Deus o chamou para partir, não exigiu que estivesse pronto a ser o pai da nação de Israel. Ele ainda não era o homem que deveria ser. Com certeza era um homem justo, de fé e determinação em seguir a Deus, sem se desviar. Mas ainda precisava ser forjado pelos desafios da vida, para que seu caráter se tornasse cada vez mais firme, mediante sua fé e esperança em Deus. “A esperança é expectativa de algo de positivo para o futuro, mas que deve ao mesmo tempo sustentar o nosso presente, marcado frequentemente por dissabores e insucessos. (…) Olhando a história do povo de Israel narrada no Antigo Testamento, vemos aparecer constantemente, mesmo nos momentos de maior dificuldade como o exílio […], a memória das promessas feitas por Deus aos Patriarcas; memória essa que requer a imitação do comportamento exemplar de Abraão, o qual – como sublinha o Apóstolo Paulo – ‘foi com uma esperança, para além do que se podia esperar, que ele acreditou e assim se tornou pai de muitos povos, conforme o que tinha sido dito: Assim será a tua descendência’ (Rm4,18)”.[13]
    2. Diante disso, o medo de responder ao chamado pode assumir em nossa vida uma forma mitigada de respeito humano, que poderá consistir na preocupação e/ou vergonha do que outros poderão pensar ou fazer a nosso a respeito. “O que pensarão de mim?”, “O que dirão meus pais?”, são perguntas que frequentemente podem surgir e que devem servir de motivação para um exame de consciência e um discernimento sério, na disposição de seguir seguro no caminho vocacional, com todas as implicações que decorrerão dele. “Por isso, irmãos, redobrai esforços por tornardes sempre mais segura vossa vocação e vossa eleição. Fazendo isso, jamais tropeçareis” (1Pd 1,10).

    O Seminário é uma parte importante do processo formativo

    1. Fazem parte da caminhada formativa do jovem chamado ao sacerdócio as orientações da “Ratio” que contempla as várias dimensões como a acadêmica, humano-afetiva, espiritual, pastoral e comunitária. Em nossos seminários, após o discernimento vocacional, o jovem que ingressa na formação conta com formadores, diretores espirituais, confessores, professores. Além da vida acadêmica, esportiva, pastoral e religiosa, tem a possibilidade de se encontrar com seu grupo do ano acadêmico, também com as comunidades menores que são acompanhadas por padres e diáconos, bem como com os grupos espontâneos de espiritualidades. Além disso, o processo formativo, com temas que se sucedem e aprofundam a formação, oferecem oportunidade de continuar crescendo nessa etapa. A assistência psicológica também é uma possibilidade sempre presente, assim como momentos de lazer e esportivos.
    2. Na formação pastoral, os seminaristas têm oportunidade de fazer estágios nas paróquias dos diversos vicariatos de nossa Arquidiocese, e também de vivenciarem a pastoral itinerante, quando participam de várias pastorais e movimentos, indo aos locais onde ocorrem as atividades. Outra experiência vem do ano que alguns passam comigo como cerimoniários, que me permite conhecê-los melhor, e lhes dá a oportunidade de conhecer quase todo o território arquidiocesano, no desempenho dessa missão que é um serviço à liturgia episcopal. Eles também podem fazer estágios nos presídios, cúria, mitra, arquivo arquidiocesano, e tantas outras atividades, nas quais podem obter conhecimento sobre a realidade da Igreja que caminha no Rio de Janeiro. A presença junto aos pobres, seja nas pastorais sociais ou na assistência aos moradores em situação de rua, um trabalho específico do seminário, também ajuda a viver o clima de sobriedade e caridade fraterna com os mais necessitados e a trabalhar pela transformação da sociedade.
    3. Tenho ouvido com muita alegria os testemunhos dos diáconos que são ordenados em suas comunidades de origem sobre sua própria vocação, vida e missão. Valeria a pena publicar muitos desses testemunhos vocacionais. Quantos desafios vencidos e como se pode perceber a mão de Deus na vida desses jovens que Ele chamou para seguirem Jesus Cristo no caminho da vida presbiteral! Tenho também observado, ao final de algumas missas, o entusiasmo no testemunho do grupo de cerimoniários que me acompanha, falando sobre o ano vocacional e partilhando suas histórias. Deus seja louvado por tantos belos sinais!
    4. Como meio formativo, outro momento fecundo são as missões do Seminário! Missões que levam os seminaristas a viver com a comunidade visitada, durante o tempo de missão nos vários locais visitados. Além dessa missão oficial do seminário, que ocorre anualmente, muitos seminaristas espontaneamente pedem para fazer missão em outros locais do Brasil ou do exterior. Alguns abrem mão de um ano inteiro de seus estudos para essas missões fora de nossa Arquidiocese. Aprendem desde cedo a viver com alegria a missionariedade, que deverá depois ser uma constante nas suas vidas, como padres.
    5. Em Abrão, encontramos uma atitude com que muitas vezes nos deparamos ao longo do caminho vocacional e à qual precisamos estar atentos. Trata-se da tentação de querer adaptar as circunstâncias do dia a dia, conforme nossa própria iniciativa e querer, baseando-se em raciocínios próprios para cumprir a promessa de Deus. Vejamos a situação do grande Patriarca, que, mesmo tendo recebido o chamado para partir e a promessa de fecundidade, ainda não tinha filhos, sendo sua esposa, Sarai, estéril. Diante da impossibilidade de acontecer uma gravidez e, ao mesmo tempo, preocupados em realizar a promessa da numerosa descendência feita por Deus, Sarai propõe que Abrão gere um filho com a escrava Agar, para que, por meio desta, tivessem uma descendência – e ele consente. Mas não era esse tipo de confiança que Deus esperava dele; os planos de Deus eram outros: “Não será este o teu herdeiro, mas sim um que há de sair de tuas entranhas” (Gn 15,4). E não somente promete uma posteridade com sua verdadeira esposa, mas uma posteridade extremamente numerosa: “‘Olha para o céu e conta as estrelas, se puderes’. E acrescentou: ‘Assim será a tua posteridade’” (Gn 15,5. E, mais uma vez, Abrão confia porque tem fé, tem a certeza das coisas que ainda não vê (cf. Hb 11,1): “Creu Abrão no Senhor, e lhe foi imputado como justiça”(Gn 15,6).
    6. A tentativa de Sarai e Abrão de anteciparem o cumprimento da promessa da descendência, e a atitude de Deus em manter o seu desígnio por um caminho que aparentemente não seria possível para o casal, deve nos fazer lembrar que “não vos compete conhecer os tempos e os momentos que o Pai fixou com sua própria autoridade” (At 1,7). “Como são impenetráveis os seus juízos e incompreensíveis os seus caminhos! Quem pode conhecer a mente do Senhor, ou ser seu conselheiro?” (Rm 11,33-34). É grande demais o mistério da vontade de Deus para que possa ser por nós previsto e calculado. E sua onipotência é a garantia de que Ele pode realizar o que promete. Se Ele chama alguém para uma determinada vocação, também quer instruí-lo e prepará-lo, porque Ele não chama sem que haja um projeto previsto. Por isso, é indispensável àqueles que querem seguir a própria vocação ter uma fé sólida e um coração virtuoso que se deixe guiar pelos sinais e ensinamentos confiados pelo Senhor à sua Igreja como portadora da Sua voz em favor dos batizados.

    1. Um fato que sempre ocorre é o jovem se questionar acerca dos rumos a seguir na vida e qual profissão escolher para se realizar. O que ele tem em mente é um futuro brilhante, com realização pessoal e constituição de família. O jovem olha para as estrelas e se pergunta quais serão aquelas que brilharão como frutos de sua vida; qual será a sua descendência. Nessa dinâmica poderá fazer a experiência de Deus e, após um discernimento, perceber que seu chamado, ou vocação, pode ser para constituir uma família; ou pode ser a geração de numerosos filhos espirituais em uma paróquia, mosteiro, convento ou comunidade de vida fraterna, onde sempre poderá gerar vida. Portanto, desprezar o discernimento vocacional e reduzi-lo ao discernimento profissional implicará em um prejuízo muito grande para a pessoa. Esse tema sobre o discernimento vocacional na juventude foi amplamente aprofundado no Sínodo dos Bispos de Outubro do ano passado que resultou em belas e importantes conclusões já publicadas.
    2. Ao nos chamar, Deus nos enriquece com diversos “talentos” para que os multipliquemos, e possamos entregá-los pelo bem dos filhos e filhas espirituais que Ele nos confia (cf. Mt 25,14-30; Lc 19, 12-27). Contudo, a multiplicação dos “talentos pessoais” não pode ser dissociada da geração de vida, na comunhão com Deus, na ótica do amor a Ele e ao próximo, pois os frutos do trabalho só fazem sentido se proporcionam um verdadeiro compromisso de vida interior. Assim nos ensina São João Paulo II: “O Espírito Santo e a Igreja, sua mística Esposa, repetem também aos homens e às mulheres do nosso tempo o seu ‘Vem!’. Vem ao encontro do Verbo Encarnado, que quer tornar-te partícipe de sua própria vida! Vem acolher o chamado de Deus, vencendo titubeios e adiamentos! Vem e descobre a história de amor que Deus teceu com a humanidade: Ele quer realizá-la também contigo. Vem, e saboreia a alegria do perdão acolhido e dado. O muro de separação que existia entre Deus e o homem, e entre os mesmos seres humanos, foi demolido. As culpas foram perdoadas, o banquete da vida está preparado para todos. Felizes aqueles que, atraídos pela força da Palavra, e plasmados pelos Sacramentos, pronunciam o seu ‘Estou aqui!’. Eles se encaminham pela estrada da total e radical pertença a Deus, fortes da esperança que não decepciona, ‘porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações por meio do Espírito Santo que nos foi dado’ (Rm5,5).”[14]

    Lugar de semeadura

    1. O Seminário é o lugar da chamada formação inicial, onde crescerão as boas sementes do Evangelho, revigorando o jovem em sua escolha de cuidar atentamente do tesouro precioso da vocação, por amor do Reino dos Céus. Assim pode viver cada vez mais uma maior configuração com Cristo Jesus. É um grande dom, e também uma longa caminhada, que não terminará com a eventual ordenação sacerdotal, mas deverá prosseguir por toda a vida.

    1. Para cuidar dessa missão, temos nos Seminários os formadores – padres ou diáconos que se dedicam à formação dos futuros padres – e aos quais agradeço muito pela disponibilidade e empenho. Sei das preocupações que os afligem e como querem fazer o melhor para cuidar, com fidelidade e lealdade, do chamado que Deus realizou na vida de cada jovem.

    1. Realmente é um grande desafio: ajudar no discernimento do plano de Deus para cada um, orientar os que estão no caminho para prosseguirem com entusiasmo na direção correta e corrigir os que, por alguma situação, acabam se acomodando ou se desviando, para que voltem ao caminho de conversão e, consequentemente, também vocacional.
    2. Além do reitor, vice-reitor, diretores espirituais e confessores, os seminários também contam com os prefeitos de cada comunidade para seguirem mais de perto um grupo menor de jovens com os quais estabelecem diálogos e dão a eles orientações. Deus ilumine e conduza sempre mais os formadores, console em suas dificuldades e ilumine em suas decisões! Agradeço a todos de coração!
    3. Em unidade com o Bispo Referencial dos Seminários, a quem desejo expressar minha gratidão, todos os padres também são formadores enquanto testemunhas alegres da vocação, de modo especial aqueles que recebem seminaristas para estágios em suas paróquias. Somos responsáveis por esse itinerário, inclusive os leigos e leigas que rezam nessa intenção e valorizam a vocação sacerdotal.

    Deus comunica a sua vontade

    1. Muitas vezes Deus se utiliza de intermediários para comunicar sua vontade a uma pessoa. Santa Teresa de Jesus, grande carmelita mística e doutora da Igreja, afirma que os convites e vozes do Senhor para aqueles que, vivendo em meio ao mundo, decidem se aproximar dele por meio de uma vida de oração séria, não são fenômenos místicos extraordinários, mas “são palavras que se ouvem de gente boa, ou sermões, ou leituras de bons livros e outras coisas que nos são ditas em determinadas ocasiões, das quais Deus se serve para nos chamar. Ou ainda doenças, sofrimentos, e também certas verdades que ele nos ensina nos momentos passados em oração”.[15]
    2. Aquele que se põe à escuta de Deus, buscando descobrir Sua vontade, tem de considerar que Sua voz pode vir abafada por ruídos vindos do mundo, que inculcam valores e desejos muitas vezes opostos à vontade divina, como também podem vir de ruídos do próprio interior da pessoa; seus gostos, inclinações, desejos, concupiscência, que se opõem a inspiração divina, quase sempre gratificando em satisfações e conforto os próprios interesses pessoais.[16]

    1. Recuperando o exemplo de Abrão, Deus mais uma vez lhe falou, aos 99 anos, ou seja, treze anos após o nascimento de seu filho com a escrava Agar. Depois desse longo percurso, Deus não só reafirma a vocação à fecundidade, mas promete que o casal gerará uma linhagem de reis. O Senhor muda o nome de Abrão para Abraão: o nome que significa “pai de muitos” agora é trocado por um que significa “pai de uma multidão”. A mudança do nome implica em uma mudança decisiva na vida de Abraão. Deus confirma que Ele mesmo realizará em sua vida a promessa que fez.

    1. A concretização do chamado a Abraão ocorre quando ele se torna pai de Isaac: “O Senhor visitou Sara, como havia dito, e cumpriu o que prometera. No tempo marcado por Deus, concebeu ela e deu a Abraão um filho, embora estivesse ele já muito velho” (Gn 21,1-2). Em seu tempo de vida, ele terá Isaac como único filho com Sara, e, por meio desse filho, a promessa de Deus se realizará, resultando em uma linhagem de reis, até o nascimento daquele que é o Rei dos Reis, Cristo Jesus. Observando-se, porém, a trajetória de Abraão, pode-se dizer que a concretização de uma posteridade numerosa como as estrelas não foi vista por ele e por sua esposa. “Todas essas pessoas morreram com fé, sem terem recebido os bens prometidos. Mas os viram de longe e os saudaram. E confessaram que eram estrangeiros e andarilhos por este mundo” (Hb 11,13).

    Crer e pôr-se a caminho!

    1. Desde o primeiro chamado, quando Abraão estava em Haran, seguindo pelo caminho até o nascimento de Isaac, o patriarca foi recolhendo frutos de sua jornada. Ainda que não tenha visto o povo hebreu povoar o território, nem o surgimento da realeza de Israel, e muito menos o reinado de Cristo, Abraão foi construindo altares para Deus, fazendo sacrifícios em oferta; intercedeu em favor de seu povo; ajudou sua parentela. Esses sinais confirmam o caminho seguido e revelam que, se por um lado há diferença entre vocação e missão, na verdade a relação entre elas é intrínseca. A vocação é o modo que Deus escolheu para a pessoa se unir a ele e ser plena, e a missão é a atualização da vocação em cada momento da vida, ou seja, é a expressão do chamado no tempo presente.
    2. A vocação/missão se inicia quando a pessoa decide pôr-se a caminho, na escuta de Deus, e só estará plenamente realizada na eternidade, quando todos os frutos, todas as estrelas, toda a posteridade, estiverem completos. De fato, cada vocação possui uma perspectiva escatológica: na medida em que vamos seguindo o caminho de nossa vocação, realizando a obra que o Pai nos confiou, na esperança dos bens futuros, vamos cooperando com a nossa salvação (cf. Fl 2,12).[17] “Assim, ‘enquanto habitamos no corpo, vivemos no exílio longe do Senhor’ (2Cor 5,6) e, apesar de possuirmos as primícias do Espírito, gememos dentro de nós (cf. Rm 8,23) e suspiramos por estar com Cristo (cf. Fl 1,23)”.[18]
    3. Abraão, ao pôr-se a caminho e crer naquilo que Deus lhe dizia, respondia positivamente ao chamado: seria contraditório partir em um sentido e dar respostas opostas nas etapas sucessivas desse caminho, como se não houvesse um destino claro que o levasse de Haran até Canaã, ou da infertilidade à fertilidade. Cada passo reflete a orientação seguida no decorrer da resposta a ser dada.
    4. Verifica-se na vida de Abraão que, após a aliança e o cumprimento do início da promessa de posteridade, Deus o põe à prova em seu amor e em sua confiança pedindo a vida de seu filho Isaac. Deus não quer perder o coração de Abraão, pois Ele é zeloso por aqueles que ama. O pedido de Deus tem um valor formativo e medicinal: formativo porque recorda ao homem sobre a sua condição de criatura que deve render culto ao seu Criador e viver em justiça, seguindo o Seu falar, pois Aquele que escolheu, também chamou e guiou os passos, e fez uma aliança de ser o Deus de muitas gerações. Ao mesmo tempo é medicinal porque Deus sabe que, com grande facilidade, o homem termina por amar mais a si mesmo e aquilo que recebeu do que o próprio Deus, pois, como os nossos primeiros pais, o homem procura ser senhor de sua própria verdade e de sua própria vida (cf. Gn 3,1-6). “Toma teu filho, teu único filho, que tanto amas, Isaac, e vai à região de Moriah e lá oferecê-lo-ás em holocausto sobre um dos montes que te indicarei” (Gn 22,2). Eis o grande momento de Abraão renovar o seu amor. Deus que pedagogicamente pede, não tem medo de fazê-lo sofrer a angústia da perda, porque Ele é o Senhor do encontro e da vida. No ato de obediência a Deus de Abraão, se revelará a vida em abundância, a vida do Eterno. Só Deus pode dar e manter a vida e ninguém mais. Se de tudo o que de graça recebeu retiver para si alguma coisa, isso não permanecerá em vida pois o homem por si mesmo não consegue manter nada em vida. Tudo morrerá e se perderá, e levará consigo também o coração do homem que retém. Porém, tudo aquilo que o homem perder pela Palavra de Deus viverá eternamente. Deus sabe o que pede a Abraão e ele precisa dar esse passo. Deus não duvida de sua obediência porque recebe cada ato do homem, mas Abraão precisa crescer e tornar-se forte em seus atos até que seu coração não mais oponha resistência a Deus. Por isso, por amor a Abraão, Deus, em sua infinita bondade e paternidade, o colocará à prova, quantas vezes for necessário, para que cresça no amor e na confiança e não se esqueça de que, no início de tudo, ele entregou a sua vida em Suas mãos. O amor de Abraão por Deus se revelará em sua livre escolha por obedecer mais uma vez a Sua voz, entregando a Ele aquilo que mais amava: seu filho Isaac. O amor de Abraão ganhou forma estética e plasmou-se como exuberante virtude divina em sua história e em sua alma, através da obediência a Deus.

    1. O sacrifício de Isaac, ainda que não consumado, é prefiguração do sacrifício redentor de Cristo, que será levado a cabo no Monte Calvário como salvação para o mundo. Encontramos aqui o sentido da renúncia na vivência da vocação. “Jesus disse a seus discípulos: ‘Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me, pois, quem quiser salvar a sua vida vai perdê-la; mas quem perder a vida por amor de mim vai encontrá-la de novo’” (Mt 16,24-25). Na vocação sacerdotal, o sacrifício é uma realidade que se tornará profícua quando vivida em comunhão com Deus.

    A aventura do seguimento

    1. Como acabamos de ver, Abraão é um exemplo de homem fiel a Deus, que, escutando, decide seguir aquilo que Deus lhe determina. Nos dias de hoje, são tantos os interesses individualistas e pessoais que se multiplicam no coração dos homens: tudo se quer, tudo se pretende, nada se renuncia a não ser que seja para recuperar com lucro mais tarde. Com um coração assim, refém das próprias paixões, o homem empreende uma luta cega acreditando na grande falácia de que “querer é poder” sem encarar o fato que o querer do homem que não tem temor a Deus e não obedece sua Palavra o leva a realizar a própria morte eterna e a morte de muitos outros irmãos, e, desta luta, nada se constrói. Sem a devida purificação interior para abandonar esse tipo de mentalidade e superar essas paixões desordenadas, nenhuma vocação se sustentará no tempo como algo agradável aos olhos do Pai. A vida dos santos atesta como isso é importante: eles foram homens e mulheres que empreenderam um caminho de purificação e discernimento de maneira séria.

    O testemunho do profeta Jonas: a missão de santificar e a renúncia de si mesmo

    1. A necessidade de se corresponder ao chamado e de purificar o próprio querer, renunciando ao ímpeto das próprias paixões, pode ser posta em evidência na história do profeta Jonas. Deus mandou que ele saísse de sua terra e fosse a Nínive, a fim de alertar os habitantes de suas maldades, para que se convertessem. Jonas, porém, se pôs a caminho, não para seguir o que foi proposto por Deus como fez Abraão, mas, para fugir de Sua presença, na direção contrária ao Seu querer. Jonas seguiu suas paixões. Assim, na vida, alguns podem ser tentados a fugir de Deus, seja por medo, comodismo ou por discordância da misericórdia de Deus, como foi o caso de Jonas, ignorando a importância de ouvir a voz de Deus e de segui-la. Fogem para um outro “modo de viver a vida”: por eles mesmos e como querem.

    1. Deus não se intimida ou se desespera com a impiedade e a resistência do profeta a sua Palavra. Ele, que em seu amor queria ganhar a inteira Nínive para si, como poderia aceitar perder a Jonas por sua desobediência? Deus não salvaria Nínive sem salvar também a Jonas. Uma inteira cidade foi caminho de conversão para a vida de um único homem (cf. Is 43, 1-6). Jonas, que fora chamado para ser profeta de Deus por Nínive, através do testemunho de Nínive foi salvo da morte pelo ressentimento e a ira que ainda condenavam o seu coração, mesmo enquanto agia como profeta de Deus. A cidade de Nínive foi na vida de Jonas uma profecia do amor de Deus por ele. Quando Jonas decididamente segue uma direção contrária a Deus, desencadeia-se uma verdadeira turbulência em sua vida: “Mas o Senhor desencadeou sobre o mar um vento violento, e houve uma grande tempestade no mar, a ponto de o navio querer despedaçar-se” (Jn 1,4). As coisas começam a não dar certo. O mar agitado bem pode ser figura do homem interior que, quando agitado, impede a pessoa de encontrar a paz e o ordenamento importante para uma vida feliz. As agitações interiores também afetam os demais ao seu redor. Os marinheiros, por exemplo, que levavam Jonas são afetados pela decisão do profeta, por sua oposição a Deus, pois a turbulência acaba atingindo a todos. A vida e o chamado que Deus faz a cada um é importante não só para o bem da pessoa em questão, como também para a sociedade como um todo.

    1. Após Jonas ter confessado o seu pecado e ser vencido por Deus, o Senhor, pela segunda vez lhe dirige sua palavra, dizendo: “Levanta-te, disse ele, vai a Nínive, a grande cidade, e transmite a ela a proclamação que eu vou te dizer” (Jn 3,2). Dessa vez, Jonas se levanta e vai, segundo a ordem dada por Deus. Vai tornar-se instrumento de salvação para toda a cidade, que se converterá e que se tornará instrumento de salvação de Deus por Jonas. Aqui mais uma vez se vê a fecundidade que existe quando Deus chama alguém e essa pessoa se deixa conduzir por Ele. Por isso, uma vocação vivida de maneira egoísta, ou uma vocação mal discernida, ou vivida em proveito da própria vontade e bem-estar, sempre será danosa para si e para os outros.

    1. Confiante neste Deus que nos conduz, rezemos pelas vocações:

    Senhor da messe e Pastor do rebanho,

     faze ressoar em nossos ouvidos Teu forte e suave convite;

    “Vem e segue-me!”;

    Derrama sobre nós Teu Espírito;

    Que Ele nos dê sabedoria para ver o caminho

    e generosidade para seguir Tua voz.

    Senhor, que a messe não se perca por falta de operários.

    Desperta nossas comunidades para a missão.

    Ensina nossa vida a ser serviço.

    Fortalece os que querem dedicar-se ao Reino,

    na vida consagrada e religiosa.

    Senhor, que o rebanho não pereça por falta de pastores.

    Sustenta a fidelidade de nossos bispos, padres, diáconos e ministros.

    Dá perseverança a nossos seminaristas.

    Desperta os nossos jovens para o ministério pastoral em Tua Igreja.

    Senhor da messe e Pastor do rebanho,

    chama-nos para o serviço do Teu povo.

    Maria, Mãe da Igreja, modelo dos servidores do Evangelho,

    ajuda-nos a responder ‘SIM’.

    Amém.

     

    Oração: intenso diálogo com Deus

    1. Para aquele que sinceramente quer ouvir a voz de Deus, alguns aspectos podem ser aprendidos, tanto acerca do modo de rezar quanto do modo de discernir a origem de pensamentos, inclinações etc., em um processo que se chama discernimento dos espíritos.[19] Neste sentido, São João Paulo II exorta aos jovens: “Escrevi a vós, jovens, porque sois fortes, e a palavra de Deus habita em vós e vencestes o maligno (1Jo2,14). O mistério do amor de Deus, ‘escondido desde a origem até as gerações (passadas)’ (Cl1,26), é agora revelado a nós na ‘linguagem da cruz’ (1Cor 1,18) que, habitando em vós, queridos jovens, será a vossa força e a vossa luz, e revelar-vos-á o mistério do chamado pessoal. Conheço as vossas hesitações e as vossas dificuldades, às vezes vos vejo desorientados, compreendo o temor que vos assalta perante o futuro. Mas também tenho na mente e no coração a imagem festiva de tantos encontros convosco nas minhas Viagens apostólicas, durante as quais pude constatar a sincera busca de verdade e de amor que reside em cada um de vós. O Senhor Jesus fincou a sua tenda no meio de nós, e dessa morada eucarística ele repete a cada homem e a cada mulher: ‘Vinde a mim, todos vós que estais aflitos sob o jugo, e eu vos aliviarei’ (Mt 11,28). Queridos jovens, ide ao encontro de Jesus Salvador! Amai-o e adorai-o na Eucaristia! Ele está presente na Santa Missa, que torna sacramentalmente presente o sacrifício da Cruz. Ele vem a nós na santa comunhão e permanece no tabernáculo das nossas igrejas, porque é nosso amigo, amigo de todos, especialmente de vós, jovens, tão precisados de confiança e de amor”.[20]
    2. Acerca do modo de oração, temos uma mestra em Santa Teresa de Jesus (ou de Ávila). Ao comparar nossa alma a um castelo onde reside o Rei, ela afirma que “… a porta para entrar neste castelo é a oração, a meditação. Não digo oração mental mais que vocal. Para ser oração é necessária a reflexão. Não chamo oração mexer com os lábios sem pensar no que dizemos, nem no que pedimos, nem quem somos nós, nem quem é Aquele ao qual nos dirigimos”.[21] Para que essa meditação ocorra, se faz necessário um tempo mínimo adequado, podendo se iniciar com auxílio de alguma leitura piedosa ou das Sagradas Escrituras.
    3. Um possível método de oração mental consiste em preparar com antecedência o conteúdo que será tratado na oração (seja nas Escrituras Sagradas, seja em um livro espiritual). No início da oração, começa-se pelo autoconhecimento: a consideração de quem sou, a quem estou me dirigindo e como devo me dirigir a Ele. Em seguida, a pessoa se coloca em silêncio na presença de Deus. Nesses momentos é importante dizer a Nosso Senhor como está se sentindo e o que lhe ocupa a mente e o coração, como quem conversa com um amigo. Durante a oração (colóquio) que se estabelece com o Senhor, pode-se render homenagens à Sua grandeza e majestade, confrontando com a própria vida a palavra que se lê: pode ser acerca de uma determinada virtude, ou acerca das deficiências neste ponto ou naquele, ou, ainda, acerca de eventos ocorridos na vida de Cristo. Por fim, conclui-se com ação de graças pelos benefícios recebidos e também pode-se rever os passos da meditação, a sequência de pensamentos, sentimentos etc., que foram surgindo.
    4. A mensagem de Deus para a alma humana, sem considerar fenômenos místicos como visões e locuções, consiste em qualquer moção especial que Deus faz no íntimo do espírito.[22] Dentre as diversas maneiras que o Espírito Santo tem para agir em nós, em todas Ele nos move ao que é verdadeiro, honesto e santo, dependendo das disposições de cada um, obviamente. Assim é que, às vezes, Deus pode iluminar a inteligência com a compreensão de algo a se acreditar, mas não mover a vontade da pessoa para executar o que conhece como sendo obrigatório; ou pode ocorrer o contrário, quando a vontade é movida a querer o bem, a ter devoção e ardor, ainda que não se receba a luz de como pô-lo em prática. Outra razão da diferença no modo de agir nas almas é a variedade das capacidades e características das pessoas: aos mais cultos e literatos, o Senhor ilumina com verdades, ao passo que os devotos e simples são mais propensos aos impulsos dos afetos do Espírito.
    5. Em particular, quando se trata de vocação sacerdotal, nota-se que, por vezes, o Espírito nos move a desejos de superar as coisas do mundo, de empreender uma vida santa, de buscar a salvação das almas, a conversão dos pecadores e outras situações. Tais desejos podem ser suscitados por Deus sem que venham acompanhados de uma clareza quanto ao lugar ou estado específico para se concretizar isso. Nessas situações, cabe a oração constante e confiante, que pede a Deus o conhecimento da Sua vontade acerca desses aspectos particulares ou mesmo a entrega do próprio caminho, suplicando que seja tomado por Ele. Deste modo, confrontando-se com o diretor espiritual, o vocacionado não virá a se desviar de seus desígnios de salvação, de sua vontade eterna e amorosa.

    A Direção espiritual

    1. Um segundo aspecto para se discernir a voz de Deus é a busca por pessoas conhecedoras das realidades espirituais, que sejam bem formadas e discretas, para que, partilhando as moções do Espírito Santo na alma, seja possível receber seus conselhos. Essa é a dinâmica da direção espiritual. Deus, por vezes quer mostrar por intermédio de seus ministros ou dos próprios eventos, que vão se sucedendo na vida da pessoa, como podem servir como sinais do caminho a seguir. Interessante notar casos assim nas Escrituras, como, por exemplo, Cornélio, ao ouvir diretamente de um anjo que São Pedro deveria ser chamado para instruí-lo (cf. At 10,4-6), ou mesmo São Paulo que, no caminho para Damasco, ouve Jesus lhe dizer para entrar na cidade pois lá lhe seria dito o que fazer (cf. At 9,6).
    2. Algumas vezes, Deus pode mover a alma a se sentir inclinada para algo que não deve ser executado, como foi o sacrifício de Isaac pedido a Abraão. Em casos assim, Deus quer a vontade e não o efeito. Por isso, pode haver erro no discernimento vocacional quando sentimentos assim, queridos por Deus para talvez motivar as pessoas a uma vida de maior entrega, são entendidos como sinais de uma outra vocação. Daí a necessidade do acompanhamento dos grupos vocacionais, dos diretores espirituais etc. O Papa Leão XIII, tratando sobre o tema, nos ensina: “Deus dispôs que, de forma ordinária, os homens se salvem com a ajuda de outros homens; e assim, aos que Ele chama a um grau mais alto de santidade lhes proporciona também quem lhes guie até esta meta”.[23]
    3. Os sinais do Espírito de Deus nas almas são: paz, quietude, tranquilidade, suavidade. Quando nos afastamos dele, pelo pecado, experimentamos remorso, medo da morte, do juízo de Deus e do inferno. O inimigo, por sua vez, age de modo oposto: com as almas justas, ele atua de maneira turbulenta e feroz (escrúpulos, perturbações, angústias, etc.). Comunica falsas percepções, como a de que Deus pode ser implacável, que a virtude é impraticável ou que a caminhada da vida cristã é exigente como uma subida a um monte inacessível. Tudo isso pode fazer com que o fiel se retire do caminho ou siga por ele com tédio e lentamente. Já com os pecadores, o maligno é condescendente, proporcionando doçura e prazer, retirando o remorso da consciência e suscitando uma esperança que não possui fundamento. Assim, vivem uma falsa paz que os deixa adormecidos na culpa.
    4. É fundamental ressaltar a importância da Direção Espiritual também para aqueles que já se encontram no exercício do ministério ordenado. São João Paulo II, ao tratar da formação permanente dos sacerdotes, argumenta: “Também a prática da direção espiritual contribui muito para favorecer a formação permanente dos sacerdotes. É um meio clássico, que nada perdeu do seu precioso valor, não só para assegurar a formação espiritual, mas ainda para promover e sustentar uma contínua fidelidade e generosidade no exercício do ministério sacerdotal. Como então escrevia São Paulo VI, ‘a direção espiritual tem uma função belíssima e pode dizer-se indispensável para a educação moral e espiritual da juventude que queira interpretar e seguir com absoluta lealdade a vocação da própria vida, seja ela qual for, e conserva sempre uma importância benéfica para todas as idades da vida, quando à luz e à caridade de um conselho piedoso e prudente se pede a comprovação da própria retidão e a ajuda para o cumprimento generoso dos próprios deveres. É meio pedagógico muito delicado, mas de grandíssimo valor; é arte pedagógica e psicológica de grande responsabilidade para quem a exerce; é exercício espiritual de humildade e de confiança para quem a recebe’”.[24]

    O chamado dos apóstolos – Lc 5, 1-11

    1. Nesta passagem do Evangelho de Lucas, Jesus se encontra perto do lago de Genesaré. Após entrar na barca de Pedro e se afastar um pouco da terra, ele se senta, ensina a multidão e, quando acaba, diz a Pedro e aos outros que estavam com ele para que lancem as redes. Este responde que tinham trabalhado a noite inteira sem sucesso, mas que, somente em atenção ao pedido de Jesus, lançariam as redes. Quando o fazem, apanham uma quantidade de peixes tão grande que as redes se rompiam. Diante disso, Pedro, em um ato de fé, ajoelha-se diante de Jesus e lhe diz: “Afasta-te de mim, Senhor, porque eu sou um pecador!” (Lc 5,8). Mas Jesus diz a Pedro: “Acaba com esse medo! De agora em diante serás pescador de homens!” (Lc 5,10). Com esse chamado, “então, eles arrastaram as barcas para a praia e, deixando tudo, o seguiram!” (Lc 5,11).
    2. Jesus fez um convite ao discipulado para uma missão particular – serem pescadores de homens, e eles respondem deixando tudo e partindo em companhia d’Ele. Jesus é o modelo da vocação dos apóstolos. Ele próprio fará deles pescadores de homens; é Jesus o pescador de homens que ensinará seus discípulos, que foram “pescados por Ele”, a serem também estes pescadores de homens. Realmente, neste caso, só quem foi pescado poderá ser tornar pescador. Exausto de lutar pela vida, o peixe se entrega ao pescador. Que bela imagem essa: após lutar contra Deus, o homem se entrega em rendição a Ele, e não encontra a morte, mas recebe uma nova vida. Seduzido pela isca ou cercado pela rede, o peixe lamenta como uma pena de morte a sua incapacidade de manter-se em vida, e luta contra aquilo que parece ser uma agressão da parte do outro, mas no caso da pesca realizada por Deus, não se trata de uma pesca para a condenação mas para a vida. Não foi sem razão que repetimos várias vezes que o discernimento vocacional e o seguimento do caminho devem ser vividos na relação pessoal com Cristo, presente na Palavra, nos Sacramentos, na Eucaristia, na companhia do diretor espiritual e na comunhão entre os batizados na fé da Igreja; sem esses elementos não há como nutrir uma verdadeira relação pessoal com Cristo e não será possível aprender a ser pescador de homens como o Senhor é pescador. Na formação do seminário, por exemplo, os formadores são aqueles que, vivendo em relação pessoal com os seminaristas e com Nosso Senhor, os ensinam a viver como Jesus viveu, através dos seus atos como homens de fé, batizados e consagrados pela unção sacerdotal, mostrando um exemplo próximo e concreto de uma vida que se deixa plasmar pelo Espírito Santo em Cristo.

    – A vocação só frutifica em Deus

    1. Os frutos de uma vocação dependem da correspondência aos planos de Deus, afinal, tudo será ensinado por Cristo, aprendido em Cristo e praticado em comunhão com Cristo. Desse modo, fora daquilo que Ele ensinou não há nada que seja agradável aos Seus olhos, porque tudo que recebeu do Pai Ele nos transmitiu. Fora d’Ele restará somente aquilo que é do homem e que necessariamente será pecado. Não há um modo de viver a vocação e o exercício missionário da própria vocação como algo auto-referencial. Isso é completamente desagradável aos olhos de Deus. Ainda que o indivíduo quisesse acreditar que possui a autonomia de determinar seu caminho, tudo aquilo que for alheio à vontade do Senhor e ao modo como Jesus nos ensinou a viver não alcançará a plenitude de que seria capaz e estará condenado à ruina ao longo do tempo. Mesmo totalmente sob a vontade do Pai, não será uma tarefa fácil, mas se torna possível porque é Palavra e mandamento divino, e só se realizará no coração daqueles que confiam em Deus e encontram a sua força no Senhor. A força de Deus se manifesta em nossa fraqueza humana somente quando trilhamos o caminho da humildade e do abandono a Ele.

     

    1. Assim como Jesus muitas vezes sobe o monte e se afasta da multidão, o vocacionado, para dar continuidade à sua missão como um apóstolo, também deve se afastar daquilo que o oprime, impedindo-o de compreender a dinâmica do chamado. Pois o sacerdote “é tomado dentre os homens e designado para servir a Deus em favor deles” (Hb 5,1).

     

    Guiados pelo Espírito Santo

    1. A força do Espírito Santo e a graça que são conferidas ao sacerdote com o sacramento da Ordem, colocam-no num estado de vida diferente dos demais homens. Na vivência da vida sacerdotal, serão de grande valia todo progresso nas dimensões humana, espiritual, intelectual e pastoral, adquirido com os anos de formação. O mundo oferece muitas provações e ocasiões de afastamento do caminho pensado por Deus, mas, fortalecido por todos os dons recebidos, perseverante na oração e na direção espiritual e fiel à missão que lhe foi confiada, tudo será superado pelo sacerdote. Certamente, poderá acontecer uma situação na qual alguém sofra a queda não somente com relação ao pecado, mas ao esfriamento do amor que um dia o impeliu a seguir Cristo. O que fazer? São João Paulo II nos ensina: “A oração ajuda-nos a crer, a esperar e a amar, mesmo quando a isso se opõe a nossa fraqueza humana. A oração permite-nos, ainda, redescobrir continuamente as dimensões daquele Reino, cuja vinda suplicamos todos os dias, ao repetir as palavras que Cristo nos ensinou. Damo-nos então conta do nosso lugar na realização desta petição: ‘Venha a nós o vosso Reino’. Vemos assim quanto somos necessários para que ela se torne realidade. Talvez, ao rezar, descobrimos mais facilmente aqueles ‘campos que já branquejam para a ceifa’ (Jo 4,35) e compreendamos melhor o significado das palavras que Cristo pronunciou ao entrevê-los: ‘Rogai, pois, ao Senhor da messe que envie trabalhadores para a sua messe’ (Mt 9,38).”[25]
    2. A vocação ao sacerdócio diocesano não é um chamado a levar uma vida como se fosse um leigo diferenciado por causa de suas funções sagradas. Tampouco é um chamado para viver uma santidade restrita ao próprio juízo que não precisa de mortificação e de ascese, e que não se faça ver através de seus gestos e escolhas na vida pública e privada. Como já afirmei anteriormente, todos os fiéis batizados, cada um a seu modo, são chamados à santidade, que pressupõe como etapa inicial determinação na escolha de mortificar as paixões desordenadas por amor de Cristo. O sacerdote que vive em meio ao povo para servi-lo como Cristo Bom Pastor deve desenvolver virtudes e qualidades que o farão diferente dos demais homens por causa de suas escolhas feitas por amor deles, e assim se tornará sal da terra e luz do mundo. “Mas se acaso o sal vier a perder o sabor, com que poderá recuperá-lo? Não serve mais para nada. É jogado fora e pisado pelos homens” (Mt 5,13).

    1. Na vocação religiosa, por sua vez, esse “distanciamento da terra” deve ocorrer tanto na vida ativa quanto na contemplativa, cada uma a seu modo. Pois ser religioso consiste no dom de viver os conselhos evangélicos de pobreza, castidade e obediência, mediante a vivência de uma regra aprovada e um carisma próprio. Trata-se de um caminho de perfeição oposto aos valores que a cultura atual propõe, tornando-se sinal escatológico da vida eterna. Aqueles que seguem pela vida contemplativa, conforme indica São João Crisóstomo, possuem a facilidade de ter menos ocasiões de queda, dado que estão fisicamente mais distantes da vida do mundo, porém, ele reconhece que o corpo tem maior participação na luta cotidiana, diante das austeridades às quais está sujeito. Além disso, como nos lembra o Concílio Vaticano II, “embora algumas vezes não se ocupem diretamente dos seus contemporâneos, têm-nos presentes, de modo mais profundo, nas entranhas de Cristo e colaboram espiritualmente com eles a fim de que a edificação da cidade terrena se alicerce sempre no Senhor e para ele se oriente, de modo a não trabalharem em vão os que a edificam”.[26] Quando o religioso é chamado ao sacerdócio, com maior razão a perfeição deve ser percorrida com radicalidade. Nos tempos atuais de secularismo e mundanismo, os riscos de queda aumentam e, portanto, deve-se estar mais vigilante.

    1. Ao comparar o sacerdócio à vida eremítica, São João Crisóstomo afirma que é de se admirar mais o sacerdote que se dedica “às massas populares, obrigado a ver e suportar os delitos de tantos e, não obstante, continuar firme, dirigindo sua alma através das tempestades como se fossem calmarias”.[27] “Pois quem estiver com o leme do navio dentro do porto, não dará prova de sua capacidade; contudo, quem em alto-mar, em meio à tempestade, souber dirigir e salvar o navio, este sim, será considerado timoneiro apto e seguro”.[28]

    Virgem Maria, modelo de vocação para a Igreja

    1. Ao meditamos sobre as vocações, não podemos esquecer da Virgem Maria. Ela que é “membro supereminente e absolutamente singular da Igreja”, é também seu “protótipo e modelo acabado”.[29] De fato, na perspectiva do caminho vocacional, Maria escuta o anúncio do Anjo Gabriel e dá o seu “sim” para o projeto de Deus, ainda que não vislumbrasse como ele se realizaria. Em nenhum momento procura interferir nos planos de Deus para seu Filho ou para si mesma, mas se coloca totalmente disponível, guardando e meditando todas as promessas em seu coração (cf. Lc 2,19). Em tudo aprendeu e cresceu iluminada e guiada pelo Espírito Santo através da obediência a Deus pela escuta atenta e o silêncio interior.

    1. Maria também é modelo do cumprimento de ambas as vocações, a celibatária e a matrimonial, pois é Virgem e Mãe. Imaculada desde a concepção e cumprindo fielmente a vontade do Pai, ela conservou a fé, a esperança e a caridade íntegras e se manteve virgem e pura. Ela jamais se antecipou a Deus, nem em vontade e nem em atos, e nem tomou por princípio realizar alguma coisa a partir de si mesma acreditando que isso poderia ser agradável aos olhos de Deus; em tudo sempre esperou com paciência e seguiu com perfeita obediência a voz de Deus. Templo onde habita o Espírito Santo, a Virgem Santíssima tornou-se Mãe pelo poder divino, tendo gerado na terra o próprio Filho de Deus Pai. Cumpre-se nela, portanto, o chamado à fecundidade. Participando ativamente da missão de seu Filho, cooperou de modo singular na obra salvífica realizada por Ele para restaurar a vida sobrenatural das almas e, com “sua múltipla intercessão, continua a obter-nos os dons da salvação eterna”[30], sendo nossa Mãe na ordem da graça, e Mãe da Igreja.

    1. Sua vida de união com Cristo nos mostra que também nós somos chamados à união com Ele, até mesmo na cruz e na dor. Em todas essas circunstâncias, ela nos relembra que Deus está presente e realiza o seu projeto, fonte de paz e de consolo em meio à tribulação, pois “acolheu a Israel, seu servo, lembrado da sua misericórdia, conforme prometera a nossos pais, em favor de Abraão e sua posteridade, para sempre” (Lc 1,54-55).

    Modelo para toda Igreja

    1. A Virgem Maria também é modelo para toda Igreja, porque já está glorificada no céu em corpo e alma. E mais do que modelo, Ela é a grande colaboradora e intercessora para que cada filho a Ela confiado pelo sangue de seu Filho, em tudo e sempre, cumpra a vontade do Pai na comunhão de amor pelo Espírito Santo (cf. Jo 2,5). Essa é a meta e o termo de cada jornada vocacional. Vivendo a fé, a esperança e a caridade, amando a Deus acima de todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos, teremos sempre por nós o exemplo e intercessão de nossa Mãe Santíssima. “Ela brilha, como sinal de esperança segura e de consolação, aos olhos do povo de Deus peregrinante”.[31]

    1. Ao chegar a estes momento de minha carta pastoral com esta mensagem a todo o povo de Deus, que compõe a Igreja no Rio de Janeiro, unindo-nos em oração à Virgem Maria, que foi a mais sublime vocacionada e modelo de fidelidade orante. Como filhos confiantes na sua intercessão, dirigimos a ela as palavras de São João Paulo II na sua Carta aos sacerdotes por ocasião da Quinta-feira Santa de 1999:

    Virgem Maria, humilde filha do Altíssimo,
    em ti se cumpriu de modo admirável
    o mistério do divino chamado.
    Tu és a figura daquilo que Deus realiza
    em quem confia nele;
    em ti a liberdade do Criador
    exaltou a criatura humana.
    Aquele que nasceu do teu seio
    uniu, num único valor, a liberdade salvífica de Deus
    e a adesão obediente do homem.
    Graças a Ti, o chamado de Deus
    se solda definitivamente com a resposta do homem-Deus.
    Tu, primícias de uma vida nova,
    guardas, por todos nós, o “Sim” generoso da alegria e do amor.
    Santa Maria, Mãe de todo chamado,
    faze com que os fiéis tenham a força
    de responder com generosa coragem ao apelo divino,
    e sejam alegres testemunhas do amor a Deus
    e ao próximo.
    Jovem filha de Sião, Estrela da manhã
    que guias os passos da humanidade
    através do Grande Jubileu, na direção do futuro,
    orienta a juventude do novo milênio
    para Aquele que é “a verdadeira luz que ilumina todo homem” (Jo 1,9).
    Amém!

    Conclusão

    1. Ao colocar nas mãos de nosso povo esta nova carta pastoral, faço-o pedindo ao Espírito Santo que ilumine nossos caminhos e nos dê o fervor para vivermos este ano com intensa oração que nos revigore em nossa caminhada pastoral e nos faça viver nesse espírito pelos próximos anos. Os nossos sucessores, no futuro, colherão os frutos desta iniciativa, como hoje nós colhemos os frutos daqueles que nos antecederam. Constatando tanta generosidade de nosso povo e contemplando os dons que o Senhor nos concede, é impossível não agradecer a Ele pela nossa caminhada arquidiocesana. O dom das vocações é uma resposta de Deus às nossas orações, mas supõe também o nosso seguimento e ajuda para que possam seguir adiante aqueles que o Senhor chamou e estão discernindo o caminho de resposta, a fim de que a Igreja escolha os que serão oportunamente ordenados presbíteros. Perseverantes na oração e com os olhos fitos no Senhor que nos conduz, vivamos unidos na fé, afim de que a cidade do Rio de Janeiro seja sempre mais o “Rio onde Deus habita”, o “Rio de Deus”, forte em esperança no Deus Vivo e repleto de homens e mulheres que testemunham Jesus Cristo ao próximo vivendo na caridade e na fraternidade, porque o Redentor, realmente, está no meio de nós!

                                  São Sebastião do Rio de Janeiro, 20 de Janeiro de 2019.

                                 Solenidade de São Sebastião, Padroeiro da Arquidiocese

                                                                                   _____________________________________

                                                 Orani João Cardeal Tempesta, O. Cist.

                                                            Arcebispo Metropolitano

                                            Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro

    [1] Bento XVI, Mensagem pelo 43º Dia Mundial de Oração pelas Vocações, 07/05/2006.

    [2] Bento XVI, Mensagem pelo 43º Dia Mundial de Oração pelas Vocações, 07/05/2006.

    [3] Cf. Congregação para o Clero, O dom da Vocação Presbiteral, 16. Città del Vaticano, L’Osservatore Romano, 08 de dezembro de 2016.

    [4] João Paulo II, 16ª Mensagem para o Dia Mundial das Vocações (06/01/1979)

    [5] João Paulo II, 38ª Mensagem para o Dia Mundial de Oração pelas Vocações, 06/05/2001.

    [6] O sacerdote “é tomado dentre os homens e designado para servir a Deus em favor deles”. Os propósitos e promessas manifestados no rito de ordenação incluem (1) desempenhar sempre a missão de sacerdote no grau de Presbítero, como fiel colaborador dos Bispos, apascentando o rebanho do Senhor, sob a direção do Espírito Santo; (2) desempenhar com dignidade e sabedoria o ministério da palavra, proclamando o Evangelho e ensinando a fé católica; (3) celebrar com devoção e fidelidade os mistérios de Cristo (sacramentos), sobretudo a Eucaristia, a Reconciliação, segundo a tradição da Igreja, para louvor de Deus e santificação do povo cristão; (4) ser assíduo ao dever da oração (Liturgia das Horas, em especial, conforme promessa feita na ordenação diaconal), implorando a misericórdia de Deus em favor do povo a ele confiado; (5) unir-se cada vez mais ao Cristo e com ele ser consagrado a Deus para salvação da humanidade; (6) prometer respeito e obediência ao Bispo e seus sucessores.

    [7] João Paulo II, 38ª Mensagem para o Dia Mundial de Oração pelas Vocações, (06/05/2001)

    [8] FRANCISCO, 52ª Mensagem para o Dia Mundial das Vocações, (26/04/2015)

    [9] Cf. CONGREGAÇÃO PARA O CLERO, O dom da Vocação Presbiteral, 43.

    [10] Cf. CONGREGAÇÃO PARA O CLERO, O dom da Vocação Presbiteral, 28.

    [11] FRANCISCO, 54ª Mensagem para o Dia Mundial das Vocações, 07/05/2017.

    [12]JOÃO PAULO II, Pastores Dabo Vobis, 29.

    [13] Bento XVI, 50ª Mensagem para o Dia Mundial das Vocações, (21.04.2013).

    [14] João Paulo II, 35ª Mensagem para o Dia Mundial de Oração pelas Vocações, (03.05.1998)

    [15] Santa Teresa de Jesus. Castelo Interior ou Moradas. São Paulo: Paulus, 1981, p. 42.

    [16] Um exemplo forte para isso está na dimensão psicoafetiva. Apesar da sua importância, essa dimensão, não deve assumir papel norteador para a tomada das decisões finais de discernimento. A dimensão psicoafetiva se ilumina, enriquece e robustece através da vida sacramental, da oração e da vivência comunitária que darão a forma para os frutos do Espírito Santo, como paz, paciência, alegria, castidade, mansidão, fidelidade etc. Por isso, insistimos no fato que o itinerário formativo e seu discernimento é um percurso, progressivo, gradual, integral e comunitário que envolve harmonicamente todas as dimensões da formação sacerdotal. (Cf. JOÃO PAULO II, Pastores Dabo Vobis, 43-56; Cf. CONGREGAÇÃO PARA O CLERO, O dom da Vocação Presbiteral, 3.)

    [17] Cf. Lumen Gentium, n. 48. In: Documentos do Concílio Ecumênico Vaticano II. São Paulo: Paulus, 1997, p. 172.

    [18] Cf. LG 48

    [19] Cf. por exemplo, Padre Giovanni Battista Scarameli, SJ. Discernimento dos Espíritos, Campinas: Ecclesiae, 2015.

    [20] João Paulo II, 37ª Mensagem para o Dia Mundial de Oração pelas Vocações, (14.05.2000).

    [21] Santa Teresa de Jesus. Castelo Interior ou Moradas. São Paulo: Paulus, 1981, p. 23.

    [22] Santa Teresa de Jesus. Castelo Interior ou Moradas. São Paulo: Paulus, 1981, p. 41.

    [23] LEÃO XIII, Testem Benevolentem, 22-I-1899.

    [24] João Paulo II, Exortação Apostólica Pós-Sinodal Pastores Dabo Vobis, n. 81, (25.03.1992).

    [25] João Paulo II, Carta aos sacerdotes por ocasião da Quinta-feira Santa, 1979.

    [26] Lumen Gentium, n. 46. In: Documentos do Concílio Ecumênico Vaticano II. São Paulo: Paulus, 1997, p. 170.

    [27] S. João Crisóstomo. O sacerdócio, VI, 7. Petrópolis: Vozes, 1979, p. 121.

    [28] S. João Crisóstomo. O sacerdócio, VI, 7. Petrópolis: Vozes, 1979, p. 121.

    [29] Lumen Gentium, n. 53. In: Documentos do Concílio Ecumênico Vaticano II. São Paulo: Paulus, 1997, p. 180.

    [30] Lumen Gentium, n. 62. In: Documentos do Concílio Ecumênico Vaticano II. São Paulo: Paulus, 1997, p. 187.

    [31] Lumen Gentium, n. 68. In: Documentos do Concílio Ecumênico Vaticano II. São Paulo: Paulus, 1997, p.192.

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