Do presépio à cruz

    Jesus nasceu numa manjedoura que se tornou uma cátedra de onde o Verbo Eterno de Deus, o qual veio habitar entre os homens, ensinou suas primeiras lições. Quis aparecer como uma criancinha na mais absoluta simplicidade e, na verdade, pobre e dependente de José e Maria. Envolto em desconfortos, sem a mínima comodidade, seu rústico berço, local onde animais se alimentavam, estava exposto a todos as intempéries, a todas as condições adversas. Seu tenro corpo sofria o impacto do vento e isto durante uma gélida noite. O Libertador da humanidade ali se achava na escuridão, Ele que era a luz do mundo No entanto, Ele já se fazia o notável Mestre a pregar desprendimento e a renúncia aos deleites deste mundo.  Anunciava assim, desde Belém, o valor da austeridade mais absoluta. A maneira como o Bem-amado do Pai quis ter o natal mostra que o presépio era o princípio de um grande projeto redentor.  Toda trajetória de Cristo nesta terra culminaria numa Cruz na qual estaria também despojado de tudo. Ao nascer, se viu, logo depois, cercado de pobres e ignorantes pastores. Ao morrer estaria rodeado de pérfidos inimigos, rudes e incapazes de ver nele o Messias prometido. Em ambas as ocasiões no meio de enormes sofrimentos.  Os guardadores de animais em Belém, vigilantes, atentos, na proteção de suas ovelhas, ao anúncio do anjo de que havia nascido o Salvador, foram imediatamente ver o recém-nascido e O glorificaram e louvaram.  Os soldados aos pés da cruz em Jerusalém ficaram irredutíveis e lançaram suas invectivas e horríveis doestos a Jesus, com exceção de apenas um que fez um ato de fé perante o Crucificado: “Este era verdadeiramente o Filho de Deus” (Mc 15,39). Por tudo isto não se pode dissociar o presépio da cruz, uma vez que a trajetória redentora de Cristo teve sempre como fim último a salvação da humanidade. Professamos esta verdade no Credo: “Ele nasceu da Virgem Maria, padeceu, foi crucificado, morto e sepultado”. Para compreender, porém, o verdadeiro significado do nascimento de Jesus até o seu sacrifício supremo no Gólgota é preciso que o coração saiba escutar atentamente os sinais divinos, possuindo a simplicidade dos pastores em Belém ou a sinceridade do centurião no Calvário em Jerusalém. Durante sua vida pública Cristo não foi aceito pelos fariseus, pelos doutores da lei, pelos hipócritas. Foi acolhido, contudo, pelas crianças e pelos pecadores arrependidos.  No próprio Calvário canonizou o primeiro santo, transformando um malfeitor em um cidadão do céu. Por tudo isto se deve projetar o Natal além dos esplendores dos cânticos dos anjos e a Paixão e Morte do Gólgota além dos horrípilos sofrimentos que Ele padeceu. Apenas deste modo se pode penetrar fundo no objetivo salvífico que o Redentor teve em mira na sua missão neste mundo. Como bem observou o Pe. Grou, Ele recebeu em Belém os pastores destituídos de riquezas, acolheu depois os Magos que eram ricos, mas sábios sem presunção, dóceis à luz divinal No presépio, porém, não esteve Herodes nem os mestres orgulhosos de Jerusalém. Lá no Calvário Ele teve a seu lado Maria, sua Mãe, e as piedosas mulheres, bem como o Discípulo fiel, João Evangelista, mas foi objeto dos insultos de seus inimigos. Quer no Presépio, quer no Gólgota só as almas de boa vontade podem contemplar numa criancinha inerme Aquele por quem todas as coisas foram feitas e num morto no alto de uma cruz Aquele diante do qual se dobram os joelhos no céu, na terra e nos infernos.  Razão teve, portanto, a carmelita Edith Stein ao afirmar que “os mistérios do cristianismo formam um todo indivisível”, pois o Presépio deve, de fato, ser contemplado à luz dolorosa da Cruz. Esta mística alemã traçou melhor do que ninguém o liame espiritual entre o mistério da Encarnação que culminou com o natal em Belém e o da Redenção que se consumou sobre a Cruz em Jerusalém.  Edith Stein reuniu cinco textos, a saber, uma conferência sobre o mistério do Natal e quatro meditações sobre o tema da Cruz, Soube com profundidade associar o mistério festivo do natal de Cristo e o mistério doloroso de sua paixão. Há entre os dois uma lógica profunda. Um conduz necessariamente ao outro, pois o caminho iniciado em Belém leva ao Gólgota. É o desenrolar do amor de Deus para com a humanidade chamada à salvação. Reflitamos sempre em tudo isto! *Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

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