Dom Leonardo sobre a “Cultura do Estupro”: decadência

“O estupro não é tocar no outro, é apenas abusar do outro. Não somos animais e devemos recuperar a grandeza de filhos e filhas de Deus”: esta é a reflexão que o Secretário-Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, Dom Leonardo Steiner, fez aos ouvintes da Rádio Vaticano sobre os inúmeros casos de notícias envolvendo estupros coletivos.

Ele comenta a cultura machista em nosso país e indica o caminho a seguir: educação.

Ouça aqui:

Não é pouco machista: neste sentido é muito machista. Eu quase diria que nós estamos sofrendo de uma doença. A nossa época está exacerbando a questão da sexualidade aonde a pessoa não é levada em consideração. A sexualidade humana tem a ver com a pessoa, tem a ver com a dignidade da pessoa, a sexualidade não é um objeto, não é um órgão do corpo. A sexualidade caracteriza a pessoa como um dos elementos mais íntimos da pessoa. Vejam que um estupro coletivo não leva em consideração absoluta a pessoa que ali esta, senão não se conseguiria fazer os atos que se têm feito.

Dignidade

Talvez o primeiro elemento importante é tentarmos resgatar a questão da pessoa. A questão da mulher como pessoa, não como objeto sexual, mas também do homem como pessoa. E se o homem se dá o direito de praticar estes atos, ele não tem uma compreensão de si mesmo que o dignifique. E também não tem uma compressão da mulher que a dignifique. Toda a questão do estupro, do abuso sexual, tem a ver com uma decadência da nossa época da compreensão da pessoa e, por isso, também, uma compreensão decadente da sexualidade humana: nós não somos animais, nós não somos animais.

A sexualidade humana tem a ver com relações, tem a ver com intimidade, tem a ver com amor, não tem a ver apenas com prazer, com gostar de. Não, a sexualidade humana ela tem algo de extraordinário que também, no gesto da entrega, no gesto da receptividade, pode gerar a vida. Tudo que diz respeito ao estupro não está levando absolutamente em consideração nenhuma destas questões.

Decadência ocidental

Isso é grave, não apenas para o Brasil, mas para o mundo inteiro. E vejo que a sexualidade humana no mundo de hoje perdeu seu valor, a sua força maior. E isso vai levando à decadência a nossa civilização ocidental. Vejam, por exemplo, em determinadas épocas a mulher era decantada como aquela que fazia cortesia, quem se dedicava ao amor, ao canto, à canção, e assim por diante. Hoje não. Hoje se vê o corpo da mulher, e o corpo da mulher como um mero prazer. Mas também vice-versa é verdade quanto ao homem.

Talvez o primeiro elemento importante de contribuição que nós podemos dar como Igreja e que a sociedade deveria ajudar a reconquistar é o valor da pessoa. Que tem a ver com questão da migração que o Papa está levantando: o que está em jogo é a pessoa que ali está, não é aquele que veio da outra terra e não me interessa. O Santo Padre disse que nós até gostamos de dar esmola, mas deixamos cair na mão do outro, e não tocamos o outro. O estupro, no fundo, no fundo, é não tocar no outro, é apenas abusar do outro. Quer dizer, não se criou relação. Não houve afeto, não houve entrega. Então é fundamental reconquistar esse elemento e isso é possível com a educação, com o debate, com bons textos. Só é possível assim.

Papel dos cristãos

E, para nós, cristãos, talvez fosse muito importante nós ajudarmos os nossos jovens, a nossa sociedade, a recuperarmos o que é o homem como homem? O que é a mulher como mulher? Desta relação, homem-mulher, o que acontece de grandeza, de transformação, nesta relação mútua. Não se está, creio, refletindo suficientemente que desta relação homem-mulher existe uma transformação em mim como homem, existe uma transformação nela como mulher, existe uma transformação em nós como homens e nelas como mulher, como mulheres.

Creio que isso quase desapareceu do nosso horizonte. Quando isso desaparece do nosso horizonte, essa dignidade de filhos de Deus, de filhas de Deus, você pode imaginar o que significa abusar de uma filha de Deus, de alguém que está ali, deitada e drogada, e ser abusada de tal forma, e que não se consiga mais ver a filha de Deus que está sendo abusada. Isso é de uma vilania enorme.

Reconquistar a grandeza de filhos de Deus

Eu creio que nós cristãos deveríamos ajudar a reconquistar essa grandeza de filhos e de filhas de Deus. E também nos educarmos para a sexualidade. Acho que nós perdemos isso hoje. Perdemos este educar para a sexualidade. Hoje tudo pode, tudo é válido. Dá a impressão de um tanto faz. Não, a sexualidade é algo extraordinário, diria até uma energia sublime, mas ela precisa ser educada, integrada, senão pode se tornar meio animalesca.

E o Evangelho nos ensina que isso só é possível no amor, só é possível no amor. Se não amarmos, nós também não nos integraremos sexualmente, afetivamente, só no amor é que a mulher será respeitada, só no amor é que o homem será respeitado. Vejam, o caminho é longo, mas o caminho, em primeiro lugar, é atraente, esperançoso.

 

Fonte: Rádio Vaticano

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