A mesma indagação que Jesus fez um dia a seus discípulos Ele a faz a cada um de nós: “E vós quem dizeis que eu sou?” (Mc 8,29). Trata-se da identidade daquele que veio para redimir a todos. Muitos de seus discípulos estavam enganados O identificando com outras pessoas notáveis como João Batista e Elias. Foi quando São Pedro acertadamente afirmou: “Tu és o Messias?”. Caracterizou perfeitamente quem era Jesus, personagem irredutível a todas as comparações e assimilações. São Pedro proclamou Jesus como o esperado das nações e aquele do qual se podia esperar libertação. Ele viera a este mundo com esta sublime missão. Aí estava toda riqueza de sua personalidade. Foi brilhante a resposta de São Pedro, ratificada pelo próprio Cristo, uma vez que Ele impôs aos discípulos que “não dissessem tal coisa dele a ninguém”. Entretanto, se louvável foi o ato de fé na messianidade do Redentor, faltou a São Pedro reconhecer no mesmo uma característica fundamental. Este Messias, com efeito, era o servo sofredor. Naquele momento São Pedro não foi capaz de cpmpreeder a obra de Deus através do mistério pascal. O próprio Cristo detalhou sua caminhada de sofrimentos, sua morte e sua ressurreição. Foi chocante para o Apóstolo escutar o Mestre falando de dores e perseguições advindas dos sumos sacerdotes e escribas. De uma maneira ousada São Pedro vai dizer a Jesus para que Ele mudasse o seu discurso. Através dos tempos, Cristo se apresentaria aos homens a perguntar “quem dizeis que eu sou”? O aclamado do Domingo de Ramos, o taumaturgo que operava prodígios e milagres estupendos, o pregador que atraia multidões ou aquele que foi traído, reduzido a um frangalho humano e ignominiosamente morto pregado numa cruz? Aí está o grande dilema que Jesus apresenta a seus seguidores. A resposta é de vital importância porque o batizado necessita compreender que a passagem pela morte, pelo sofrimento, o desapego de si mesmo, não são uma opção facultativa na sua existência cristã. Para se chegar à plenitude da vida é preciso passar pela porta estreita. Jesus pelo seu mistério pascal veio ao cerne da fraqueza humana, da amargura inerente a um exílio terreno para ensinar como mudar tudo isto num ato de amor e de fé, fonte de salvação. Naquele instante São Pedro contemplava a tarefa de Jesus numa visão meramente humana e sua atitude foi taxada de satânica por Jesus. Sem sua morte não haveria a ressurreição que realizaria a transformação desta morte em vida. Como Jesus tinha o senso das coisas do Pai Ele vivia em função do mistério do amor e responderia pelo seu amor à violência que lhe seria feita pelos seus inimigos. A explosão de sua ternura venceria o mal. Jesus que é a fonte da salvação para os que nele cressem se fez o modelo para todos os seus seguidores. Mostrou então que ser cristão, ter a fé, não é pronunciar palavras ocas, recitar fórmulas vazias. É, isto sim, entrar numa existência que manifeste total amor e confiança em Deus, traduzindo em atos concretos a fé e a dileção a Ele, ao Pai e ao Espírito Santo. Mais tarde São Tiago que compreendeu profundamente esta lição afirmaria: “Que aproveita meus irmãos, a um dizer que tem fé, se não tem as obras […] Mostra-me a tua fé sem as obras, que eu, por meio das minhas obras, mostrar-te-ei a minha fé” (Tg 2,14.18). É esta fé em ato e em verdade que salva porque ela transforma o cristão na imagem de Jesus, o Messias sofredor. Mais tarde São Pedro teria uma visão integral de Jesus e escreveria na sua Primeira Carta: “Bendito seja Deus e Pai de nosso senhor Jesus Cristo que na sua imensa misericórdia, nos regenerou pela ressureição dentro os mortos para uma esperança vital” (1 Pd 1,3). Esta compreensão do mistério Pascal a teria São Paulo que na Carta aos Filipenses declarou: “Jesus, de condição divina, não julgou o ser igual a Deus um bem a que não devesse nunca renunciar, mas despojou-se a si mesmo, tomando a natureza de servo […] humilhou-se, fazendo-se obediente até à morte e à morte de cruz. E por isto Deus o exaltou e lhe deu o nome que está acima de todo o nome” (Fp 2, 5-6.8-9). Quando São Pedro tomou Jesus à parte e o repreendeu por falar em dor e morte, ele foi chamado de satanás por Jesus, dado que havia da parte dele total ignorância do mistério pascal. É através de sombras e luzes que se chegará um dia à plenitude da salvação oferecida pelo Messias sofredor. Naquele momento Pedro era satanás, o diabo, porque ele estava a dividir o conhecimento da fé, separando este conhecimento da existência do cristão. Este, a exemplo de Cristo, deveria tomar sua cruz e seguir o Mestre divino para poder também conhecer um dia a glória da ressurreição.