Desnudando nossos altares

    Um vídeo circula nas redes sociais com a imagem do papa Francisco aprontando uma das suas costumeiras brincadeiras. Aproxima-se de um altar, deposita algo sobre ele, o reverencia e, com ambas as mãos puxa-lhe a toalha, sem derrubar nem os grandes castiçais, nem o crucifixo. Depois se vira para os padres e bispos que o observam com olhares atônitos pela “proeza” e solta suas largas e contagiantes gargalhadas. Falso ou verdadeiro? Se montagem, seus idealizadores merecem aplausos. Se verdadeiro, é mais um gesto que bem caracteriza a personalidade alegre e extrovertida de um papa que contagia a todos. Mas as imagens são mais contundentes do que uma brincadeira pura e simples. Há algo questionador na subliminar mensagem do pequeno vídeo.
    Francisco está a puxar o tapete de muitos acomodados. Desnuda altares e simplifica a mensagem da cruz, sem ornatos, sem mordomias, sem incenso, mas nua e crua como o sítio ermo, solitário, arredio e tétrico que foi o monte Calvário. Ali nasceu a missão da Igreja. Na simplicidade de uma realidade de dor e abandono, sem outras motivações que não fossem o da entrega e submissão ao enredo da redenção. Aquele foi o primeiro altar do verdadeiro sacrifício de amor; todos os demais – por maiores e mais luxuosos que sejam, esculpidos em mármores e adornados com ouro ou forrados com linhos artisticamente trabalhados – não chegam aos pés do altar plantado na periferia de Jerusalém. São “figurantes” de uma história sem igual, memoriais de uma verdade.  Assim o papa derruba paredes e simplifica a missão da Igreja, a nossa missão: apontar ao mundo a singela imagem de um Cristo nu, despojado de tudo, até da própria dignidade humana, apenas e tão somente para nos provar seu Amor.
    Com essa simplicidade e clareza de ideias, o papa Francisco nos dirige uma mensagem neste outubro missionário. “A missão não é proselitismo, nem mera estratégia; a missão faz parte da da fé, é algo imprescindível para quem se coloca à escuta da voz do Espírito, que sussurra e . Quem segue o Cristo não pode deixar de tornar-se missionário”… Aqui nos deparamos com a pureza evangélica em sua plenitude, sem subterfúgios, sem enfeites teológicos ou gramaticais, mas destituídos de qualquer argumento maior que não seja a ordem: vem ou vai. Quem se deixa alfabetizar pela gramática da fé expande seus horizontes, quebra tabus e derruba fronteiras. Joga a toalha dos próprios preconceitos, normas e etiquetas, para fazer brilhar no altar de sua existência o Cristo e sua cruz. Ecce homo!
    Na contemplação desse homem está a razão de ser da Igreja. Sem cruz, sem renúncias, sem os achaques da incompreensão e ironia do mundo, torna-se uma instituição de ritos vazios, uma agremiação fadada a ser prisioneira de seus privilégios institucionais. A missão abomina qualquer privilégio ou mordomia. Esvazia-se de tudo para salientar o nada da cruz e sua mensagem maior: o amor acima de tudo. “A missão é uma paixão por Jesus Cristo e, ao mesmo tempo, uma paixão pelas pessoas. Quando nos detemos em oração diante de Jesus crucificado, reconhecemos a grandeza de seu amor que nos dignifica, sustenta e, simultaneamente apercebemo-nos de que aquele amor, saído do seu coração trespassado, estende-se a todo o povo de Deus e à humanidade inteira”, nos diz ainda Francisco neste mês missionário.  Ou melhor: “Quem quiser ser o primeiro, seja o servo de todos” (Mc 10,44) Porque missão é servir.

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