É possível não ser ideológico?

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Por Francisco Borba Ribeiro Neto, sociólogo e biólogo, coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP

 

Na atual polarização da sociedade, quase todos acusam e/ou são acusados de ideológicos. Muitos consideram, num ceticismo relativista, que não é possível não ser partidário – e, portanto, ideológico – nos temas polêmicos. Será que é mesmo impossível superar as ideologias?

O pensamento social católico identifica a ideologia com uma visão reduzida da pessoa e da realidade. Neste sentido, todos somos mais ou menos ideológicos, pois só Deus pode ver o mundo em sua totalidade, sem nenhuma redução. Nós, seres humanos, sempre teremos uma visão reduzida das coisas. A ideologia é como que um “´pecado original” da inteligência.

Contudo, como nos lembra o Papa Francisco, todos nós somos pecadores, mas nem por isso precisamos nos tornar corruptos, isso é, nos conformarmos e até gostar do pecado (cf. O nome de Deus é misericórdia, São Paulo: Ed. Planeta, 2016). Nunca estaremos totalmente isentos de ideologias, mas podemos escolher um caminho que nos aproxima da verdade ou nos conformarmos a elas, nos tornando seus propagadores.

Um caminho intelectual para superar as ideologias, enquanto visões reduzidas da realidade que são, passa naturalmente por procurar o conhecimento integral da realidade. Podemos apreender apenas parte da realidade, mas se nos contentamos com uma parcela, sem procurar a totalidade, nos tornamos ideológicos. Quando procuramos a integralidade, mesmo que nunca a alcancemos totalmente, vamos nos aproximando da verdade.

Na luta contra as ideologias, o maior perigo é se considerar livre delas. Aquele que se considera sem ideologia deixa de ter a vigilância necessária para perceber quando o pensamento ideológico passa a dominar o seu discernimento.

O esforço sincero de diálogo com quem pensa diferente, por outro lado, é o melhor antidoto contra as ideologias. Contudo, esse diálogo deve ser sincero: procurar entender as razões do outro e não simplesmente ficar procurando seus erros. Não conseguimos dialogar se vemos o cisco no olho do outro, sem perceber a trave no nosso (cf. Mt 7, 5).

Assim, todos que defendem o diálogo como caminho para solucionar os problemas da sociedade, consideram que compreender o outro é o primeiro passo diante das polêmicas. Mas esse esforço para compreender o outro poder se tornar ele mesmo ideológico, pois não vemos o outro como ele realmente é, mas sim com uma visão preconceituosa que fizemos dele.

Por traz de toda ideologia influente existe um desejo de bondade e beleza, que foi adulterado, mas é a causa do êxito daquela proposta. Quando procuramos conhecer como esse desejo se manifesta no outro, superamos os nossos preconceitos e o relativismo hegemônico, nos aproximamos da verdade e nos afastamos das ideologias.

Esse caminho não é específico do cristão. Todos que desejam o bem do outro e da sociedade, podem e devem trilhá-lo. Contudo, o cristão tem uma força a mais para empreendê-lo: a segurança e a liberdade dos que se descobrem amados por Deus.

A insegurança e o medo, as necessidades e a luta pelo poder, nos afastam tanto da busca pela verdade quanto da proximidade com o irmão. Quando inseguros e angustiados, em tudo vemos perigos e ameaças.

Aquele que “espera e confia no Senhor” (Sl 37), pois encontrou o seu amor em Cristo, tem a liberdade de procurar a verdade, sem medo e tranquilo diante das ameaças do mundo, pois sabe que a bondade de Deus determina seu futuro e daqueles que ama.

Por isso, superar as ideologias depende também de um caminho ascético de encontro com Cristo.

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