Cartas do Padre Jesus Priante – Somos Chamados Por Deus a Sermos Felizes

Contra a tese de Freud: “A natureza humana não foi programada para ser feliz”, afirmamos que Deus não nos teria criado a não ser para sermos felizes. Da mesma maneira que nenhum pai ou mãe traria seus filhos ao mundo desejando sua desgraça. Jesus confirma essa tese: “Se vocês, sendo maus, querem o bem dos seus filhos, quanto mais vosso Pai do Céu” (Lc.11). Todo esse bem que Deus quer para nós é Ele mesmo, o Espírito Santo, a infinitude da vida feliz.

A felicidade é inata em todos nós. Está gravada em nossa natureza humana, assim como em toda criatura. “Deus viu que tudo era bom” (Gn.1).

Ser bom é estar bem ou ser feliz. Um presente reservado para o fim dos tempos, quanto tudo será em Deus, mas que nunca ser-nos-á tirado. Por isso São Paulo diz que somos felizes na esperança. “Já , mas ainda não”. Essa esperança feliz, segura e certa, é que nos acorda toda manhã contra todas as caducas esperanças que morrem na tarde ou na noite de nossos desesperos. A felicidade é nosso destino e a glória de Deus. Ele não estará feliz, afirma o papa João Paulo II na sua maravilhosa encíclica sobre a Misericórdia (1980) até nós todos estarmos felizes. “Somos diadema de Deus e pupila dos seus olhos” (Is.62).

O mesmo Espírito Santo almeja dentro de nós a vida feliz que teremos em Deus (Ap.22). Os sofrimentos da vida presente são provisórios e cumprem a função pedagógica de acrescentar o desejo e a esperança de felicidade eterna, assim como as alegrias passageiras são bálsamo nas feridas de nossos sofrimentos.

Reserva para o Fim dos Tempos

Deus nos concedeu a felicidade em forma de promessa ou “reserva escatológica”. O próprio Aristóteles (séc.I V a.C.), desde uma perspetiva apenas da razão, afirma que só conheceremos a felicidade no fim. Por isso, experimentamos a vida de maneira infeliz.

O vinho da alegria das Bodas de Caná está aguado pelas lágrimas. Por isso na Eucaristia misturamos umas gotas de água no vinho a ser consagrado. Neste mundo, a felicidade não só não existe como nem pode existir. Se fosse possível na terra, nem existiria Deus, nem haveria Céu. De fato, felicidade, afirma Santo Agostinho, é a posse de todo bem de maneira eterna. Nem o espaço pode conter todo o bem real ou possível, nem o tempo torná-lo capaz de o usufruirmos. O supremo e total bem é só Deus e para pode-lo desfrutar temos de ser divinizados, termos dimensões de infinito e de eternidade como Deus. Na presente condição espaço-temporal, a felicidade é objeto apenas de nossa esperança e desejo inato de cada um de nós e de toda Criação.

Spinoza (séc.XVII) a percebia até nas pedras, como virtude de todo ente. Aristóteles, na “Ética a Nicômaco”, seu filho, considera a felicidade como a finalidade do nosso agir. É o postulado da própria vida que, sendo impossível de alcançar com nossos recursos e forças, resta-nos esperar como dom de Deus e, para recebê-la, precisamos nascer de novo pela Ressurreição. Neste sentido, Freud estaria certo na sua tese: na natureza humana, a felicidade não existe de fato. Homero (séc.IX a.C.) dizia: “O homem é um ser infeliz”.

Aristóteles reservava a felicidade para o fim da vida. Platão (séc. IV. a. C.) a transferia para seu fantasioso mundo das ideias ou reino das almas, fora deste mundo. Schopenhauer, o autor mais lido na Europa no século XIX, contestando o idílico romantismo da época, disse: “a infelicidade está aí, a felicidade temos de buscá-la”. Sartre (séc.XX) disse que só podemos viver a vida de maneira autêntica na angústia.

“As lágrimas são o meu pão de cada dia” (Sl.42,3). “Se for apenas para este mundo que temos nascido, somos de todas as criaturas as mais infelizes” (1Cor, 15,19). Por isso, nosso otimismo, afirma o maravilhoso filósofo
francês Mounier (+1950) é “trágico”. Temos consciência da nossa dramática situação existencial e, ao mesmo tempo, vivemos pela Fé em Cristo, em perspectiva positiva e otimista do futuro.

Será o próprio Deus quem enxugará nossas lágrimas (Ap.7,14). Toda a História da Salvação, narrada na Bíblia, é uma crescente esperança de vida feliz (von Rad).”Todo o que foi escrito é para nutrir a esperança” (Rm.15,4). Nem as alegrias, nem as tristezas, nem o candor das flores, nem o temor das feras, diz São João da Cruz, devem deter nossa caminhada para o Deus de nossa alegria e a Terra Prometida por nós sempre sonhada.

Nada mais contrário à felicidade do que dizer neste mundo: “melhor estraga”.

No século primeiro, um pensador romano chamado Diogneto, curioso por saber a razão da alegria que mostravam os cristãos, lhe fora respondido por um membro da comunidade cristã em carta endereçada ao seu nome, “Carta a Diogneto”. Nós, cristãos, cremos e esperamos a vida e uma vida feliz em Cristo. Em 1Pe. 3,15 lemos que estás esperança é nosso maior argumento para defender nossa Fé e nos concede, já neste mundo, sermos mais felizes.

A razão de nosso “carpe diem” de Epicuro, como cristãos, nao é,”porque amanhã morreremos”, mas porque podemos deixar em todo momento a mais bela festa em seu auge sem nenhuma saudades, certos de uma outra infinitamente mais feliz. “O Céu não pode esperar” porque ele espera por nós e nos esperamos por ele em todo tempo e lugar.

“Que alegria quando me disseram: vamos à casa do Senhor” (Sl 122). Essa alegria não só não nos priva de viver mais felizes neste mundo como nos estimula a sermos mais felizes em todas nossas alegrias terrenas. Só um cristão pode ser um verdadeiro materialista. Pode celebrar suas festas neste mundo sem temer a “espada de Damocles” que pende sobre a cabeça de todo ser humano.

De fato, é impossível sermos felizes se inexoravelmente morremos. A morte frustra todas nossas alegrias e sonhos. Se estamos alegres é porque esperamos viver eternamente com Deus.

O Cristo Sorridente

Não é verdade o relato que Plínio, o Moço (séc. 1) escreve para o Imperador Trajano sobre Cristo. Após notificar-lhe que é lembrado por seus milagres, sua morte na cruz e Ressurreição, segundo crença legada por seus discípulos, lhe diz: “Contam que ninguém lhe viu sorrir”. Os evangelhos desmentem essa sua tristeza ou desencanto neste mundo. Nos evangelhos, o vemos participando em numerosas festas, ao ponto de algum fariseu lhe qualificar de comilão e beberrão, sendo acusado de que seus discípulos não jejuam. Um dos slogans dos primeiros cristãos era: “Um cristão triste é um triste cristão”.

Diz-se que Nietzsche não foi atraído pela fé, como ele confessou, porque os cristãos saíam tristes da Igreja. Um pouco quisermos corrigir essa inverdade na comunidade paroquial de Santa Rosa de Lima acompanhando frequentemente nossas celebrações com fraternos e alegres, nossos “ágapes”. Mas temos de ser realistas: nossa verdadeira alegria está no Céu, como Cristo nos disse: “Não vos alegreis pelos vossos milagres (diríamos todo tipo de progresso material) mas porque vossos nomes
estão inscritos no Reino dos Céus”. (Lc. 10,20) “É através de muitos sofrimentos que entrareis no Reino dos Céus” (2Cor.2,4). A cruz é o plano salvífico de Deus que escandaliza nossa razão e nossa crença religiosa. É o parto doloroso de toda a Criação (Rm.8).

Na cruz não podemos ficar para celebrar a festa, apenas esperar por ela. A Paixão (sofrimento) tem de ser vivida de maneira apaixonada, como uma “boa-aventuraça”. Algo impossível para quem carece da esperança da Salvação em Cristo, como sugere Dostoiewski através de um dos personagens, ateu, na sua novela “Os Irmãos Karamazov”: “Devolvo minha passagem para o céu, enquanto chorar de dor uma criança na terra”. Precisamente, porque sempre a veremos, com maior esperança, aguardamos nossa felicidade em Deus.

“FELIZ O HOMEM QUE PÕE SUA CONFIANÇA NO SENHOR, E SUA ESPERANÇA É DEUS” (Jer. 17,5-8)

Racional e religiosamente, poderíamos escolher quatro caminhos ou tentativas à procura da felicidade:

1. TRÁGICO HUMANISMO

O mito de Sísifo e Prometeu revelam essa opção. Sísifo pretende escalar a montanha da felicidade carregando a pesada pedra da sua propria existência, cada dia mais pesada e com forças mais mermadas, esperando atingir o cume onde descansar e ser feliz. Todos alimentamos esse sonho, mas acabaremos reconhecendo com Sartre e Camus que nossa luta pela vida foi uma “paixão inútil”, derrotados pela morte e nunca superando a dor. Prometeu apelou à loucura de roubar o fogo sagrado dos deuses capaz de transformar tudo: as tristezas em alegria, os desertos em jardins. É o sonho das ciências e o progresso que invade nossas mentes, particularmente em nosso tempo. Fomos à lua, Marte e sonharemos habitar outros planetas livres das lágrimas, da dor e da morte. Transformamos o universo pelo “metaverso” das novas tecnologias diluindo a matéria pesada da vida em uma “nuvem” mágica. É claro que ela acabará precipitando/se, apagando o ilusório fogo divino que pensamos termos roubado aos deuses. Feuerbach (séc. XIX),tido pai do ateísmo moderno, pensou ter usurpado esse fogo divino dizendo que tudo quanto atribuimos a Deus, poder e glória, pertence ao ser humano. “O homem é Deus para o homem”, talvez querendo corrigir o dito de Hobbes (séc. XVII): “O homem é lobo para o homem” e considera o Estado que rege a manada de lobos da humanidade como a besta mítica do Leviatã a devorar todos.

Outro Prometeu do trágico humanismo foi Francis Bacon (séc. XVI), pai da ciência moderna, dizendo: “saber é poder”. Augusto Comte (séc. XIX) o consagraria até nossos dias. Inclusive ele instituiu a Igreja da Humanidade. No Rio ainda existe um templo a ela dedicado. Os santos desta nova religião ou igreja humanista são os grandes cientistas celebrados ao longo do ano. O profeta Jeremias, previu no século VI a. C. essa idolatria humanista e disse: “Maldito e infeliz o homem que confia no homem, e se apoia num ser mortal; é como espinheiro no deserto que nunca verá a felicidade chegar”. O Sl. 1 compara a folhas secas que o vento leva.

A morte de Deus, como o mesmo Nietzsche teve de reconhecer, é a nossa própria morte. Roger Garaudy, fanático comunista francês, certo dia acordou da sua alienação em que vivia esperando a “Grande Tarde” ou o paraíso terrestre que o comunismo prometia. Se morremos antes dessa meta feliz, disse Garaudy, de que me serve que meus filhos entrem se eu fico às suas portas? Infelizmente, abandonou a mentira do comunismo, mas para
esperar o Nirvana do budismo, insensível e amorfo, uma outra versão do ateísmo e do trágico humanismo.

Sófocles,dramaturgo grego (séc. V a.C.) o expressa dizendo: “Não tenho senão desprezo pelos mortais que se nutrem de vãs esperanças neste mundo”.

2. NATURALISMO

No século IV a. C., na antiga Grécia, surgiram três escolas a propor a felicidade, seguindo os ensinamentos do seus respectivos fundadores: Epicuro, Diógenes e Zenón. Epicuro dizia que a felicidade consiste em usufruir neste mundo do maior prazer. Seu slogan, que perdura até hoje, era: “Carpe diem”, desfruta o dia de hoje porque amanhã morreremos. O que nos priva de esse sonho feliz, dizia, é o temor aos deuses e o medo da morte, que de fato não existem. Se sofremos, Deus não pode existir, pois nem seria poderoso nem bom, portanto,
não seria Deus. A morte também não temos de temer, pois enquanto vivemos, ela não existe e, quando ela chegar, nós não existiremos. Importa desfrutar cada dia e evitar a dor, enquanto possível, para sermos felizes. Nesta escola está matriculada, ainda hoje, a maior parte da humanidade.

Diogenes ensinava a via oposta a Epicuro. A felicidade consiste no despojo total das coisas não buscando o prazer nelas. Melhor tomar o sol de graça do que possuir todos os reinos. Os moradores de rua, presentes em todos os povos, seguem este mestre que tinha por morada na praça de Atenas uma anfora de barro. Muitos ascetas, também cristãos, professaram essa essa escola. O Buda, antes de Diógenes, a fundou e persiste com milhões de alunos, tendo como seu principal princípio: “A vida é dor. E sua causa da dor é o desejo de ter e querer ser felizes com as coisas que temos”. O caminho da felicidade o encontraremos no total desapego até de nós mesmos para sermos no Nada que, por não ser algo, é tudo. Uma pequena dose dessa filosofia, em perspetiva mais sublime e positiva, a encontramos nas palavras de Jesus: “Felizes os pobres em
espírito, porque deles é o Reino dos Céus” (Mt. 5.). Sem um espírito de desapego ou pobreza de espírito, as coisas deste mundo causam tédio e preocupações que azedam nossas alegrias.

Zenón escolheu a terceira via. Reunia seus alunos na stoas (galerias) da praça de Atenas, daí o nome da sua escola: “estoicismo”, propondo a indiferença total ao bem e ao mal, alegrias e tristezas, pois tudo está determinado na própria natureza das coisas na qual também nós estamos inseridos. Nem alegrias podemos criar nem as tristezas evitar. Resta-nos aceitar a própria realidade. Não são poucos os que se conformam com sua sorte refugiando-se no grande princípio estóico: “tudo é natural”, vida e morte, ou atribuem sua sorte às estrelas ou ao deus “Fortuna”. “Nada novo debaixo do sol”, diz o Eclesiastes.

Conformados com tudo, resta-nos viver tempos de guerra e tempos de paz, de saúde e de doença, de alegrias e tristezas. O cristianimso também adota esta filosofia de vida que, Santo Inácio de Loyola chamou com Sao Paulo, “santa indiferença”, porque as alegrias deste mundo são passageiras. Só seremos felizes num mundo “sobrenatural” , o Reino de Deus, nossa segunda natureza. A felicidade está além da História. A única escola da felicidade é Cristo: “nossa feliz esperança de vida e Salvação”

3. TEOCENTRISMO

“Feliz o homem que põe sua confiança e esperança no Senhor”. Ele é o supremo bem que todos buscamos e desejamos nesta aventura humana à procura de uma vida feliz. Nós, latinos, costumamos nos despedir com a palavra “adeus”, que significa irmos a Deus. Toda outra meta ou destino é a perdição. A Ele remetemos nossas alegrias e tristezas, vida e morte.

Cada pessoa ou povo, à sua maneira, encontra no Deus no qual acredita o último consolo neste vale universal das lágrimas e abismo da morte no qual temos nascido. Viemos de Deus e a Deus voltamos, é a melhor leitura que podemos fazer de nós e do mundo que habitamos. Alguns neurologistas até afirmam que temos um gem ou neurônios divinos que nos impulsionam a Deus. Na Física também se tem chamado recentemente de “partícula de Deus” (bóson ), no lugar de átomo, ao hipotético primeiro tijolo da matéria.

O místico Eckhart (séc. XIII) falava de “centelha divina” que todos temos e que nos leva a buscar e desejar a Deus de maneira natural e instintiva. Por isso, filosoficamente, é negado todo ateísmo. Podemos negar um determinado Deus por nós concebido ou estarmos contra Deus, “anti-teístas”, mas não podemos existir sem Deus. Se Ele fosse um sapo, dizia o novelista Bernanos, o poderíamos matar, mas Ele não é um sapo, senão a fonte de todo ser e da vida, sem o qual nós nao existimos.

Deus não é só a totalidade dos fatos e dos entes criados, mas também de todos os possíveis, em número infinito, e de todas as potencialidades, por isso é impossível de ser visualizado no espaço e no tempo e de ser concebido pela razão, que só pode representar a realidade nas coordenadas do espaço e do tempo. Ele é eterno e infinito, além do espaço e do tempo. No entanto, não podemos pensar o mundo e nossa vida sem Deus. É a noção ou ideia que tivermos de Deus o que conforma a ideia que temos de nós e do mundo em que habitamos. Até do mundo das nossas ideias, Deus é o Criador segundo Berkeley. Imaginar um “big-bang” do mundo ou uma sucessão de mundos ao infinito só cabe, como no salmo 14,1, numa mente insensata.

Deus, afirma o profeta Jeremias, é nossa única esperança de vida feliz, a ser entendida não como mero repouso ou meta ao fim do caminho, mas como “fonte que jorra eternamente” (Jo. 4).

K. Rahner, refutando a tradicional maneira de representar a vida eterna como contemplação extática de Deus, diz:
“Não nos consta que a vida eterna seja contemplativa, senão incessante dinamismo, como água sempre viva e nova”.

A vida, de fato, é movimento. Iremos ao Céu não para “descansar”, mas para viver intensamente em grau infinito,
na voragem ou “dança” divina que a teologia chama “perichoresis”. Nesse dia não mais precisaremos ir ao poço de Jacó como a Samaritana, porque nossa sede se converterá em fonte.

Kierkegaard interpretava a fé como supremo ato de confiança em Deus que nasce da nossa angústia existencial e desespero. Se não tocamos o limite de nossa vida na terra, Deus não existe como nosso verdadeiro Deus. O teocentrismo vital que nos brinda a felicidade necessariamente nos remete à eternidade, e é praticado neste mundo em constante exorcismo, isto é, temos de declarar “anátema” (afasta-te de mim) a tudo quanto pretende se colocar como centro de nossa vida no lugar de Deus. Jesus sugere esta prática quando disse que, para seguir Ele, que é o mesmo Deus, é preciso “odiar pai e mãe… a própria vida, e renunciar a todas as coisas.” (Mt.19) Temos de exorcizar fatos, coisas, pessoas, sonhos e ideais dizendo que tudo isso não são nosso Deus. Nenhuma abundância, nem carência, bem ou mal, vida ou morte podem perturbar nossa esperança feliz de Salvação que temos em só em Deus. Paradoxalmente, esta opção absoluta por Deus pela qual afastamos de nós todos os ídolos, nos proporciona, disse Jesus, cem vezes mais coisas, familiares e amigos, neste nosso mundo, e depois na Vida Eterna, do que tudo quanto renunciamos, esperando o Reino de Deus. Toda vez que rezamos o Pai-Nosso, fazemos um grande exorcismo ao dizer:”Não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal”, de pôr nossa esperança fora de Deus.

CRISTOCENTRISMO

A crença em Deus é universal. De fato, o ser humano é naturalmente religioso, embora possa reprimir esse seu instinto. Mas o Deus das religiões em nós é concebido de várias maneiras, criando em nós a dúvida a respeito a quem invocar como único e verdadeiro. Até Cristo, mesmo para Abraão, pai da fé no único e verdadeiro Deus, Ele era uma ideia ou um ser que estava no céu, inacessível a nós, embora percebido por sinais, fatos, coisas e sentimentos. O Deus realmente “concreto” e, portanto, fora da mera ideia ou sentimento humano, é Jesus Cristo. Deus se fez carne ( eal e concreto) em Jesus de Nazaré, no espaço e tempo, por isso só Ele pode ser representado em nossa mente. Ele nos disse: “Se vocês crêem em Deus, creiam em mim. Eu e Deus Pai somos um e quem Me vê a Mim vê a Deus.” (Jo.14)

O cristocentrismo acrescenta ao teocentrismo o plus indiscutível do verdadeiro Deus de quem esperamos com segurança e certeza uma vida eterna e feliz, pois nos incorporou à Sua vida,
humana e divina, à maneira como os membros do corpo estão unidos à sua cabeça, em Cristo, Deus deixa de ser uma ideia ou mera crença, assim como um Deus de temor, próprio das religiões. Sua sorte é nossa sorte e Sua vida é também nossa. Com Ele e Nele sofremos e morremos e com Ele também ressuscitaremos para entrarmos no Reino da Vida Eterna e Feliz.

O cristianismo, de fato, não é uma religião que propriamente nos relaciona com Deus, mas nossa comunhão concreta e real com o próprio Deus na pessoa de Cristo, do qual somos Seu Corpo.

A disjuntiva de Spinoza, Deus ou natureza e o dualismo Deus e mundo, são dirimidos na comunhão com Deus que temos em Cristo.

“SE TEMOS A ESPERANÇA EM CRISTO APENAS PARA ESTA VIDA, SOMOS OS MAIS DIGNOS DE COMPAIXÃO” (1Cor. 15,12-20)

Este texto contesta o pensamento de alguns cristãos da comunidade de Corinto que projetavam sua vida feliz em Cristo apenas para este mundo. Muitos judeus, particularmente a seita dos saduceus, acreditavam
também no Deus de Abraão, mas esperavam dele uma vida longa e feliz aqui na terra.

As Testemunhas de Jeová também anseiam por esse paraíso terrestre.

Não são poucos os que invocam a Cristo com a finalidade de receber Dele saúde, êxitos, riquezas e bens materiais neste mundo. Professam o chamado “evangelho da prosperidade”. A Ressurreição, o milagre dos milagres, que nos dá acesso à verdadeira vida feliz em Deus, é preterida, e quanto mais tarde chegar melhor. São Paulo percebeu já em seu tempo esta mentalidade mundana da salvação e refuta dizendo: “Se for para este mundo que esperamos em Cristo, somos as mais infelizes de todas as criaturas”, pois as planta e os animais, como nós, morrem, mas não tem consciência da sua fatalidade terrena. Para nós, que sabemos que morremos, a vida carece de todo sentido neste mundo sem a esperança da Ressurreição.

Cristo Ressuscitado é a hora zero do amanhã da nossa Salvação. Na Sua morte morreram as horas de todas as mortes e na Sua Ressurreição nascemos, sem o tempo que conta o movimento da nossa vida para habitar definitivamente num mundo novo. Nele cumpre-se a profecia: “Eis que venho e faço novas todas as coisas, novos céus e nova terra” (Ap. 21). Nada mais real e certo do que contar os anos em relação a Cristo. Antes Dele o tempo envelhecia e morria. Depois Dele, o tempo é parto que nos faz nascer para sempre. Sua propria pessoa é nossa “feliz esperança”. Não são coisas ou bens que esperamos, mas a própria vida divina que em Cristo já temos, aguardando sua eclosão no dia da nossa morte, que é o acontecimento da graça plena que temos em Cristo. Ela nao apaga a vida, mas nos a comunica, eterna e feliz em Deus.

“BEM AVENTURADOS (FELIZES) OS POBRES, OS QUE AGORA TENDES FOME, OS QUE CHORAIS, SÃO ODIADOS E PERSEGUIDOS PORQUE VOSSO É O REINO DE DEUS” (Lc. 6,17-26)

Este relato evangélico que, em Mt, 5 é chamado Sermão da Montanha, para significar o ideal e desejo de felicidade que Deus gravou em nós, como meta e destino, é chamado em Lucas “Sermão da Planície”, pois não somos nós aqueles que teremos de escalar a montanha inacessivel da vida feliz, mas o próprio Deus Quem desceu até nós para atingi-la. Não será nossa santidade, senão porque Deus é santo e misericordioso, todos entraremos na sonhada Terra Prometida. (Dt. 9) Este plano ou mistério da Salvação, nos diz São Paulo , até Cristo, estava escondido ao longo dos séculos (Cl.1,26). Pela lei do dever e méritos ninguém se salvaria. O pecado e a morte são mais fortes do que nós. Infelizmente todos nós fomos, mais do que evangelizados, doutrinados. Logo aprendemos no catecismo os Dez Mandamentos, omitindo o principal mandamento que fundamenta, não só nossa ética, mas a finalidade da mesma que é a felicidade, impossível de conquistar com nossas obras. O grande mandamento é: “Escuta, Israel, o Senhor é teu Deus, o Senhor é um.” (Shemà Israel – Dt. 6,4) Ele é Quem te tirou do Egito;(Ex. 2) Aquele que te salva, por isso, ama-o com todo teu coração, mente, forças e alma; mais do que mandamento, é mera consequência da tua Fé. São João confirma esta tese: “Este é o mandamento: creiam que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus e, crendo, terão a Vida Eterna” (Jo. 20, 30; 1 Jo, 3, 23).

Para o povo de Israel, a libertação das escravidão do Egito, é a referência da sua esperança de salvação. Para nós cristaos, é a Ressurreição de Cristo, que nos liberta do pecado e da morte e nos concede a vida eterna e feliz.

Se Cristo não ressuscitou, nossa fé, diz São Paulo, é inútil e vazia. A Ressurreição, em termos darwinianos, é o grande “mutante” que nos faz “trans-humanos”, filhos de Deus.

Enquanto estamos neste vale de lágrimas, aqui na terra, esse sonho de vida feliz, o vivemos na inquebrantável ponte da esperança que é o próprio Cristo. A felicidade é ainda Promessa que, por ser de Deus, é irreversível, segura e certa, já cumprida em Cristo em favor de nós. Agora, a árdua e dolorosa aventura da vida, é uma aventura feliz e boa. A nós, que ainda somos pobres, carentes de paz, saúde, sofredores, injustiçados, excluídos, oprimidos, angustiados e ainda infelizes, Cristo nos promete: “Bem-aventurados vós todos, porque vosso é o Reino de Deus”. Bem outra é a sorte dos que apostam por uma felicidade apenas terrena, da qual Deus não nos priva, mas lamenta e condena que seja esta vida nossa única aspiração. “Ai de vós os ricos, os saciados, os que agora rides, os que são aplaudidos por todos, porque conhecereis o luto e as lágrimas”.

A Parábola do rico e o pobre Lázaro (Lc. 14,31) mostra essa verdade evangélica. Toda pregação de Cristo, como promessa de Salvação, resume-se em “Procurai em primeiro lugar o Reino de Deus e tudo mais vos será dado por acrescimo”.

Quem tem por certa sua estadia no Céu, pode ser infinitamente mais feliz na terra, com suas alegrias e tristezas, do que quem tem somente por moradia este mundo, efêmero e inseguro. Todos nós gostaríamos de conhecer com nossos próprios olhos a vida eterna que esperamos, graça que momentaneamente, de maneira obscura tiveram os três felizardos discípulos: Pedro, João e Tiago nos dia da Transfiguração de Cristo. Não mais queriam sair daquele glorioso lugar. Se experimentassemos uma réstia do Céu, seria impossível viver na terra. O rico da parábola acima citada, almejava também por esta visão transcendente, Celeste. Abraão lhe disse: ”
Ainda que ressuscite alguém de entre os mortos não acreditarão”.
E acrescentou: “Têm Moisés e os profetas que nos dão a conhecê-Lo”. Até o fim dos tempos nossa esperança de Salvação e vida eterna só nos pode vir em forma de palavra ou promessa, pois dela só usufruímos ao deixarmos esta nossa morada terrena. “Em verdade vos digo: quem crê em Mim e na Minha Palavra tem a vida eterna”, Jesus repetia constantemente. Pedro assimilou esta mensagem plenamente e descartou qualquer outra esperança de Salvação: “A quem iremos, Senhor, só Tu, tens palavras de vida eterna” (Jo.6). As Bem-Aventuranças deveriam presidir nossos aposentos e caminhos tornando-nos conscientes que esta nossa perigosa, difícil, insegura e penosa aventura da vida é maravilhosa e boa. Por breve tempo ainda não somos felizes, mas por toda uma eternidade o seremos. conforme Deus nos prometeu em Cristo.

Padre Jesus Priante
Espanha

Edição por Malcolm Forest. São Paulo.

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