A palavra que nos falta

    Conheci um tempo em que palavra dita era compromisso sacramentado. Valia mais que qualquer documento. Homem de palavra dispensava a burocracia de papéis timbrados e firma reconhecida. Conheço agora um tempo de delações que se premiam, ou seja, a confiança tem preço. Não quero aqui justificar um erro em benefício de outro, mas algo nos falta nessa história do toma-lá-dá-cá que perverte nossa maneira de fazer justiça.
    Conhecemos a força criadora da Palavra. “Deus disse, e tudo se fez”. O mundo é obra da palavra proferida. Mas um detalhe não pode fugir da bela narrativa da criação: ao criar o homem Deus usou o plural: “Façamos”. Um detalhe aparentemente insignificante para muitos, mas de significado teológico revelador para os que melhor se aproximam da palavra de Deus. Para os exegetas esse detalhe nos prova a ação trinitária, quando Deus (Pai, Filho e Espírito Santo) usa de sua plenitude para dar vida à mais perfeita de suas criações, o ser humano. Mas também nos lembra a necessidade de nos unirmos a Ele, através da força de sua Palavra, para continuarmos a edificação humana: “Façamos o homem…”
    Essa força da palavra continua como o maior instrumento de que dispomos, se quisermos realmente dar continuidade aos projetos de Deus para nossa existência. “Não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus”, disse Jesus. Aqui está o segredo, o milagre transformador, capaz de renovar o homem e seu mundo. Dizemos ser a Bíblia essa Palavra Revelada, onde encontramos sentido para a vida e pistas para melhor direcioná-la. Essa verdade não se falseia, não se deturpa, não se desvia. A boca de Deus é geradora de todos os bens de que necessitamos para uma vida digna, um mundo justo.
    Daí então a necessidade que temos de conhecer e proclamar essa Palavra. Não se pode compreender um cristão que desconheça a Bíblia. Não pode orientar sua vida de acordo com a proposta ali revelada. Vive uma fé infantil, sujeita ao sopro de qualquer brisa contrária. Nunca poderá mergulhar de cabeça nos oceanos que se levantam contra a sua fé, nem terá força e coragem necessárias diante das adversidades. Qualquer ameaça lhe será fatal. Falta-lhe o alimento; aquele mesmo do qual Jesus nos fala: “Eu tenho um alimento para comer, que vós não sabeis”. E revela:”A minha comida é fazer a vontade daquele que me enviou, e cumprir a sua obra” (Jo, 4,32 e 34). À medida que proclama sua palavra, Jesus revela sua missão; a mesma que agora é nossa.
    O que nos falta, então? Descobrir o mistério dessa palavra faz parte da caminhada de cada cristão. Mas ele se desvenda paulatinamente, conforme nossa disponibilidade e intimidade com os planos que Deus sonhou para cada filho seu. Sem um esforço pessoal de sintonia com essa verdade nossa fé é vã. “Porque tudo o que foi escrito, para nosso ensino foi escrito, a fim de que, pela paciência e consolação que nos dão as Escrituras, tenhamos esperança” (Rom 15,4). Porque a palavra que nos falta não é um simples cumprimento de leis e mandamentos civis, morais ou religiosos, mas a sintonia permanente com a vontade de Deus. Esta se dá na escuta da Palavra e na prática dela. É descoberta pessoal, revelação.

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