Durante os dias que antecedem a Quaresma temos várias controvérsias sobre como vivenciá-los. São tantas posições e variadas que podemos encontrar situações de A a Z. Diante do lazer do carnaval e das situações de pecado as opiniões se dividem e muitas perguntas são feitas. Neste ano em que contemplamos a missão dos leigos e leigas como sujeitos da Igreja em saída sendo testemunhas como sal da terra e luz do mundo nós nos perguntamos como esse protagonismo vai acontecendo. E é claro que não se resume apenas nestes dias, mas em todas as situações sociais, econômicas, religiosas, humanas e existenciais com as quais nos deparamos a cada dia. E como vivenciar a vida cristã com seus valores num tempo de “mudança de época” ou como alguns classificam como de uma “sociedade líquida”? Creio que ainda mais complexo será como viver a vida cristã e testemunhar Jesus Cristo sem se comprometer com ideologias que querem manipular as nossas vidas e nos levar a comprometimentos fantasiosos que não conduzem à verdadeira vida?
Com relação ao carnaval podemos citar muitos textos de muitas pessoas santas de ontem e de hoje que nos levam a refletir sobre o nosso posicionamento atual. Ressoa em minha reflexão o texto da 1Cor 10,31 – 11,1 que lemos no domingo de carnaval: “quer comais, quer bebais, quer façais qualquer outra coisa, fazei tudo para a glória de Deus”. Essa perícope completa nos dá uma boa reflexão sobre o nosso testemunho no mundo. Aqui recordo de São Bento que nos ensina: “Tudo para a glória de Deus”: que seja o critério de tudo aquilo que fazemos e somos.
Nós encontramos muitas versões para a origem do carnaval: seja a partir do latim “carne vale”, ou seja, “adeus carne” ou a “despedida da carne” que recorda o fato de que na Quaresma entrante não se comeria mais carne até as origens pagãs e pré-cristãs da mitologia e das bacanais saturnais e tantas outras interpretações. A questão das origens pode ser discutida de muitas formas, mas o concreto hoje é que essas festas precedem a Quaresma e se guiam por essa data móvel ligada, como sabemos à data da Páscoa, centro do ano litúrgico. O Papa São Gregório Magno (590-604), teria dado ao último domingo, antes da Quaresma (domingo da quinquagésima), o título de “domenica ad carnes levandas”; o que teria gerado “carneval” ou carnaval. As festas pré-existentes, como tantas outras, no passado foram substituídas pela Igreja com festas cristãs. Porém hoje, muitas vezes, sucede o contrário. Eis aí o grande dilema de nossa presença evangelizadora no mundo de hoje.
Cabe a nós aprofundarmos sobre a nossa presença no mundo de hoje e qual seria a nossa orientação. Será o testemunho cristão de presença na sociedade que, levando o anúncio de Jesus Cristo ao mundo de hoje que poderemos anunciar que um “outro mundo é possível” quanto mais nos aproximarmos das verdades que o Filho de Deus nos revelou.
Porém existe outra realidade não noticiada pela mídia em geral que ocorre neste tempo que precede à Quaresma: os encontros ou retiros durante esses feriados de carnaval. São de muitas formas e conteúdo. Alguns mais silenciosos, outros com mais músicas e animação. Alguns fechados (entram no sábado e só saem na quarta-feira de cinzas) e outros abertos com idas e vindas cada dia em locais amplos e públicos. Alguns com grandes participações, até de milhares de pessoas, outros com grupos menores de centenas de participantes conforme o local e objetivo. Mas se somarmos todos os participantes iremos computar milhares de pessoas que durantes esses dias em todas as dioceses do Brasil passam os dias de carnaval em uma alegria alimentada pela Palavra de Deus e pelos sacramentos. Em nossa arquidiocese eu creio que chegamos a quase uma centena de retiros maiores ou menores, pois é difícil computar todos eles. Tive a oportunidade e ir celebrar em alguns. O mais antigo conhecido e que costuma marcar esse tempo é o “Rio de Água Viva”.
Esse é o lado espiritual do Carnaval do Rio de Janeiro que os jornais jamais mostram. Sabendo de toda essa vitalidade e com tantas pessoas que procuram ser testemunhas de Cristo em qualquer circunstância, desejo que no tempo que se aproxima, os 40 dias de conversão e penitência, nos encontre com os corações abertos para chegamos purificados e renovados à Páscoa da Ressurreição. Nunca esqueçamos e que levemos para onde quer que estejamos os nossos valores de filhos de Deus. E que, por isso mesmo, vivendo o batismo, sejamos sempre testemunhas de Jesus Cristo, nosso Senhor.
Que neste ano do laicato, quando os cristãos leigos e leigas são chamados a serem protagonistas como Igreja no mundo pelo testemunho como sal da terra e luz do mundo possamos dar passos concretos no desafio que nos propõe a atual Campanha da Fraternidade que é a superação da violência na certeza de que somos todos irmãos. Que o nosso horizonte se abra e, unidos procuremos cumprir nossa missão de cristãos batizados no mundo controverso de hoje.