Deus nos dê juízo

    Certas afirmativas são tão corriqueiras que perdem a força da verdade que expressam. Assim banalizamos muitas das nossas palavras. Por exemplo: “Deus lhe pague”, “Volte sempre”, “Até amanhã”, “Vá com Deus”, “Feliz Natal”, “Bom Ano”, “Saúde” ou mesmo o tradicional “Obrigado (a)”. Quantos proferem essas formulações da boca pra fora… Quem realmente as proclama com o coração? Quantos incrédulos usam essas expressões apenas pela força do hábito ou por normas de etiqueta! Usam do santo nome de Deus em vão.
    Mas, oh santa ignorância! Nem sempre a boca fala do que o coração está cheio, mas quase sempre o coração grita por aquilo que tanto anseia. Então, que Deus realmente lhes pague essa carência tipicamente humana. Sacie muitos corações sedentos de luz, de graça e compreensão dos mistérios. Devolva-lhes o juízo, a coerência das palavras que proferem, sem atenção às verdades nelas contidas ou desejadas. Nossas saudações interpessoais não podem limitar-se a normas de etiquetas ou padrões de civilidade pura e simples. Devemos sincronizar boca e coração, ouvidos e palavras…
    Lembrei-me aqui da figura santa e carismática de um homem com o qual tive o privilégio de cruzar meus caminhos e minha vida. Dele muito aprendi. Com ele senti o valor de uma palavra proferida com ardor, carinho, zelo paternal. “Sua bênção, meu bispo!” O bom velhinho, sorrindo e com o olhar sempre paternal de alguém em constante oração, respondia de pronto: “Deus lhe dê juízo, meu filho!”. Quem conheceu o saudoso D. José Lázaro, com certeza, dele ouviu essa estranha bênção. Juízo, meu filho!
    Ora, entre o juízo desejado e a bênção que se busca em vida, seja esta proveniente de um homem de fé ou mesmo de alguém com laços consanguíneos ou de simples relação pessoal, é sempre uma luz a iluminar momentaneamente nossos caminhos. Antes a bênção do que a maldição. Mesmo o mais pérfido dos corações há de escolher para si a bênção. Ninguém em sã consciência irá optar pelas trevas da incerteza e das desgraças em sua vida. Esse juízo todos temos. Ao menos que a demência e a cegueira das trevas tenham dominado alguns corações. A estes nenhuma esperança lhes sobra.
    É essa a Verdade que nossos lábios proclamam, mas nosso coração ainda necessita compreender em sua plenitude. Tudo de bom que desejamos aos semelhantes são bênçãos a iluminar o caminho que todos aqui trilhamos. É a luz que nos falta, como seres que se inter-relacionam e buscam energias para a construção de um mundo novo. Um mundo de luz! Esse é o caminho. Essa é a mensagem que desejamos mutuamente numa saudação aparentemente banal. Deus nos dê juízo! Então, acreditar no que estamos desejando é somar forças para trilhar um caminho de luz. Essa consciência ainda nos falta, mas ao menos o respeito humano ainda temos. E este há de se transformar em bênçãos, se nossas saudações ganharem um mínimo de coerência.
    Então prestemos maiores atenções ao que nossas bocas proferem. “Esta é a mensagem que dele ouvimos e que agora lhes anunciamos: Deus é luz e nele não há trevas. Se dizemos que estamos em comunhão com Deus e no entanto andamos em trevas, somos mentirosos e não colocamos em prática a Verdade.” (1João 1,5-6). Dura verdade! A distância entre a palavra que proferimos e os sentimentos que a impulsiona, muitas vezes, assemelha-se a um abismo sem fim. O abismo da falsidade que nos separa, da mentira que governa nossas relações pessoais, das trevas que comandam nossos interesses, antes de qualquer respeito ao bem comum. A Verdade que nos falta cuspimos da boca pra fora com nossas normas de etiquetas. Deus abençoe a todos!

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